Audiência de Custódia

Custody Hearing

Resumo: A realização da audiência de custódia não configura apenas uma formalidade burocrática, mas um ato processual instrumental que garante a tutela dos direitos fundamentais, sendo imprescindível em todas as modalidades de prisão.  Repise-se que a realização de audiência de custódia constitui direito subjetivo do preso e tem como objetivo verificara sua condição física, de modo a coibir eventual violência praticada contra ele. Além disso, o escopo da medida é igualmente verificar a legalidade da prisão e a necessidade de sua manutenção. A audiência de custódia é indispensável pois o legislador brasileiro, por meio da Lei 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, “positivou a obrigatoriedade da audiência de apresentação no plano legal, assim como estabeleceu o procedimento a ser adotado e as sanções decorrentes da não realização do ato processual (art. 310, caput e §§ 3º e 4º do CPP). A finalidade da realização da audiência de apresentação, independentemente, da espécie de prisão, não configura simples formalidade burocrática. Ao revés, trata-se de relevante ato processual instrumental à tutela de direitos fundamentais e deve ser realizada na forma da lei. A existência de um laudo médico, por óbvio, não supre a necessidade da audiência.

Palavras-chave: Direito Processual Penal. Audiência de Custódia. Pacote Anticrime. Prisão. Constituição Federal brasileira de 1988.

 

Abstract: Holding a custody hearing is not just a bureaucratic formality, but an instrumental procedural act that guarantees the protection of fundamental rights, being essential in all types of arrest. It should be noted that holding a custody hearing constitutes a subjective right of the prisoner and aims to verify his physical condition, in order to prevent any violence committed against him. Furthermore, the scope of the measure is also to verify the legality of the arrest and the need for its maintenance. The custody hearing is essential because the Brazilian legislator, through Law 13,964/2019, known as the “Anti-Crime Package”, “established the obligation of the presentation hearing at legal level, as well as establishing the procedure to be adopted and the resulting sanctions failure to carry out the procedural act (art. 310, caput and §§ 3 and 4 of the CPP). The purpose of holding the presentation hearing, regardless of the type of arrest, does not constitute a simple bureaucratic formality. On the contrary, it is a relevant procedural act instrumental to the protection of fundamental rights and must be carried out in accordance with the law. The existence of a medical report, obviously, does not meet the need for the hearing.

Keywords: Criminal Procedural Law. Custody Hearing. Anti-Crime Package. Prison. Brazilian Federal Constitution of 1988

 

Analisar o instituto chamado de audiência de custódia e sua respectiva regulamentação, particularmente, trazendo à baila a regulamentação feita no Estado do Rio de Janeiro, contra as quais se insurgem membros do parquet fluminense. Frise-se que o MP não participou da Comissão de Estudos que resultou na redação da referida resolução.

A audiência de custódia fora inserida no Código de Processo Penal brasileiro pelas alterações introduzidas pelo célebre Pacote Anticrime (Lei n.º 13.964/2019). Antes deste, não existia explícita previsão leal, apesar de já fosse realizada e regulada através de portarias internas dos Tribunais de Justiça e por orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1].

 Desde o início sofreu muitas críticas[2] até por leigos não familiarizados com o processo, mas significou um progresso na preservação de direitos e garantias fundamentais da pessoa detida em flagrante delito. Em tese, a não submissão do preso no prazo[3] indicado, de modo injustificado, poderá acarretar na ilegalidade da prisão.

Outro ponto observado pelo relator foi que o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) torna obrigatória a audiência de apresentação, estabelecendo o procedimento a ser adotado e as sanções decorrentes da não realização do ato processual. No mesmo sentido, as normas internacionais que asseguram a audiência, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, não fazem distinção a partir da modalidade prisional.

Já o artigo 287 do CPP entendo que a mudança é crucial após a regulamentação das audiências de custódia nos casos de prisão em flagrante, restou uma lacuna sobre a apresentação do preso em face do cumprimento do mandado de prisão, seja prisão preventiva ou temporária.

A atual redação do artigo 287 CPP in litteris: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia”.[4]

Por determinação da legislação, presos temporários devem permanecer separados dos demais detentos durante todo o tempo de reclusão.

A prisão preventiva é o tipo mais comum dentre as quatro modalidades. Pode ser decretada quando a liberdade provisória prejudicar a ordem pública, como o cometimento de novos crimes. Outra situação que configura a aplicação de uma prisão preventiva é a garantia da ordem econômica, em casos de crimes financeiros e corrupção de agentes públicos. Há, no entanto, questionamento sobre o uso irrefletido de tais critérios para a determinação da prisão.

A garantia da instrução criminal também pode fundamentar uma prisão preventiva[5], quando há suspeita ou comprovação de que o investigado poderia coagir testemunhas, queimar documentos, apagar evidências e, logo, atrapalhar a produção de provas. Caso sejam apontadas suspeitas de que o indivíduo planeja fugir, a prisão preventiva[6] também pode ser decretada para garantir a aplicação da lei penal.

Já a prisão por execução de pena deve ser aplicada quando a pessoa começa a cumprir a pena, ou seja, quando há trânsito em julgado e a defesa do acusado não pode mais recorrer da decisão.

A pena pode ser executada em três regimes diferentes: fechado, em um estabelecimento de segurança média ou máxima; semiaberto, com pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento semelhante; ou aberto, com o cumprimento na casa da pessoa ou estabelecimento adequado.

Há ainda a prisão domiciliar[7], que pode ser decretada em caso de preso (a) com mais de oitenta anos, mulheres grávidas, pessoas com doença grave que não pode ser tratada adequadamente dentro do sistema prisional ou no caso de a pessoa privada de liberdade ser a único familiar que pode cuidar de outro indivíduo em situação de vulnerabilidade, como crianças de até doze anos, idosos ou pessoas com doenças graves que têm o(a) preso(a) como principal fonte de apoio.

Privações de liberdade tanto em caso de medida de segurança como em apreensão de adolescentes em conflito com a lei não são consideradas prisões porque não há indícios mínimos de autoria e não se pode falar em culpabilidade.

 Pessoas em sofrimento mental e menores de dezoito anos não são consideradas autoras de crime porque não conseguem discernir o que configura e o que não configura como crime. Logo, não podem identificar em suas ações eventuais danos a outras pessoas.

A prisão[8] temporária resta positivada na Lei 7.960/1989 e serve como medida auxiliar durante a investigação criminal. Caberá somente se for indispensável para as investigações e ainda, se o indiciado não tiver residência fixa, ou se não fornecer elementos suficientes para esclarecer sua identidade, ou também se houver fundadas razões de que este seja o autor ou partícipe de crimes como homicídio doloso, sequestro, roubo, extorsão, quadrilha, tráfico de drogas entre muitos outros delitos.

A prisão temporária é requisitada ao juiz pela polícia ou pelo Ministério Público e tem um prazo bastante curto: cinco dias. Mas esse prazo pode ser aumentado para dez dias, se for comprovada a necessidade.

Quanto à prisão preventiva que fora muito utilizada nas investigações da Operação Lava Jato, tornou-se conhecida e debatida, está prevista no artigo 312 do CPP que determina os  motivos justificadores de seu emprego, a saber: a garantia da ordem pública (termo que suscita polêmicas, devido à ampla margem de interpretação); a conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei (ou seja, para evitar que o réu atrapalhe as investigações, ou fuja do país para não ser preso); e quando houver prova e indício suficiente da autoria do crime.

Ao contrário da prisão temporária, a prisão preventiva não possui prazo determinado para acabar. Além disso, pode ocorrer em qualquer fase do processo. Mas para que seja legal, ela somente deve ser feita quando já existem provas contra o investigado.

As regulamentações administrativas por parte do Judiciário à referida audiência trouxeram imperfeições trazendo impacto em sua prática.

Na prisão em flagrante segundo o artigo 301 do CPP acontece quando o infrator é encontrado em flagrante delito. Ocorre no momento ou pouco depois de acontecer um crime. Mas, poderá até levar maior tempo.

Segundo a lei, o flagrante delito poderá significar que: o agente está cometendo crime no momento da prisão; acabou de cometer o crime, ou é perseguida logo depois ter cometido o crime, o perseguidor poderá ser autoridade policial, a vítima ou qualquer outra. Ou ainda, é encontrada logo depois de um crime com objetos que façam crer que ela foi a autora.

A boa doutrina afirma que as expressões “logo após” e “logo depois” permitem que o flagrante delito perdure por dias. Isso porque a perseguição pode continuar por mais de um dia até resultar na prisão. A interpretação mais consensual é que a perseguição precisa acontecer assim que alguém presenciar um crime e continuar sem interrupções até a prisão.

Quando alguém é preso em flagrante, precisa ser levado para um juiz, que toma uma das seguintes decisões, a saber: se a prisão for considerada ilegal, acontece o relaxamento, ou seja, o preso é liberado;

Se a prisão for considerada legal (ou seja, aconteceu dentro das hipóteses que mostramos acima), a pessoa pode passar para prisão preventiva ou temporária (e para isso, precisa atender aos requisitos de alguma dessas prisões), ou receber liberdade provisória, se não houver motivos para manter a pessoa na prisão. Nesse caso, mesmo livre, o preso ainda precisa esperar o julgamento, em que pode ser condenado e ter de cumprir pena[9].

Cerca de 40% dos presos no Brasil hoje são provisórios, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os outros 60% são pessoas que foram julgadas condenadas e agora estão presas para execução da pena.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou importante decisão em relação às prisões para execução de pena. Os ministros permitiram que, após o réu ser condenado na segunda instância (correspondente, na justiça comum, aos tribunais de justiça estaduais), o réu já pode começar a cumprir sua pena.

Antes dessa decisão, tomada em outubro de 2016, o STF entendia que a execução só deveria começar depois do trânsito em julgado traduzindo: depois de esgotados todos os recursos possíveis contra uma sentença específica.

Dessa forma, muitas vezes uma pena só era executada depois da análise do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e até do STF. Enquanto isso não acontecia, o réu tinha direito a permanecer em liberdade.

De acordo com a Lei 12.403/2011, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente relaxar a prisão (caso ela seja ilegal), converter o flagrante em prisão preventiva (caso estejam presentes os requisitos do art. 312, do CPP e não for conveniente a aplicação de outras medidas cautelares menos restritivas aos direitos individuais do preso) ou, ainda, conceder liberdade provisória, com ou sem a imposição de outra medida cautelar.

O artigo 306 do CPP também determina a comunicação da prisão em flagrante ao Ministério Público, à família do autuado ou a qualquer outra pessoa por ele indicada. Da mesma forma, o dispositivo legal impõe o envio de cópia integral do auto à Defensoria Pública, caso o preso não informe o nome de seu advogado.

Decisão do STF em 10.5.2023 definiu que a audiência de custódia é procedimento obrigatório em todos os tipos de prisão. A decisão foi provocada por reclamação do defensor público do Rio de Janeiro Eduardo Newton contra resolução do Tribunal de Justiça fluminense que limitou as audiências de custódia às prisões em flagrante, deixando de fora as prisões temporárias, preventivas e definitivas.

"A audiência de apresentação ou de custódia, seja qual for a modalidade de prisão, configura instrumento relevante para a pronta

aferição de circunstâncias pessoais do preso, as quais podem desbordar do fato tido como ilícito e produzir repercussão na imposição ou no modo de implementação da medida menos gravosa", disse em seu voto.  (Vide: Rcl 29.303 Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/acordao-audiencia-custodia.pdf Acesso em 20.12.2023).

A partir da definição jurídica da cadeia de custódia, o Pacote Anticrime instituiu a regulamentação sobre uma das questões mais sensíveis do processo penal: a guarda dos vestígios do delito. Afinal, caso não haja o recolhimento correto dos vestígios logo após o crime, a sua preservação durante as fases policial e judicial e o seu acondicionamento até a decisão final no processo, a chamada quebra da cadeia de custódia pode comprometer a apuração da verdade.

Conforme definido pelo Ministro Ribeiro Dantas no RHC 77.836, "a cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade".[10]

A apresentação do preso provisório[11] ao juiz, em ato que no Brasil se convencionou chamar de “audiência de custódia”, é prevista em vários tratados internacionais de direitos humanos, podendo ser elencados os seguintes:

1. Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também chamada de Pacto de San José da Costa Rica, ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), art. 7.5, in verbis: Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais […].

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), art. 9.3: Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais […].

Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), art. 5.3: Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais […]

As previsões da CADH (ou CIDH) no Brasil geralmente demoraram a ser implantadas ou regulamentadas pela lei federal, como foi o caso da impossibilidade de se processar a pessoa que não tivesse conhecimento da acusação (art. 366 do CPP), hipótese que só veio a ser regulamentada no CPP em 1996.

Com a apresentação do preso ao juiz, sendo  que, na reforma acerca das cautelares pessoais em 2011, a questão acerca  da implantação de uma “audiência de custódia” chegou a ser aventada,  porém ao final não foi reconhecida no texto final da reforma, só se determinando ao juiz (na forma da Constituição Federal)  que, ao receber o auto de  flagrante da Polícia (que pode enviá-lo ao juiz até a 24ª hora da prisão), se  manifeste pela decretação da prisão preventiva, liberdade provisória, eventual relaxamento de prisão ou mesmo substituição  por medida alternativa  (art. 319 CPP).

Se estabeleceu na reforma foi o envio dos autos imediatamente ao juiz, mas não a apresentação do preso sem demora (a chamada audiência de custódia), como preconiza a CADH, ou CIDH.

O que se deve indagar é se a Convenção Internacional pode ser aplicada diretamente no Brasil ou se, primeiro, precisa ser regulamentada por lei federal.

Porém o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240 proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) questionando provimento que instituiu ‘audiência de custódia’ em São Paulo.

 A manifestação recente foi emitida pelo PGR. A ADEPOL sustentava que a audiência de custódia é uma inovação no ordenamento jurídico paulista, não prevista no Código de Processo Penal (CPP), e somente poderia ter sido criada por lei federal e jamais por intermédio de tal provimento autônomo, já que o poder de legislar sobre a matéria é do Congresso Nacional.

Além disso, segundo a entidade, a norma repercutiu diretamente nos interesses institucionais dos delegados de polícia, cujas atribuições são determinadas pela Constituição (artigo 144, §§4º e 6º).

Porém, não foi concedida a liminar e o PGR[12], Rodrigo Janot, em sua manifestação afirma que a regulamentação da audiência de custódia pela resolução paulista de forma experimental não seria inconstitucional e só ‘objetiva permitir que a autoridade judicial não só analise de pronto a existência dos pressupostos de manutenção da prisão e de imposição de outras medidas cautelares, mas também permita o exame da existência de indícios de tortura ou abuso de poder na prisão dos cidadãos’

Com a Emenda Complementar nº 45, houve modificação no art. 5º, § 3º, da CF/1988 e, agora, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Ou seja, se aprovados pelo mesmo quórum, terão força constitucional. (grifo meu).

 A partir da emenda, os tratados e convenções internacionais que forem apenas ratificados pelo Brasil após a Reforma Judiciária (EC nº 45) terão somente força de lei ordinária ou mesmo poderão ter primazia sobre a lei ordinária, mas, para que tenha equiparação constitucional, se exigirá um plus, ou seja, um quórum idêntico àquele exigido para a reforma constitucional (Emenda Constitucional) na aprovação pelo Congresso Nacional.

Como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi ratificada em 1991 (antes da EC 45) e sem quórum qualificado, a norma que estabelece a apresentação “sem demora” do preso ao juiz somente poderia ser considerada uma norma supralegal, nunca sendo equiparada a norma constitucional.

Como é sabido, procurando fazer uma “experiência” de implantação da audiência de custódia no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça lançaram um plano-piloto, o projeto “Audiência de Custódia”, advindo daí a Resolução do TJ/SP visando, de forma experimental, que os presos em flagrante fossem apresentados ao juiz no prazo de 24 horas.

É muito questionável essa experiência feita por portarias, provimentos ou resoluções do Judiciário, pois tudo deveria ser feito por lei federal, como já alertou Lenio Streck: “[...] pode-se dizer que a disciplina do CNJ[13] a partir daí foi “além das suas sandálias”, que misturou alhos com bugalhos e que, a pretexto de dar consequência a uma garantia, acabou invadindo competência legislativa, ao dar nova rotina às prisões em flagrante, criando uma espécie de “etapa” para a sua conversão[14] em preventiva. E, neste caso, dando até mesmo um tratamento desarmônico nessa coisa de subverter a “garantia de ser ouvido ao final” (pelo visto, se o legislador tivesse adaptado o CPP à Convenção, esse dispositio não teria sido aprovado...)”.

De todo modo, insisto, trata-se de uma questão que deveria se legislação e de uma alteração do CPP, adaptando o direito processual penal à norma da Convenção (uma vez respondeDida a questão dos limites desta em relação a Constituição).

Cabe à legislação fazer isso [...]. Embora a audiência de custódia seja uma medida bem-vinda em face da realidade de descumprimento da própria Constituição, uma vez que a “comunicação imediata” já de há muito deveria ter resolvido o imbróglio – isso não quer dizer que o judiciário, mormente por via administrativa, possa vir a fazer a regulamentação, mesmo que para “acatar” um dispositivo de uma Convenção.

Quem deve fazer essa adaptação é o parlamento, com sanção ou veto do poder executivo [...] na verdade, a Constituição Federal exige somente uma comunicação imediata (art. 5º LI) da prisão, o que já foi, inclusive, regulamentado pela Lei Federal em 2011[15], e a Convenção vai muito mais longe, pois diz ser necessária a apresentação do próprio preso ao juiz.

Foi notado prontamente por Lenio Streck: “[...] reconhecida a necessidade de implantação da audiência de custódia, como se dará a modulação dos efeitos dessa providência?”

“Soltemos todos os detidos? Apresentemos todos os presos imediatamente aos respectivos Juizados, para “esquentarmos” as prisões? Consideremos o passado como “mera irregularcidade”? [...]” É claro que não é assim, a machadadas, que se trata desse tipo de coisa.

Ou seja: se a Convenção vale como norma supralegal em nosso país desde 1992 e só agora será cumprida, não seria bom fazer uma lei regulamentando a audiência de custódia, inclusive com modulação de efeitos, para evitar uma enxurrada de ações exigindo anulação de todas as ações penais em que a Convenção não foi cumprida?

Ou indenizações? Não esqueçamos que os EUA pensavam que uma nulidade decorrente de inconstitucionalidade tinha efeito ex tunc, até que veio a primeira anulação de uma lei... penal. Aí perceberam que, nestes casos, tinham que dar efeito ex nunc. As razões eram óbvias. No Brasil, o CNJ[16] pensou nisso? Já que estão pensando em análise econômica, indenizações poderiam/poderão ser um tiro no pé da Viúva (União)”.

Na verdade, assim, a normatização da audiência de custódia no Brasil deve ser feita pela lei federal, sobretudo fixando-se um prazo que seja  razoável como significante da expressão “sem demora” e se estabelecendo  normas de procedimento, pois se é verdade que, supletivamente, o Estado-Membro pode até fazer regulamentações que se traduzem em experiências  temporárias, certas normas de validade geral e nacional têm que constar de  lei federal, sob pena de se incidir em uma inconstitucionalidade formal e se  dar um conflito com o CPP e, assim, ser passível de impugnação.

Aplicar direto um termo vago da convenção (o “sem demora”) fixando-se prazos por Resolução e ainda de forma diferente em cada local ou Estado[17] do país, com regras diversas, de modo a se obrigarem autoridades policiais e do Ministério Público e mesmo do Judiciário a cumprirem tais normas, sem uma lei federal que faça a regulamentação, é temerário e poderia incidir em vício de forma, já que é prevista a lei ordinária para tal fim na própria Constituição Federal (art. 22).

Ademais, outras regras, como o processamento da “audiência”, seu registro e consequências do mesmo, se forem disciplinadas somente em resoluções administrativas, irão trazer vício de forma quando houver a confrontação disforme com a Constituição Federal e o Código de Processo Penal (os dois diplomas dispõem de outra maneira a respeito).

Há de se considerar o risco, diante da falta de gestão adequada, que acabaria por implicar um não cumprimento da futura norma, que ficaria só na lei (a tal da “lei que não pega”, como dito no popular).

Pois, faltando estrutura, não se efetiva a lei.

Na Resolução do Rio de Janeiro, apenas se prevê uma “designação de juízes” (art. 9º) e ainda temporariamente (§ 2º), em um órgão que a resolução chama de Central de Audiências de Custódia (CEAC) (art. 3º), sendo que a tal CEAC não é prevista na Lei de Organização Judiciária ou no Código de Normas da Corregedoria de Justiça. Ao contrário, a Organização Judiciária do Rio de Janeiro já dispõe sobre a competência dos juízes na área criminal e em nenhum momento traz uma competência exclusiva (ou atribuição) para funcionar em flagrantes ou inquéritos policiais.

Assim, existe um vício formal evidente na resolução do TJ/RJ[18], ou seja, a afronta ao princípio do juiz natural, e, nesse ponto, poderá ser impugnada.

Além disso, a resolução, no artigo 6º, estranhamente dispõe que: Art. 6º - Aberta a audiência, o preso será ouvido a respeito das circunstâncias da prisão e suas condições pessoais, manifestando-se, em seguida, o MP e defesa, se presentes ao ato.

Verifica-se que tanto a defesa como o próprio Ministério Público não precisariam estar presentes ao ato de audiência de custódia, pois só se manifestariam na audiência “se presentes ao ato”.

Retoma assim, a Resolução do Rio de Janeiro, o sistema inquisitivo do medievo, pois, pela letra da mesma, o juiz poderá realizar a audiência sem presença das partes, só ele e o preso, agindo, portanto, de ofício[19] ao decretar uma medida cautelar, como se isso fosse possível em vista da Constituição e do próprio Código de Processo Penal.

Afronta a Constituição Federal vigente ao ferir o princípio acusatório insculpido no art. 129, I, sabido que, constitucionalmente, a promoção da ação penal é privativa do Ministério Público. Pode ser alegado que, quando da “audiência de custódia”, não se tem ainda processo, mas, na verdade, o que ocorre é que nessa audiência será decretada uma medida cautelar, seja uma prisão, uma liberdade provisória ou uma medida alternativa à prisão preventiva, e o juiz não pode fazer isso, conforme, aliás, reza o art. 282, § 2º, do CPP.

Ademais, o juiz não pode sair de sua imparcialidade[20], agindo de ofício e procedendo de forma inquisitória. Constata-se o mesmo da falta de defesa. Como agir em uma audiência sem o defensor do preso?

E uma vez decretada uma medida cautelar, não caberia recurso ou ação de impugnação? As partes nem estariam ali para exercer o direito de impugnar.

O defeito já foi detectado por Gustavo Badaró, um dos maiores defensores da “audiência de custódia” no Brasil, mas que logo apontou o desvio da resolução do Rio de Janeiro,

A audiência de custódia converte-se em ato essencial para completar o ato complexo e de duração continuada que se transformou a prisão em flagrante. Sem a presença de defensor e do Ministério Público, a prisão em flagrante não poderá ser convertida em qualquer medida, devendo ser considerada ilegal e relaxada a prisão [...].

Assim, se um juiz entender que o prazo seria de dez dias, poderia exigir que a audiência se realizasse nesse prazo, ou se outro magistrado, de forma mais restritiva, entender ser o prazo de oito horas, também estaria atendendo a resolução.

O Artigo 7.5 da CADH informa: Toda e qualquer prisão cautelar deve estar sujeita ao princípio da legalidade, e a utilização de uma expressão sem contornos precisos aumenta a discricionariedade, o que se mostra uma opção criticável.

O maior defeito da Resolução do TJ/RJ[21] é a previsão existente no parágrafo único do seu art. 6º, verbis: Parágrafo único - As declarações do preso colhidas, preferencialmente, por meio digital, serão lacradas e mantidas em separado.

A disposição afronta o CPP e é inconstitucional, na medida em que faz entender que ficarão “em segredo ou não acessíveis” as declarações, seja para o Ministério Público, seja para a defesa.

De uma só vez afronta o art. 129, I e VI, da CF/1988, pois retira o poder de promoção e tomada de providências do parquet em controle externo  de atividade policial, em caso de haver abuso de autoridade, tortura, atos  passíveis de instauração de procedimento investigatório ou mesmo denúncia contra coautores (pode haver delação, chamada de corréu etc.), e o  art. 40 do CPP, no qual se estabelece encaminhamento ao Ministério Público de notícia de crime, e, ainda mais, fere mortalmente o princípio da  obrigatoriedade da ação penal pública, pois impede que o parquet tome  conhecimento de fato que possa se constituir em crime, de forma que obsta  a imediata promoção pelo órgão que privativamente deve agir.

Como argumenta Lenio Streck, tal audiência de custódia se trata de uma “audiência” com a presença das partes, sendo que nessa poderá haver notícia de crime, até porque será realizado exame pericial, e o acusado, mesmo tendo direito ao silêncio, pode narrar prática de crimes por outrem.

Assim, é imperioso que fique o ato registrado nos autos de flagrante, e, uma vez juntado, deve se dar obediência à Súmula 14[22], ou seja, o acesso aos autos para a defesa. Quanto ao Ministério Público, é de uma clareza solar que não pode lhe ser subtraído o teor do ato.

Reforma processual brasileira de 2008 não adotou a novidade, pois, apesar de proposta inicial naquele sentido, foi  aprovada emenda ao art. 155 do CPP, que dizia que não poderia ser considerado o constante em inquérito ou investigação policial em decisão futura  no processo, e com a emenda ficou constando do artigo 155, inserido pela  Lei 11.690/2006, de 2008, a expressão “exclusivamente” , o que deixa transparecer que tais elementos (os inquisitoriais) ainda podem ser examinados  e utilizados em fundamentação de decisões, desde que não exclusivamente, ou seja, se ratificados por outras instâncias judiciais, justamente para  que não ficasse o juiz impedido de se utilizar de elementos inquisitoriais  quando ratificados por provas colhidas mediante o contraditório.

Uma simples resolução de um Estado-Membro poderia dispor diferente da legislação ordinária? Não. A propósito, bem alertou Lenio Streck: “Alguns preconizam que esse depoimento não seja valorado como prova, ou que o juiz que o colheu fique impedido de julgar (problema: em uma análise econômica – que isso gerará mais despesas...).

Positivamente, mas como e por que, no sistema que temos? Seria incompreensível a não valoração. Vejamos: Primeiro, se nem o juiz que tomou contato com a prova ilícita fica impedido (por força do veto ao parágrafo 4º do artigo 157 do CPP), não é possível que se crie administrativamente um impedimento para o juiz que fez essa audiência, que, no mínimo, nada teria de ilegal”.

Senão, imaginem o paradoxo: o juiz que teve contato com uma confissão obtida mediante tortura vai poder julgar o processo, mas o juiz que ouviu o réu em audiência, na presença de defensor, fica impedido. Segundo, não há fundamento para declarar essa prova inadmissível.

Se entendermos que o ato é realizado por imposição contensional (ou seja, com fundamento jurídico), a prova não tem nenhum vício processual. Qualquer movimento administrativo que diga o contrário é inconstitucional na medida em que, quando menos, interfere em questão jurisdicional, de interpretação da lei processual.

Não se pode impedir que o depoimento do agente não seja valorado como prova, ou que o juiz que o colheu fique impedido de julgar, já que nem o juiz que tomou contato com a prova ilícita fica impedido (por força do veto ao parágrafo 4º do artigo 157 do CPP) e não é possível se criar administrativamente um impedimento para o juiz.

E completamos que, por coerência, nem uma futura lei pode fazê-lo, pois, caso contrário, teríamos o absurdo de que um juiz que teve contato com uma confissão obtida mediante tortura vai poder julgar o processo, mas aquele juiz que ouviu o réu em audiência (a de custódia), na presença de defensor, ficaria impedido.

A apresentação do preso provisório em juízo “sem demora” é medida que deverá ser regulamentada no Brasil, já que prevista em pacto internacional ratificado pelo Congresso brasileiro que os autos sejam encaminhados ao juiz imediatamente, o que a lei ordinária já regulamenta nos arts. 306 e seguintes do CPP.

Assim, resolução que regulamenta situação diversa, que é a apresentação da pessoa presa “sem demora”, está modificando a lei e adentrando em tema que não foi disciplinado na CF/1988. Haveria, desse modo, um vício formal-constitucional.

Na resolução do TJ/RJ[23], existe uma inconstitucional previsão de sigilo do ato, ou seja, o seu “lacramento”, com o que afronta o art. 129,  I e VI, da CF/1988, pois retira o poder de promoção e tomada de providências do  parquet em controle externo de atividade policial, em caso de haver abuso de autoridade, tortura, atos passíveis de instauração de procedimento  investigatório ou mesmo denúncia contra coautores (pode haver delação,  chamada de corréu etc.) e, ainda, macula o art. 40 do CPP[24], no qual se estabelece encaminhamento ao Ministério Público.

É evidente ser necessário que o ato fique registrado nos autos de flagrante, e, uma vez juntado, deve se dar obediência à Súmula Vinculante 14 do STF, ou seja, o acesso aos autos para a defesa. (grifo nosso)[25].Quanto ao Ministério Público, é de uma clareza solar que não pode lhe ser subtraído o teor do ato.

 

 

Referências

  ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2013.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Manual de Proteção Social na Audiência de Custódia. Disponível em: http://gmf.tjrj.jus.br/documents/5265985/17999037/Manual_de_protecao_social_aud.custodia-web.pdf/0e09e225-680e-5385-8158-52bc91f44afb?version=1.0 Acesso em 20.12.2023.

FERRAJOLI, Luigi. Manuale di diritto processuale penale. Milano: Cedam, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Influência do código-modelo penal para a Ibero-América na legislação latino-americana: convergências e dissonâncias com os sistemas italiano e brasileiro. In: O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão Preventiva na Lei 12.403/2011. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 6ª. ed. Florianópolis: Emais, 2020.

STRECK, Lenio. Desde 1992, a falta de audiência de custódia pode anular condenações? Conjur, 23 jul. 2015. Coluna Senso Incomum. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-23/senso-incomum-falta-audiencia-custodia-anular-condenacoes-antigas>. Acesso em: 2.12.2023.

STRECK, Lenio Luiz. Estado de coisas inconstitucional é uma nova forma de ativismo [on-line]. Revista Consultor Jurídico, 24 out. 2015. Disponível em: https://goo.gl/ jk0ALM. Acesso em 21.12.2023.

TEIXEIRA, Marco Jean de Oliveira. Audiência de Custódia: saiba o que é e o que pode ser decidido nela. Disponível em: https://marcojean.com/audiencia-de-custodia/ Acesso em 21.12.2023.

 

Autora: Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

 

 

 

 


[1] Na legislação brasileira, a audiência de custódia foi introduzida, pela Lei nº 13. 257/2015, no Código de Processo Penal (CPP). Posteriormente, a Lei nº 13. 964, de 24 de dezembro de 2019, também conhecida como Pacote Anticrime, acrescentou dispositivos ao CPP para aprimorar a realização das audiências de custódia, como a previsão de que a autoridade policial responsável pela prisão apresente relatório circunstanciado sobre as condições da prisão e o estado de saúde do preso.

[2] Todavia, no §2º do artigo 310 do Código de Processo Penal, o legislador cometeu o mesmo equívoco dos artigos 21 da Lei nº 10.826/03 e 44 da Lei nº 11.343/06: proibiu a concessão da liberdade provisória com base na mera gravidade abstrata dos delitos, de modo que, quanto a esses pontos, o dispositivo é inconstitucional.

[3] Transcorridas 24 horas após o decurso do prazo estabelecido, a não realização de audiência de custódia ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva, estabelece o projeto. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que todos os tribunais do país e todos os juízos a eles vinculados devem realizar, no prazo de 24 horas, audiência de custódia em todas as modalidades de prisão. A decisão unânime foi tomada na Reclamação (RCL) 29303, julgada procedente na sessão virtual encerrada em 3/3/2023.

[4] Ponto interessante diz respeito ao fato de que, quando o artigo cogita em “falta de exibição do mandado”, não significa inexistência de mandado, mas de impossibilidade de, naquele momento, no ato da prisão, apresentar o mandado, o qual, segundo artigo 288, é imprescindível para que se recolha o preso na unidade prisional. No tocante ao artigo 310 do CPP, uma das mudanças positivas está no caput e trata da regulamentação da audiência de custódia após a prisão em flagrante, que deverá ser realizada no prazo de até 24 horas após o flagrante. O ponto mais controverso (e até mesmo inconstitucional, ao meu ver) é o § 2º, que impossibilita a concessão de liberdade provisória para os casos de reincidência, organização criminosa armada ou milícia e porte de arma de uso restrito. O STJ já reconheceu a inconstitucionalidade da vedação da concessão de liberdade provisória constante no artigo 44 da Lei de Drogas, assim como já foi reconhecida a inconstitucionalidade da vedação constante na Lei de Crimes Hediondos, pois é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios.

[5] Segundo o Código de Processo Penal brasileiro, admite-se a prisão preventiva em casos de crimes dolosos cujo o máximo da pena privativa de liberdade seja superior a quatro anos ou quando o agente já teve uma condenação por outro crime doloso. Ou ainda, nos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher ou contra outro vulnerável, como crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.  Ainda no que se refere a prisão preventiva, é o artigo 312 do CPP que traz os requisitos para sua decretação.

[6]  As novas regras da prisão preventiva são o tema mais frequente na jurisprudência do STJ em torno da Lei Anticrime. Em uma série de julgados, as turmas penais vêm consolidando o entendimento de que a Lei 13.964/2019 – nos termos da redação conferida ao artigo 315 do CPP – exige expressamente que a imposição de preventiva ou de qualquer outra cautelar deve estar fundamentada em motivação concreta relacionada a fatos novos ou contemporâneos e na demonstração da imprescindibilidade da medida restritiva. O princípio da contemporaneidade foi aplicado pela Sexta Turma para conceder, por unanimidade, habeas corpus (HC 553.310) relatado pela ministra Laurita Vaz a uma então vereadora de Bertioga (SP), denunciada pela suposta prática do crime de concussão no seu gabinete parlamentar.

[7] Prisão domiciliar humanitária - conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o interesse público. Constituição Federal. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;”

Código de Processo Penal “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.”

[8] O relaxamento é utilizado no caso de uma prisão ilegal. Conforme previsão constitucional, se o magistrado constatar que a prisão foi ilegal, deve colocar o preso em liberdade de forma imediata e sem condições. A revogação aplica-se aos casos de prisão cautelar (temporária ou preventiva), que precisam de requisitos para serem decretadas. Quando o magistrado constatar que as exigências legais não estão mais presentes, deve revogar a prisão ou substituí-la por medidas cautelares diversas.

[9] O artigo 310 CPP traz em seus incisos, em que o juiz pode, fundamentadamente, decidir na audiência. Sendo eles: relaxar a prisão em flagrante quando houve alguma ilegalidade no cumprimento da prisão; conversão da prisão em flagrante na prisão preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312, CPP; conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, seja impondo medidas cautelares ou não.

 

[10] A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu liberdade a um homem cuja prisão preventiva foi fundamentada na necessidade de aprofundamento das investigações sobre seu possível envolvimento com o tráfico de drogas. O colegiado acompanhou a relatora, ministra Laurita Vaz, para quem a prisão para averiguações é ilegal. "Não há, no ordenamento jurídico, a previsão de decretação de prisão preventiva com a finalidade de produção de elementos probatórios para instruir causas criminais", declarou. O acusado foi preso em flagrante em julho, na posse de cocaína, maconha, duas balanças de precisão e um simulacro de pistola. No dia seguinte, o juízo de primeiro grau converteu o flagrante em prisão preventiva, argumentando que a medida era necessária para que se pudesse apurar o grau de envolvimento do investigado com o comércio de drogas, em razão de denúncia recebida pela polícia. Para a relatora, a decretação da prisão preventiva foi baseada em motivação genérica, pois não foram apontados elementos concretos, extraídos dos autos, que justificassem a necessidade da custódia. Essencialmente, a ordem de prisão foi amparada na gravidade abstrata do crime e no fato de o acusado ter sido encontrado com entorpecentes. Segundo a ministra, a prisão preventiva, para ser legítima, exige que o magistrado – sempre mediante fundamentos concretos extraídos de elementos dos autos (artigos 5º, incisos LXI, LXV e LXVI, e 93, inciso IX, da Constituição Federal) – demonstre a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, bem como o preenchimento de ao menos um dos requisitos autorizativos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), evidenciando que o réu, solto, irá perturbar ou colocar em perigo a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.  A Ministra Laurita Vaz lembrou que, para a jurisprudência do STJ, fundamentos vagos que poderiam ser aproveitados em qualquer outro processo não são válidos para justificar a decretação de prisão preventiva, "porque nada dizem sobre a real periculosidade do agente, que somente pode ser decifrada à luz de elementos concretos constantes nos autos". Vide HC 69200 in:https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20682400 Acesso em 20.12.2023.

[11] Trata-se de prisão provisória decretada pelo juiz em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, para garantir a ordem jurídica e social. Exige-se a demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora, e devem ser preenchidas as condições de admissibilidade. A prisão provisória não é uma etapa prevista para qualquer tipo de processo penal. Neste sentido, o que se pode fazer é estabelecer condições que não exijam este tipo de situação e, quando ela ocorrer, reagir rapidamente para cancelar seus efeitos.

[12] O Procurador-Geral da República, Augusto Aras em 3.3.2022, requereu que o STF acate pedido apresentado em ADIn e altere três pontos do chamado pacote anticrime (lei 13.964/19). Proposta pela Conamp - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a ação questiona aspectos como o que proíbe a utilização de videoconferência em audiências de custódia e o que impede a instalação noturna de dispositivos de captação ambiental em lugares considerados "casa" para fins penais, mesmo quando determinada de forma fundamentada pelo juiz. As regras introduzidas pela lei questionada no CPP e na lei 9.296/96 contrariam jurisprudência da Suprema Corte, conforme pontuou o PGR na manifestação. Em relação à vedação do uso do instrumento de videoconferência em audiências de custódia - prevista na parte final do art. 3º-B, § 1º, do CPP - o procurador-geral defende a declaração de inconstitucionalidade. Por lei, essas audiências devem ser realizadas em até 24 horas após a prisão, contando com a presença do juiz, de representantes do MP e da defesa do preso. Processo: ADIn 6.919.

 

 

[13] Por unanimidade, os conselheiros aprovaram a alteração no segundo parágrafo do artigo n.1 da resolução 213, que passou a vigorar com a seguinte redação: “Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Tribunal Regional Federal, Tribunal Regional Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista.” . Pedido de Providências 0003475-32.2016.2.00.0000

[14] A lei 12.403/11 aperfeiçoou o controle da legalidade e duração da prisão cautelar, advinda do flagrante. Modificou o conteúdo do art. 310 do Código de Processo Penal, para deixar claro haver, para a autoridade judiciária, três opções ao receber o auto de prisão em flagrante: a) relaxar a prisão, se a considerar ilegal; b) converter o flagrante em preventiva, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP e não forem adequadas outras medidas cautelares alternativas; c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Poderia optar por uma dessas alternativas tão logo recebesse o referido auto de prisão em flagrante, sem passar previamente pelo Ministério Público ou por órgão de defesa.

[15] Assim, ante as alterações promovidas pela lei 12.403/2011, não basta mais que o juiz conclua que ‘o flagrante está formalmente em ordem, aguarde-se a vinda dos autos principais’. Se assim o fizer, sem indicar concretamente o motivo pelo qual a prisão em flagrante deverá ser convertida em prisão preventiva (art. 310, caput, II, primeira parte), a manutenção do acusado preso caracterizará constrangimento ilegal, por ausência de motivação para a prisão. No entanto, isto ainda não basta. Para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva será necessário justificar, concretamente, serem ‘inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão’ (art. 310, caput, II), bem como não ser o caso de concessão de ‘liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 310, caput, III)”.[2] Ainda sobre o tema, explica Paulo Rangel: “o entendimento de que a manifestação judicial sem a intervenção do MP é inconstitucional é desarrazoada. Não há essa exigência na lei e não se pode extrair do art. 127 da CR tal conclusão, porque senão o MP deveria falar em todos os processos e ninguém, de bom senso até hoje, sustentou isso. Destarte, o juiz ao converter a prisão em flagrante em prisão preventiva o faz sem que haja, obrigatoriamente, manifestação do MP sobre, especificamente, a conversão porque já há denúncia, ou seja, provocada está a jurisdição. (…) Todavia, sustentar que a falta de manifestação do MP é inconstitucional é jogar a barra da interpretação longe demais. (…) O que se veda é a decretação da prisão preventiva autônoma, ou seja, como primeira razão de ser (art. 313) com o escopo de evitar perseguições políticas, em especial em cidades do interior onde a relação do juiz com a classe política acaba sendo um pouco mais próxima quebrando, às vezes, sua imparcialidade”.

[16]  Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, por unanimidade, uma alteração na Resolução 213, de 2015, para incluir expressamente a obrigatoriedade da realização de audiências de custódia pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral. A decisão ocorreu durante a 37ª Sessão Virtual do CNJ (de 11 a 19 de outubro), em atenção a um pedido de providências da Defensoria Pública da União. A resolução 213 determina a apresentação a uma autoridade do Poder Judiciário, dentro de 24 horas, de toda pessoa presa em flagrante delito. Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades. O procedimento está previsto em tratados internacionais que o Brasil assinou, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No pedido de providências apresentado ao CNJ, a Defensoria Pública da União alega que, pelo fato de a resolução do CNJ deixar de contemplar expressamente a Justiça Militar da União, a Justiça Militar dos Estados e a Justiça Eleitoral, tem encontrado.

[17] Em 24.11.2020, o CNJ aprovou o Ato Normativo 0009672-51.2020 que autorizou a realização das audiências de custódia por videoconferência na pandemia de Covid-19. Por celeridade, Terceira Seção admite realização de audiência de custódia em comarca diversa do local da prisão

​A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar conflito de competência, declarou o juízo da Comarca de São Lourenço do Oeste (SC) competente para realizar a audiência de custódia de indivíduo preso no município de Pato Branco (PR). A relatoria foi da ministra Laurita Vaz, que, ao proferir seu voto, levou em consideração os princípios da razoabilidade e da celeridade processual. Segundo os autos, o acusado foi preso em flagrante em setembro de 2021, em Pato Branco, em razão da apreensão de 9,5g de maconha e 71,3g de cocaína, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pelo juízo de São Lourenço do Oeste – para onde foi conduzido de imediato, para a realização da audiência de custódia.

[18]  Se o acusado estiver acompanhado de advogado ou defensor público, poderá celebrar o acordo, que será homologado pelo juiz com atuação junto às Centrais de Audiências de Custódia. Segundo o artigo 28-A do Código de Processo Penal, o MP pode propor acordo de não persecução penal se não for caso de arquivamento e o investigado tiver admitido a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que o compromisso seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Para isso, o acusado também deve reparar o dano à vítima, prestar serviços à comunidade ou cumprir outras condições.

[19] Ao contrário do reconhecimento do princípio da contemporaneidade, um tema não consensual na corte superior é a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva, à luz da redação dada ao artigo 311 do CPP pelo Pacote Anticrime. Ao longo de 2020, a Quinta Turma alterou o próprio entendimento a respeito da matéria. O colegiado compreendia que a nova legislação mantém no ordenamento jurídico a autorização para o juiz converter o flagrante em segregação provisória sem prévio requerimento. Como registrado pela edição 679 do Informativo de Jurisprudência, a turma penal referendou, por unanimidade, a decisão que indeferiu habeas corpus (AgRg no HC 611.940) impetrado por um suspeito de praticar, em Santa Catarina, os delitos de organização criminosa, receptação e adulteração de sinal identificador de veículo. Ao votar pela manutenção da custódia cautelar do acusado, o relator do HC, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou que a Lei Anticrime excluiu apenas a possibilidade da imposição, de ofício, de prisão preventiva.

[20] Outro desafio seria a questão da imparcialidade do juiz que determinou uma prisão preventiva para atuar em uma audiência de custódia. Há muitas comarcas no interior do país com apenas um juiz. Como esse magistrado poderia rever sua decisão?

[21] Porém, especialistas afirmam que a norma do TJ-RJ contraria a regulamentação do CNJ sobre audiências de custódia. A Resolução 213/2015, que regulamentou o procedimento, impede que sejam abordadas questões de mérito na sessão. Além disso, o CNJ destacou, em 2020, que a audiência de custódia não é o momento para o oferecimento e celebração de acordo de não persecução penal.

[22]  Súmula vinculante 14-STF: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa

[23] A Resolução TJ-OE 30/2022, publicada em 8 de novembro, alterou o artigo 4º-A da Resolução TJ-OE 5/2022 para estabelecer que o representante do Ministério Público pode oferecer acordo de não persecução penal ao preso em flagrante a ser submetido a audiência de custódia.

[24] Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

[25] Na audiência de custódia, não se discute o fato que levou à prisão e não se decide se a pessoa é culpada ou inocente. Nesse momento, o juiz decidirá se a pessoa permanecerá presa ou será colocada em liberdade. Esse é somente o primeiro contato da pessoa com a Justiça após a prisão. O que não fazer em uma audiência? Três erros que você jamais pode cometer em uma audiência Nunca faça perguntas impertinentes; Roupas não condizentes;  Mandar para a audiência advogado que não conhece o processo.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 06/04/2024
Código do texto: T8035720
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