STF permite a extinção de execuções fiscais de pequeno valor.

STF permite a extinção de execuções fiscais de pequeno valor.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema de Repercussão Geral nº 1.184 (RE 1355208), fixou a seguinte tese: “É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor, pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência federada de cada ente.”

O entendimento foi, em linha do voto da relatora Ministra Cármen Lúcia, no sentido de que inexiste razão para manutenção do trâmite processual de processos executivos fiscais, cujo ínfimo valor em cobrança seja menor do que os custos do processo para o Judiciário, sobretudo quando a exigência pode se dar por meios extrajudiciais.

A tese fixada definiu ainda que o ajuizamento de execução fiscal nesses casos deverá ser precedido de tentativa de conciliação ou de qualquer outra solução administrativa, bem como de protesto de título, salvo nos casos em que a inadequação da medida seja inconteste. Segundo os ministros, no entanto, nada impede que, nos casos de execuções fiscais já ajuizadas, os entes federados peçam a suspensão do processo até a adoção das medidas extrajudiciais supramencionadas, a fim de evitar a extinção puramente.

Importante destacar que, segundo Relatório “Justiça em Números 2023” do Conselho Nacional de Justiça[1], os executivos fiscais representam cerca de 34% do total de casos pendentes no Poder Judiciário em set/2023 – e correspondem a 64% dos processos de execução existentes -, acarretando uma taxa de congestionamento de 88%.

O valor da dívida objeto da execução, quase sempre é incapaz de fundamentar a presença do interesse de agir. Tal se dá quando a ação executiva é de tal forma desproporcional que está longe de representar a utilidade exigida como parte do binômio formador do interesse de agir, na exata medida em que deixa de trazer o exequente (Fazenda Pública) o proveito econômico visado pela cobrança de crédito.

A sobrecarga decorrente das inúmeras execuções fiscais de valores antieconômicos prejudica o bom andamento das execuções de valores realmente expressivos, já que as grandes e as pequenas causas fiscais seguem praticamente o mesmo rito procedimental (Lei nº 6.830/80). Ao invés de carrear recursos para os cofres públicos e inibir a sonegação, os processos de valores irrisórios congestionam a máquina judiciária e prejudicam o andamento das execuções de valores expressivos, tudo em prejuízo do interesse público.

Nesse cenário, não há dúvida de que a decisão do STF, que contou com sete votos favoráveis em contraponto a três em sentido contrário e possui observância judicial obrigatória, trata-se de um marco importante de eficiência, na medida em que contribuirá para a redução na quantidade de execuções fiscais no Brasil, as quais, como visto, representam relevante fatia do contencioso judicial brasileiro.

Nestes casos, extinção da execução, ressalto, não deve ser confundida com os institutos de anistia e da remissão. Não está sendo apreciada a existência ou não do crédito tributário, nem declara sua extinção ou exclusão. Dentro do prazo prescricional, se o total do débito do executado atingir valor razoável, a instância poderá ser renovada sem caracterizar desvio de finalidade.

Ainda, visando evitar interpretações equivocadas quanto à harmonia e à independência dos Poderes Executivo e Judiciário, observo que em relação aos Sistemas Administrativos nas Execuções Fiscais a legislação brasileira (art. 1º da Lei nº 6.830/80) adotou o sistema inglês (modernamente denominado sistema de controle judicial) e não o sistema francês (também conhecido como contencioso administrativo) para a cobrança forçada da dívida ativa. Ou seja, a execução dos débitos fiscais depende do pronunciamento judicial para produzir seus efeitos finais (ato não auto-executório), circunstância que autoriza a análise do mérito processual (não se trata de análise de mérito administrativo) em hipóteses como a presente (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed., SP, Malheiros, p.42-51,138 e159).

Além do mais, o Estado-juiz (ou, em outras palavras, o erário público) arca com os custos da prestação jurisdicional, sendo certo que eles são muitas vezes superiores ao crédito que a Fazenda Pública Municipal pretende cobrar através da execução fiscal.

Desta forma, não se vislumbra interesse de agir por parte daquele que, para realizar a cobrança através dos mecanismos judiciais, arca com despesas que superam o próprio valor do crédito. Não vislumbro desta forma, no caso em comento, lesão ao erário público. Ao contrário, entendo que o erário público é verdadeiramente lesado quando a máquina judiciária se vê assoberbada com processos de valor irrisório, os quais acabam por impedir que os créditos de maior vulto sejam cobrados e satisfeitos com a agilidade necessária.

Não é razoável sobrecarregar o Judiciário com o prosseguimento de demandas que podem ser resolvidas por meios extrajudiciais. Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida de valot irrisório movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição.

É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.

O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.

O problema levou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, a afirmar que as execuções fiscais são a maior causa de demora no andamento dos processos judiciais. Para solucionar o problema, o CNJ, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e os seis Tribunais Regionais Federais assinaram uma portaria conjunta que dispõe sobre procedimentos e estratégias para aprimorar o fluxo de execuções.

Como todos sabem, a execução fiscal é o maior gargalo da justiça brasileira e essa decisão vai permitir que nós possamos avançar de maneira significativa na redução do estoque das execuções fiscais existentes no país.

Ademais, a adoção de posturas mais razoáveis e racionais por parte das Fazendas Públicas é faculdade conferida pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Com efeito, referido diploma autoriza expressamente o cancelamento de créditos que não alcancem sequer o valor dos custos despendidos com sua cobrança. O fato de se dizer que a execução não deve prosseguir, porque não há interesse de agir devido à inexpressividade dos valores em relação ao custo do feito, em nada altera as presunções da CDA. O que se está extinguindo é a execução, não o direito material, representado pelo título, tanto que se afirma que nova execução pode ser proposta, bastando para isso a reunião de títulos em valores suficientes para cobrir os gastos de um processo.

Sabe-se, eis que elementar, o processo de execução destina-se à satisfação de direito representado em documento afirmado pelo legislador como título executivo. A qualidade de título executivo extrajudicial dispensa o seu portador de ajuizar processo de conhecimento para pronunciamento sobre a existência ou não do direito postulado, possibilitando acesso direto à via executiva.

Com efeito, de regra o juiz não pode agir de ofício, só podendo fazê-lo quando autorizado por lei. A Lei Federal 6.830/1980, que rege as execuções fiscais, tem a seguinte regra: Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. No Código de Processo Civil, também lei federal, quanto às execuções em geral, existe o seguinte dispositivo: Art. 771 (...) Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial. Entre as regras do processo de conhecimento no Código de Processo Civil encontramos: Art. 485. O Juiz não resolverá o mérito quando: [...] VI verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; [...] § 3o O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. [...] Daí se conclui que o juiz pode-deve, de ofício, analisar as condições da ação de execução, entre elas o interesse de agir. No caso da execução fiscal o objetivo e a utilidade do processo é aumentar a verba do Erário, o que não ocorre quando o gasto com o processo supera o valor a ser arrecadado, havendo, assim, falta de interesse de agir patente no caso.

A extinção nestes casos não viola nenhum preceito constitucional e nem consiste em negativa de prestação jurisdicional, como reconheceu reiteradamente o Supremo Tribunal Federal: Execução fiscal Insignificância da dívida ativa em cobrança Ausência do interesse de agir Extinção do processo (...). O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as decisões, que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (...) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (...). Precedentes. (AI 679.874 - AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-07, DJE de 1º-2-08) RE N. 247.995-1 RELATOR : MIN. MOREIRA ALVES EMENTA: Extinção de execução fiscal por falta de interesse de agir do autor. - Como decidido no RE 240.250, é evidente que, por ter sido julgada extinta a execução fiscal por falta do interesse de agir, não se pode pretender, sob o fundamento de que não é cabível no caso essa extinção, que a decisão judicial que a confirmou haja impedido o livre acesso ao Poder Judiciário.

De outra parte, a Primeira Turma, ao julgar os RREE 225.564 e 217.952, decidiu que a alegação de violação ao artigo 2º da Constituição pela circunstância de a decisão recorrida haver extinto a execução fiscal pela falta de interesse do autor era alegação de ofensa indireta à Carta Magna, não dando margem, assim, ao cabimento do recurso extraordinário. - Por fim, inexiste, também, ofensa ao princípio da igualdade (artigo 5º, “caput”, da Constituição), porque o fundamento da falta do interesse de agir do pela desproporção entre a relação custo da execução e benefício dela não se aplica evidentemente às execuções de valor que não seja diminuto, não se podendo ter como iguais essas duas situações desiguais. Recurso extraordinário não conhecido. (Informativo STF 167).

De mais a mais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há muito, é pacífica, no sentido da racionalidade do serviço judiciário, de modo a impedir disfuncionalidades manifestas, como é o caso em análise.

O crédito público é indisponível e o seu lançamento é obrigatório nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional. A dispensa do crédito só pode ser feita por lei da entidade tributante. Observe-se o que diz o Código Tributário Nacional: Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

Note-se: O CRÉDITO SIM É INDISPONÍVEL, e tem a natureza de direito material, sendo, por isso, um bem da vida, o qual NÃO É SINÔNIMO DE EXECUÇÃO FISCAL, tendo ela a natureza de direito formal, regida pelo Direito Processual, como um meio para atingir um fim: servir ao povo aumentando a arrecadação.

A execução fiscal é uma das formas de cobrança do crédito e, por isso, tem natureza formal, ou seja, processual, nunca é demais repetir, enquanto que o crédito tem natureza material. Assim a indisponibilidade do crédito não diz respeito à obrigatoriedade do ajuizamento da execução fiscal ou a indisponibilidade dela. Se isso não bastasse, não há nenhuma regra legal ou constitucional que obrigue o Município de forma totalmente vinculada a propor execução fiscal, ou que obrigue o Município a não aguardar a soma dos créditos para ajuizamento de uma única execução, antes do prazo prescricional, de modo a conferir viabilidade econômica à ação interposta.

Ademais, ressalta-se que a jurisprudência tem aceitado o protesto de CDAs como válido: “APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. 1. Compensação de débito tributário com precatório alimentar. Impossibilidade. Inexistência de autorização em lei estadual, nos termos do art. 170 do CTN. Não incidência da regra prevista no § 2º do art. 78 do ADCT, por se tratar de precatório de natureza alimentar. Superveniência da EC nº 62/09 que não altera a situação. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. Juros de mora. Pretensão à declaração de nulidade do título extrajudicial, em razão da abusividade dos juros com base na Lei nº 13.918/09, declarada inconstitucional pelo Órgão Especial. Descabimento. Débito de ICMS relativo ao mês de junho der 2019, ocasião em que já estava em vigor a Lei Estadual nº 16.497/17, disciplinada pelo Decreto Estadual nº 62.761/17, que estabelece que a taxa de juros de mora seja equivalente, por mês, à taxa SELIC. 3. Protesto de CDA. Possibilidade. Constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/96 (com a redação da Lei nº 12.767/12), que amplia a competência dos cartórios extrajudiciais. 4. Verba honorária. Redução. Descabimento. Arbitramento em 10% sobre o valor da causa (R$ 145.340,25) que está em consonância com o diploma processual vigente. Majoração para 11% sobre a mesma base de cálculo, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. 5. Sentença de improcedência mantida. 6. Recurso não provido. (TJSP Apelação cível nº 100XXXX-21.2020.8.26.0053 12ª Câmara de Direito Público Relator: Osvaldo de Oliveira julgamento: 25.03.2021).

“AGRAVO DE INSTRUMENT0 - EXECUÇÃO FISCAL - IPTU -Exercícios de 2017 e 2018 - Município de Itapira - Requerida a inscrição do nome do executado no cadastro de inadimplentes -Indeferimento do pedido de inclusão do nome do devedor no rol dos maus pagadores, por intermédio do Serasajud - Não cabimento - Pedido embasado nos comandos normativos previstos no artigo 782, § 3º, do CPC e no artigo 1º da Lei nº 6.830/80 - Execução fiscal que se desenvolve no interesse do exequente de acordo com o artigo 798 do CPC - Existência, ademais, de Termo de Cooperação Técnica nº 15/2019, firmado entre o E. CNJ e o SERASA EXPERIAN - Aplicação do entendimento firmado pelo C. STJ, no julgamento do REsp 1.807.180/PR, sob a sistemática de recursos repetitivos (Tema nº 1026) - Precedentes desta C. Câmara - Decisão reformada - Agravo provido. (TJSP Agravo de instrumento nº 222XXXX-18.2020.8.26.0000 15ª Câmara de Direito Público Relator: Silva Russo julgamento: 25.03.2021).

A própria Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo também admitiu esse tipo de protesto, constando a seguinte ementa em um caso que tratava inclusive de questão municipal: “Protesto de Certidão de Dívida Ativa que conte com expressa previsão legal para protesto desse título de crédito Admissibilidade Previsão já constante do parecer normativo editado no Processo 2.374/99.”

Nesse diapasão, em casos que tais é o caso de extinção do feito, sem resolução do mérito, diante da ausência de interesse processual, com fundamento nos artigos 485, VI, 354 e 771, parágrafo único, todos do C.P.C., declarando a inexistência do interesse processual e julgando extinta a execução, sem prejuízo do direito de renovação da instância.

Acrescento que nestes casos não há que se falar em reexame obrigatório, nos termos do art. 496, § 3, III, do CP e,também, com fundamento no art. 85, § 8º, do C.P.C., deixar de impor condenação em honorários.

Extrema, 03/01/24.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 03/01/2024
Código do texto: T7967999
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