Procedência parcial da pretensão punitiva. Neste caso é possível a ANPP (Acordo de não persecução penal)?

Procedência parcial da pretensão punitiva. Neste caso é possível a ANPP (Acordo de não persecução penal)?

Acordo de não persecução penal (ANPP)

O que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)?

A Lei 13.964/19 ampliou as possibilidades de justiça penal negociada, inserindo o artigo 28-A no Código de Processo Penal, visto que, nos crimes onde a pena mínima for inferior a 4 (quatro) anos poderá ensejar um acordo de não persecução penal, reduzindo a demanda da justiça criminal.

O artigo supracitado aduz que “não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal”.

Temos um exemplo parecido com o ANPP, que é a transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo aplicada nos Juizados Especiais Criminais, bem como a suspensão condicional do processo nos crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano, dentre outros requisitos.

O papel do juiz no ANPP

Uma das grandes inovações do Pacote Anticrime (pelo menos no que se refere a texto de lei), foi a introdução do acordo de não persecução penal no bojo do Código de Processo Penal.

Não há dúvida de que o juiz não deve participar das tratativas que envolvem o ajuste. Este é um negócio jurídico que envolve o investigado e o MP, em fase pré-processual. A lei não exige presença e até implicitamente preconiza, em respeito ao sistema acusatório (imparcialidade), que o juiz fique ausente das negociações até que seja finalizado esse ajuste. Observe-se o disposto no § 3º do art. 28-A do CPP:

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. Por outro lado, estabelece a necessidade de uma audiência com a específica finalidade de homologação, em que o a magistrado deve verificar sobre a legalidade e a voluntariedade (consentimento informado) do acordo, inclusive ouvindo o investigado na presença do seu advogado.

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.

A decisão do juiz (ele que não é parte no negócio jurídico, mas sim terceiro desinteressado) que homologa o ANPP não é e não equivale a uma sentença condenatória. É “mero ato homologatório, de natureza integrativa do negócio jurídico, sem força de coisa julgada material, e que tem a função de garantia da legalidade e da legitimidade da avença, permitindo que ela passe a surtir seus efeitos jurídicos”, passe a ter eficácia.

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.

É evidente que o juiz pode avaliar a voluntariedade e a legalidade do ANPP, isso está expresso na lei. Não se discute, portanto, que o magistrado pode avaliar sobre a presença de requisitos legais e causas impeditivas. Mas a questão mais delicada é averiguar se o juiz pode avaliar as condições impostas ou mesmo o conteúdo delas. Pessoalmente pensamos que SIM. É isso que está no § 5º do art. 28-A do CPP. Quando se avalia ‘adequação’, ‘suficiência’ e ‘abusividade’ (são os termos empregados), convenhamos, não há como escapar de uma análise de conteúdo das condições dispostas no acordo. Ora, só se pode avaliar se uma cláusula qualquer é ‘abusiva’ (pense num contrato comum), na medida em que se averigua o seu exato conteúdo, não só a extensão. O mesmo se diga em relação à ‘adequação’, relacionada à proporcionalidade da condição.

E quando o investigado preenche os requisitos de lei e o MP não propõe o ANPP? Há uma saída simples prevista pela Lei 13.964/2019, constante do art. 28-A do CPP: § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

Pois bem.

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP), que pode ser assim conceituado: - é um acordo (negócio jurídico) celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual), ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes. No ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

Os requisitos para a propositura do ANPP estão previstos no caput e no § 2º do art. 28-A do CPP e podem ser assim sistematizados:

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento: Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal. O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal. O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça. Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa. Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos. Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe. Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP, que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado: com outro ANPP; • com transação penal ou • com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Após este introito sobre as condições para a aplicação do ANPP, deparei-me com a seguinte situação:

Regina era responsável pela empresa Alfa Serviços de Vistoria Veiculares Ltda, que era credenciada pelo DENATRAN para confeccionar laudos de vistoria veiculares. Em 2014, aproveitando-se do acesso que possuía ao sistema do DENATRAN, ela elaborou sete laudos de vistoria ideologicamente falsos, “aprovando” indevidamente veículos que estavam na posse de seu então companheiro João, mas que eram produto de furto. Em 2019, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Regina imputando-lhe sete crimes de falsidade ideológica em concurso material (art. 69): Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

Ao final da instrução, em 30/03/2020, sobreveio sentença condenatória nos exatos termos da denúncia (sete crimes de falsidade ideológica em concurso material). Regina, então, foi condenada na pena de 09 anos de reclusão. A condenada interpôs apelação argumentando que houve crime continuado (e não concurso material).

O TJ deu provimento ao recurso para reconhecer a continuidade delitiva. Em razão disso, a pena foi redimensionada para 1 ano e 9 meses, substituída por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária de um salário-mínimo. Regina, então, opôs embargos de declaração, ao argumento de que, com a modificação da modalidade de concurso, a pena mínima menor de quatro anos passou a viabilizar a proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Ressaltou que a proposta somente se tornou viável após o provimento da apelação, motivo pelo qual este seria o momento oportuno para abordagem da matéria. Requereu, portanto, que os autos fossem enviados ao MP para que se manifestasse sobre o oferecimento da proposta da ANPP.

O TJ rejeitou os embargos de declaração. Regina interpôs, então, recurso especial, insistindo no cabimento do ANPP. O STJ concordou com os argumentos da ré. No caso, houve uma relevante alteração do quadro fático-jurídico, tornando-se potencialmente cabível o instituto negocial do ANPP.

Afinal, o Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso de apelação interposto pela defesa, deu-lhe provimento, a fim de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica (art. 299), tornando, assim, objetivamente viável a realização do referido acordo, em razão do novo patamar de apenamento - pena mínima cominada inferior a 4 anos.

Trata-se, mutatis mutandis, de raciocínio similar àquele constante da Súmula 337 do STJ: Súmula 337-STJ: É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.

De fato, ao longo da ação penal até a prolação da sentença condenatória, o ANPP não era cabível, seja porque a Lei Nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23/1/2020, após o oferecimento da denúncia (26/4/2019), seja porque o crime imputado - falsidade ideológica, por sete vezes, em concurso material - não tornava viável o referido acordo, tendo em vista que a pena mínima cominada era superior a 4 anos, em razão do concurso material de crimes.

Ocorre que o Tribunal de Justiça, já na vigência da Lei nº 13.964/2019, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica, afastando, assim, o concurso material.

Essa modificação do quadro fático-jurídico não somente resultou numa considerável redução da pena, mas também tornou objetivamente cabível a formulação de acordo de não persecução penal, ao menos sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 anos, conforme previsto no art. 28-A do CPP.

Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial.

Cabe salientar, ainda, que, no caso, não se faz necessária a discussão acerca da questão da retroatividade do ANPP, mas, sim, unicamente a circunstância de que a alteração do quadro fático-jurídico tornou potencialmente cabível o instituto negocial, de maneira que o entendimento externado na presente decisão não entra em confronto com a jurisprudência do STJ.

Em suma: Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.016.905-SP, Rel. Min. Messo

Procedência parcial da pretensão punitiva. Neste caso é possível a ANPP (Acordo de não persecução penal)?

Acordo de não persecução penal (ANPP)

O que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)?

A Lei 13.964/19 ampliou as possibilidades de justiça penal negociada, inserindo o artigo 28-A no Código de Processo Penal, visto que, nos crimes onde a pena mínima for inferior a 4 (quatro) anos poderá ensejar um acordo de não persecução penal, reduzindo a demanda da justiça criminal.

O artigo supracitado aduz que “não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal”.

Temos um exemplo parecido com o ANPP, que é a transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo aplicada nos Juizados Especiais Criminais, bem como a suspensão condicional do processo nos crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano, dentre outros requisitos.

O papel do juiz no ANPP

Uma das grandes inovações do Pacote Anticrime (pelo menos no que se refere a texto de lei), foi a introdução do acordo de não persecução penal no bojo do Código de Processo Penal.

Não há dúvida de que o juiz não deve participar das tratativas que envolvem o ajuste. Este é um negócio jurídico que envolve o investigado e o MP, em fase pré-processual. A lei não exige presença e até implicitamente preconiza, em respeito ao sistema acusatório (imparcialidade), que o juiz fique ausente das negociações até que seja finalizado esse ajuste. Observe-se o disposto no § 3º do art. 28-A do CPP:

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. Por outro lado, estabelece a necessidade de uma audiência com a específica finalidade de homologação, em que o a magistrado deve verificar sobre a legalidade e a voluntariedade (consentimento informado) do acordo, inclusive ouvindo o investigado na presença do seu advogado.

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.

A decisão do juiz (ele que não é parte no negócio jurídico, mas sim terceiro desinteressado) que homologa o ANPP não é e não equivale a uma sentença condenatória. É “mero ato homologatório, de natureza integrativa do negócio jurídico, sem força de coisa julgada material, e que tem a função de garantia da legalidade e da legitimidade da avença, permitindo que ela passe a surtir seus efeitos jurídicos”, passe a ter eficácia.

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.

É evidente que o juiz pode avaliar a voluntariedade e a legalidade do ANPP, isso está expresso na lei. Não se discute, portanto, que o magistrado pode avaliar sobre a presença de requisitos legais e causas impeditivas. Mas a questão mais delicada é averiguar se o juiz pode avaliar as condições impostas ou mesmo o conteúdo delas. Pessoalmente pensamos que SIM. É isso que está no § 5º do art. 28-A do CPP. Quando se avalia ‘adequação’, ‘suficiência’ e ‘abusividade’ (são os termos empregados), convenhamos, não há como escapar de uma análise de conteúdo das condições dispostas no acordo. Ora, só se pode avaliar se uma cláusula qualquer é ‘abusiva’ (pense num contrato comum), na medida em que se averigua o seu exato conteúdo, não só a extensão. O mesmo se diga em relação à ‘adequação’, relacionada à proporcionalidade da condição.

E quando o investigado preenche os requisitos de lei e o MP não propõe o ANPP? Há uma saída simples prevista pela Lei 13.964/2019, constante do art. 28-A do CPP: § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

Pois bem.

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP), que pode ser assim conceituado: - é um acordo (negócio jurídico) celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual), ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes. No ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

Os requisitos para a propositura do ANPP estão previstos no caput e no § 2º do art. 28-A do CPP e podem ser assim sistematizados:

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento: Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal. O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal. O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça. Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa. Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos. Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe. Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP, que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado:

• com outro ANPP; • com transação penal ou • com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Após este introito sobre as condições para a aplicação do ANPP, deparei-me com a seguinte situação:

Regina era responsável pela empresa Alfa Serviços de Vistoria Veiculares Ltda, que era credenciada pelo DENATRAN para confeccionar laudos de vistoria veiculares. Em 2014, aproveitando-se do acesso que possuía ao sistema do DENATRAN, ela elaborou sete laudos de vistoria ideologicamente falsos, “aprovando” indevidamente veículos que estavam na posse de seu então companheiro João, mas que eram produto de furto. Em 2019, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Regina imputando-lhe sete crimes de falsidade ideológica em concurso material (art. 69): Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

Ao final da instrução, em 30/03/2020, sobreveio sentença condenatória nos exatos termos da denúncia (sete crimes de falsidade ideológica em concurso material). Regina, então, foi condenada na pena de 09 anos de reclusão. A condenada interpôs apelação argumentando que houve crime continuado (e não concurso material).

O TJ deu provimento ao recurso para reconhecer a continuidade delitiva. Em razão disso, a pena foi redimensionada para 1 ano e 9 meses, substituída por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária de um salário-mínimo. Regina, então, opôs embargos de declaração, ao argumento de que, com a modificação da modalidade de concurso, a pena mínima menor de quatro anos passou a viabilizar a proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Ressaltou que a proposta somente se tornou viável após o provimento da apelação, motivo pelo qual este seria o momento oportuno para abordagem da matéria. Requereu, portanto, que os autos fossem enviados ao MP para que se manifestasse sobre o oferecimento da proposta da ANPP.

O TJ rejeitou os embargos de declaração. Regina interpôs, então, recurso especial, insistindo no cabimento do ANPP. O STJ concordou com os argumentos da ré. No caso, houve uma relevante alteração do quadro fático-jurídico, tornando-se potencialmente cabível o instituto negocial do ANPP.

Afinal, o Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso de apelação interposto pela defesa, deu-lhe provimento, a fim de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica (art. 299), tornando, assim, objetivamente viável a realização do referido acordo, em razão do novo patamar de apenamento - pena mínima cominada inferior a 4 anos.

Trata-se, mutatis mutandis, de raciocínio similar àquele constante da Súmula 337 do STJ: Súmula 337-STJ: É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.

De fato, ao longo da ação penal até a prolação da sentença condenatória, o ANPP não era cabível, seja porque a Lei Nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23/1/2020, após o oferecimento da denúncia (26/4/2019), seja porque o crime imputado - falsidade ideológica, por sete vezes, em concurso material - não tornava viável o referido acordo, tendo em vista que a pena mínima cominada era superior a 4 anos, em razão do concurso material de crimes.

Ocorre que o Tribunal de Justiça, já na vigência da Lei nº 13.964/2019, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica, afastando, assim, o concurso material.

Essa modificação do quadro fático-jurídico não somente resultou numa considerável redução da pena, mas também tornou objetivamente cabível a formulação de acordo de não persecução penal, ao menos sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 anos, conforme previsto no art. 28-A do CPP.

Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial.

Cabe salientar, ainda, que, no caso, não se faz necessária a discussão acerca da questão da retroatividade do ANPP, mas, sim, unicamente a circunstância de que a alteração do quadro fático-jurídico tornou potencialmente cabível o instituto negocial, de maneira que o entendimento externado na presente decisão não entra em confronto com a jurisprudência do STJ.

Em suma: Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.016.905-SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 7/3/2023 (Info 772). d Azulay Neto, julgado em 7/3/2023 (Info 772).

Guaxupé/07/23

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 31/07/2023
Código do texto: T7850162
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