Veículo. Município. Leilão. Autorização legislativa. É ou não possível?

Veículo. Município. Leilão. Autorização legislativa. É ou não possível?

Lei n. 14.133/2021. “Pode o Prefeito de um Municipío leiloar veículos do Município sem autorização explícita da Câmara Municipal de Vereadores?”

A questão tem sua normatividade regulada pela Lei n. 14.133/2021 (....) Art. 76. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - tratando-se de bens imóveis, inclusive os pertencentes às autarquias e às fundações, exigirá autorização legislativa e dependerá de licitação na modalidade leilão, dispensada a realização de licitação nos casos de: a) dação em pagamento; b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas “f”, “g” e “h” deste inciso; c) permuta por outros imóveis que atendam aos requisitos relacionados às finalidades precípuas da Administração, desde que a diferença apurada não ultrapasse a metade do valor do imóvel que será ofertado pela União, segundo avaliação prévia, e ocorra a torna de valores, sempre que for o caso; d) investidura; e) venda a outro órgão ou entidade da Administração Pública de qualquer esfera de governo; (....) h) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; i) legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública competentes; j) legitimação fundiária e legitimação de posse de que trata a Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017;

II - tratando-se de bens móveis, dependerá de licitação na modalidade leilão, dispensada a realização de licitação nos casos de: a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de oportunidade e conveniência socioeconômica em relação à escolha de outra forma de alienação; b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública; c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; d) venda de títulos, observada a legislação pertinente; e) venda de bens produzidos ou comercializados por entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades; f) venda de materiais e equipamentos sem utilização previsível por quem deles dispõe para outros órgãos ou entidades da Administração Pública.

§ 1º A alienação de bens imóveis da Administração Pública cuja aquisição tenha sido derivada de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento dispensará autorização legislativa e exigirá apenas avaliação prévia e licitação na modalidade leilão.

§ 2º Os imóveis doados com base na alínea “b” do inciso I do caput deste artigo, cessadas as razões que justificaram sua doação, serão revertidos ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada sua alienação pelo beneficiário.

§ 3º A Administração poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóvel, admitida a dispensa de licitação, quando o uso destinar-se a: I - outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel; II - pessoa natural que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, de ocupação mansa e pacífica e de exploração direta sobre área rural, observado o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009. (....)”

Podemos concluir com segurança que o Poder Executivo municipal, ao alienar veículos, por exemplo, deve justificar a existência de interesse público, proceder à avaliação prévia e realizar licitação na modalidade adequada, não havendo que se falar, regra geral, em autorização legislativa, salvo se houver Lei local dispondo em sentido contrário. Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do processo nº AREsp 314014, que ocorreu sob a égide da lei n. 8.666/93 mas por identidade de fundamentos e lógica jurídica se aplica a ajustes e procedimentos regidos pela lei n. 14.133/2021, assim entendeu: “(...) O réu, a ser interrogado, alega que assumiu mandato em janeiro de 2005, havia dificuldades financeiras no município, e que a assessoria da equipe, inclusive jurídica, entendia que a LOM não deixa claro se haveria a necessidade de autorização Iegislativa para alienação de bens móveis, de maneira que a Lei n°. 8666/93 trataria do assunto dispensando a autorização Iegislativa, e, ainda, que foram cumpridas as exigências da Lei 8666/93. (…) Com efeito, como bem salientado pelo Tribunal de origem, o recorrido, juntamente com sua assessoria jurídica, entendeu que não havia previsão expressa na lei municipal sobre como proceder na licitação de bens móveis e decidiu seguir o que dispunha a Lei n. 8.666/1993, Lei Geral de Licitações, a qual dispensa autorização legislativa no caso de alienação de bens móveis. Dessa forma, não haveria que se falar em dolo no descumprimento da lei municipal. E não havendo dolo, não há o crime do art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei n. 201/1967. (...)” (Data da publicação: 21/02/2014)

Assim sendo, atendidos os requisitos legais, pode o Poder Executivo municipal promover procedimento licitatório para alienar veículos, necessitando de autorização da Câmara de Vereadores para tanto apenas e tão somente se houver Lei local dispondo expressamente neste sentido, o que não se confunde com a existência de norma legal conferindo à Câmara competência para legislar genericamente sobre alienação de bens móveis.

No que se refere à modalidade de licitação aplicável à alienação de bens móveis, o artigo 17, § 6º, da Lei nº 8.666/1993 vaticina que: “Art. 17. (…) § 6º Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.” (....)

Diante do exposto, conclui-se que, justificada a existência de interesse público, pode o Poder Executivo municipal realizar leilão para alienar veículos, desde que nos estritos moldes da lei n. 14.133/2021 e desde que não houver lei municipal dispondo em sentido diverso.

A administração do patrimônio municipal compete ao Prefeito. No conceito de administração de bens compreende-se normalmente a sua utilização e conservação, mas excepcionalmente pode o Município ter a necessidade ou interesse na alienação de seus bens. Tratando-se de bens imóveis, não há dúvida de que é necessária lei autorizadora, uma vez que acarreta redução na estrutura patrimonial do ente público.

Todavia, quanto aos bens móveis, desnecessária prévia autorização legislativa cada vez que forem alienados. Isso faz com que haja uma submissão exagerada do Executivo ao Legislativo, além de interferir nos critérios de conveniência e oportunidade. Cita-se, como exemplo, a alienação dos bens que se tornaram inservíveis para a Administração. A maioria dos bens móveis são fungíveis e renováveis, e sua venda não altera significativamente o patrimônio público. Logo, condicioná-la à prévia autorização da Câmara Municipal acaba gerando interferência na administração pública e criando obstáculos à governabilidade do Município.

Cumpre ressaltar que existe a fiscalização a posteriori dos atos dos administradores públicos, feita pelo Poder Legislativo e Tribunal de Contas.

Portanto, com a exigência de autorização prévia também para a alienação de bens móveis, tem-se a indevida ingerência do Legislativo Municipal no desempenho das atribuições próprias do Chefe do Poder Executivo. Nesses termos, mostra-se inequívoca a violação do preceito constitucional que prevê a harmonia e independência entre os Poderes. A propósito, o autorizado magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA: “A independência dos poderes significa: a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração Federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia, ao passo que ao Chefe do Executivo incumbe a organização da Administração pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 177/RS, proposta pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, em votação unânime, por seu Tribunal Pleno, tendo como Relator o Ministro Carlos Velloso, em julgamento datado de 01/07/96, assim decidiu: CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS E DÍVIDAS DA ADMINISTRAÇÃO: AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, INCISO XXVI DO ARTIGO 53, E PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 82. I - Norma que subordina convênios e dívidas da administração à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F, art. 2º. Precedentes do STF. II - Inconstitucionalidade do inc. XXVI do art. 53, e parágrafo 2º do art. 82, ambos da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. III - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Nesse mesmo sentido, o seguinte precedente desta Corte: ADIN. LEI ORGÂNICA. AUTORIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES PARA CONVÊNIO E CONTRATOS DE INTERESSE MUNICIPAL. ATIVIDADES QUE CONSTITUEM INEQUÍVOCA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA, PRESCINDINDO DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. VIOLAÇÃO DOS INCS. II E XXI, DO ART. 82, ARTS. 5º, 8º E 10, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70007775802, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 07/06/2004).

Assim, no que diz respeito à exigência de lei autorizativa específica para alienação dos bens municipais, é de ser limitada a aplicação apenas à alienação de bens imóveis, já que é inconstuitucional sua exigência em relação aos bens móveis.

Gxp 12/12/22.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 20/12/2023
Código do texto: T7958152
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