O plano de saúde não está obrigado a custear bomba de insulina porque se trata de medicamento de uso domiciliar.
O plano de saúde não está obrigado a custear bomba de insulina porque se trata de medicamento de uso domiciliar.
Vejamos o caso proposto: Lucas, criança de seis anos de idade, foi diagnosticada com Diabetes tipo 1. Com a descoberta da doença, Lucas passou a fazer uso contínuo de insulina para controlar os níveis de glicose em seu sangue e evitar uma crise de hipoglicemia. Como o caso era de difícil controle, o médico de Lucas prescreveu para ele um sistema de infusão contínua de insulina denominada bomba infusora de insulina, como forma de melhorar o controle glicêmico e a qualidade de vida, uma vez que substitui a necessidade de múltiplas aplicações diárias de insulina. Os pais de Lucas solicitaram que o plano de saúde custeasse a bomba infusora de insulina e os insumos necessários. A operadora negou o custeio, sob o argumento de que se trata de um medicamento de uso domiciliar.
Medicamento de uso domiciliar é aquele prescrito pelo médico para administração em ambiente externo ao da unidade de saúde. A bomba infusora de insulina é um aparelho que pode ser adquirido em farmácias, sendo, portanto, considerado medicamento de uso domiciliar. Lucas, representado por seus pais, ajuizou ação contra o plano de saúde exigindo o custeio do tratamento.
O plano de saúde é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar (remédios de uso domiciliar)?
REGRA: em regra, os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar.
EXCEÇÕES. Os planos de saúde são obrigados a fornecer:
a) os antineoplásicos orais (e correlacionados); b) a medicação assistida (home care); e c) os incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para esse fim.
Assim, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde. Isso porque, em regra, os planos de saúde (que integram o Sistema da Saúde Suplementar) somente são obrigados a custear os fármacos usados durante a internação hospitalar. As exceções ficam por conta dos antineoplásicos orais para uso domiciliar (e correlacionados), os medicamentos utilizados no home care e os remédios relacionados a procedimentos listados no Rol da ANS.
O tema é tratado no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98: O art. 10 lista em seus incisos tratamentos, procedimentos e medicamentos que os planos de saúde não são obrigados a fornecer. O inciso VI afirma que, em regra, o plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto no art. 12, I, “c” e II, “g” da Lei.
Regras mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12; Art. 12. (...) - quando incluir atendimento ambulatorial: (...) c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;
II - quando incluir internação hospitalar: (...) g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;
Exceção 1: antineoplásicos
Antineoplásicos são medicamentos que destroem neoplasmas ou células malignas. Têm a função, portanto, de evitar ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores. Servem, portanto, para tratamento de câncer. Existem alguns medicamentos antineoplásicos que são de uso oral e, portanto, podem ser ministrados em casa, fora do ambiente hospitalar. A lei prevê que esses medicamentos, se prescritos pelo médico como indicados para o tratamento do paciente, devem ser obrigatoriamente fornecidos pelo plano de saúde.
Exceção 2: medicação assistida (home care)
Se o paciente está em home care (tratamento domiciliar), o plano de saúde também será obrigado a fornecer a medicação assistida, ou seja, toda a medicação necessária para o tratamento e que ele receberia caso estivesse no ambiente hospitalar.
O home care significa fornecer para o paciente que está em casa o mesmo tratamento que ele receberia caso estivesse no hospital. Se, no hospital, o paciente teria que tomar o remédio “X” a cada 8h, este medicamento deverá ser custeado pelo plano de saúde, tal qual ocorreria se estivesse internado.
Obs: essa exceção é uma decorrência do fato de que o STJ entende que os planos de saúde podem ser obrigados a custear o home care.
Exceção 3: outros fármacos que sejam incluídos pela ANS como sendo de fornecimento obrigatório
A norma do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98 é voltada à operadora de plano de saúde, a qual, na contratação, pode adotar tal limitação. Esse dispositivo, contudo, não proíbe que a ANS (“órgão regulador setorial”) inclua determinados medicamentos como sendo de custeio obrigatório no rol de cobertura mínima assistencial, ainda que sejam de uso domiciliar.
Pois bem. Feita a leitura da legislação voltada ao tema, retornemos, então, ao caso concreto posto em lide: o pedido de Lucas, é bem de ver, não foi acolhido.
Segundo a jurisprudência do STJ, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da ANS para esse fim. Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN nº 338/2013 da ANS (atual art. 17, parágrafo único, VI, da RN nº 465/2021) (STJ. 3ª Turma. REsp 1.692.938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/4/2021).
Domiciliar, de acordo com a lei, refere-se a ambiente que, necessariamente, contrapõe-se a ambulatorial e a hospitalar, com o que se exclui da cobertura legal o fornecimento de medicamentos que, mesmo prescritos pelos profissionais da saúde e ministrados sob sua recomendação e responsabilidade, devam ser utilizados fora de ambulatório ou hospital (STJ. 4ª Turma. REsp 1883654/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021).
Portanto, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos/aplicados comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde (STJ. 3ª Turma. REsp 1692938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/04/2021).
A universalização da cobertura não pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado, considerando que, nos termos do art. 199 da Constituição Federal e art. 4º da Lei nº 8.080/90, a assistência à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar, sendo certo que a previsão dos riscos cobertos, assim como a exclusão de outros, é inerente aos contratos.
Em suma: Os planos de saúde não estão obrigados a cobrir bomba infusora de insulina (e insumos), equipamento utilizado em ambiente domiciliar, para o controle da glicemia de paciente diagnosticado com diabetes mellitus do Tipo 1. STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl nos EREsp 1.987.778-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).
Observação: confesso que tive vontade de deferir o pleito, mas não se pode julgar apenas com o coração, com o sentimento. Há que se mesclar o sentimento com a razão.
A emoção (sentimento) é algo que nos faz agir por impulso, pensando exclusivamente no bem estar, na alegria momentânea. Esta mesma emoção nos faz chorar, sorrir, enfim, é o sentimento que aflora sem que sejamos racionais.
Por outro lado temos a razão. Agir com a razão é pensar no amanhã, nas conseqüências de uma decisão. A razão nos coloca um freio e diz: “É melhor arriscar com cautela e medir as conseqüências dos seus atos”.
Estas duas partes de nós, a “nossa emoção” e a “nossa razão” são duas vozes distintas, e estão ambas acessíveis às consciências, mas uma comunica mais em palavras e a outra através dos canais sensoriais do nosso corpo. Desta forma é como se fossemos sobretudo movidos pela nossa emoção e guiados pela nossa razão.
Pois bem. Debaixo da toga de um magistrado também bate um coração de homem, dito pelo Ministro Luiz Fux, ao explicar que tenta sempre equilibrar “razão e sensibilidade” ao julgar. “Procuro sempre esse equilíbrio, e acho que tenho conseguido. Não menos certo a Constituição não legitima julgamentos subjetivos. Senão, partimos para aquela máxima de “cada cabeça, uma sentença”, e não vamos ter uma definição do que é lícito e o que é ilícito. A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na Constituição. É claro que essas leis, essas regras constitucionais, precisam ser interpretadas, mas a interpretação só se opera quando há uma dubiedade na lei.
O juiz é um ser humano e mesmo não querendo, mesmo que não tenha plena consciência disto, ele não consegue afastar uma enorme carga de subjetividade na sua função de julgar. Mesmo já superada a dualidade entre razão e emoção e até mesmo a resistência de se trabalhar com a subjetividade, necessitamos compreender, trabalhar e estudar a subjetividade, demonstrando, inclusive, que o uso da emoção pode aproximar a decisão judicial de um ideal de justiça.
Admitir a emoção dos juízes na prolação das sentenças não significa propor o drástico abandono da racionalidade no direito, mas a um uso equilibrado dela. Se pretende mostrar que com a utilização da subjetividade, as pretensões dos litigantes poderão ser contextualizadas e tratadas em sua especificidade, o que não acontece no contexto estereotipado do mundo legalista das abstrações.
Todavia, é inegável que isto deve ser trabalhado com cautela, mas admitir essa subjetividade é imprescindível para delimitá-la, para operar os limites que esta subjetividade terá sobre a decisão judicial. Pois o lado negativo e perigoso desta subjetividade existe e não pode ser desprezado, pois não podemos colocar a vida das pessoas totalmente à mercê dos aspectos subjetivos, das crenças dos magistrados.
A complexidade atual de nossa sociedade e o próprio problema da justiça, não mais permitem um julgador eminentemente formalista, o que implica numa redimensão do papel do julgador, pois como define PRADO: “implica numa grande confiança no poder criativo do julgador, de quem se espera uma sensibilidade muito refinada para lidar com o sempre mutante contexto social.”
O Magistrado é um ser humano e, por assim ser, irá se comover com determinados casos, irá ter uma relação mais especial com determinadas situações e é exatamente através destas ligações afetivas, que o julgador tem uma excelente oportunidade para elaborar os seus conteúdos inconscientes.
Ao não estar ciente disto e não buscar ao máximo este distanciamento, o julgador poderá estar empregando preconceitos seus aos seus julgamentos e com isto construindo um quadro mental paranoico em face de determinados casos, o que é algo muito comum de ser verificado na prática forense e extremamente perigoso para a justiça.
Por isso que buscam-se respostas à pergunta universal “como julgar bem?” a partir de reflexões focadas não em critérios extrínsecos de julgamento, mas na chamada “vida mental solitária” do juiz. A partir de um diagnóstico acerca da realidade judiciária, em que não vige uma ética da autenticidade tal qual identificada por TAYLOR nas sociedades ocidentais contemporâneas - em que cada um seria livre para adotar seus próprios critérios de julgamento -, mas uma falsa neutralidade que oculta um conflito entre os discursos tecnocientífico e humanístico, afirma-se que ocorre uma atrofia progressiva da visão humanística do processo, com perda na qualidade de julgamento. Com base na teleologia da justiça, na necessidade de adequação método-objeto e na dúplice estrutura intuitiva-discursiva da razão humana, conclui-se pela necessidade das seguintes posturas por parte do juiz: utilização de sua razão em sua plenitude funcional; assunção de sua própria humanidade; busca da sabedoria em sentido husserliano. Extraído de Julgar é calcular? Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais de Danielli Xavier Freitas.
A razão e o coração são dois universos que habitam dentro de nós, cada um desses universos tem a sua lógica própria. O que faz sentido para a razão, muitas vezes não faz sentido para o coração e vice-versa. O que geralmente fazemos é escolher um em detrimento do outro, algumas pessoas confiam mais na sua razão e tentam fazer escolhas mais racionais para garantir alguma segurança. Outros já escutam mais os sentimentos e acabam seguindo a voz do coração totalmente. Nem um caminho e nem o outro. É preciso entrar em acordos. Os dois são igualmente importantes e precisam ser ouvidos e reconhecidos. Assim como fazemos acordos nos nossos relacionamentos, cedendo de um lado e exigindo o que é importante de outro, é preciso negociar também com a nossa razão e a nossa emoção. O que acontece geralmente é que não temos clareza sobre as coisas da razão e dos sentimentos, não identificamos direito, temos dificuldade em separar o que é o sentimento, o que é o amor, o que é a posse, o que é a carência. Já na razão identificar o que nós realmente pensamos, o que é o certo para nós, o que é o certo para os outros.
Tollitur quaestio.
Guaxupé, 20/10/23.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito