Em princípio, a ordem do Direito Público é imperativa ao proibir o exercício acumulativo de cargos, em face do seu pressuposto de que, sempre com a intenção de alcançar uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos, deve o agente dispensar exclusividade àquilo que se propõe como prestador, ao que demanda uma dedicação limitadíssima ao exercício  que é próprio ao cargo do qual recebeu investidura, daí, se haver concepção de que a concomitância com outras ocupações diminui a produtividade do servidor, em desfavor do usuário.

          Entretanto, ao mesmo tempo em que a norma impõe o rigor, também mostra flexibilidade em situações bem restritas, quando o texto constitucional abre exceções, sendo, de outra forma permissivo a acumulação de cargos, em hipóteses especialíssimas, quando expressa:
 
Art. 37.    ...........................................                
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.                    
a) a de dois cargos de professor;       
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;    
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
                         

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;




          O preceito constitucional se reproduz na Lei 8.112/90 em regulamentação, dentro do título versejante sobre o regime disciplinar do servidor público e em capítulo próprio a acumulação de cargos, inserindo-se comando no Estatuto com os mesmos propósitos da coletada norma constitucional:
 
        Da Acumulação
       Art. 118.  Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
        § 1o A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.

          A regra suso reproduzida flui em cotejamento com outra do mesmo Estatuto, como imperativo quando do ingresso ao serviço público, das sequenciais nomeação, posse e exercício, mais precisamente com referência aquilo que é de maior rigor à investidura, como seja, o ato de posse, momento em que o servidor  deve declarar ao gestor de pessoas, que exerce outro cargo, emprego ou função pública, nos termos da lei:
 
 Da posse e do exercício
Art. 13. A posse dar-se-á pela assinatura do respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
§5º. No ato de posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimonio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargos, emprego ou função publica

           Oportuna ainda a menção, desta vez quanto ao servidor aposentado, no seu desidério de reingresso,  no que possa acumular os proventos do antigo cargo que exercia com a remuneração de um novo cargo do serviço ativo, que venha a exercer após a aposentadoria, ainda dentro da vertente cumulatividade de cargo, e nos termos da EC 20/98, é interessante a menção em passant de que, alhures aos limites etários, conquanto a lei não o impeça de que venha a prestar concurso público após a sua desvinculação com o serviço ativo, entretanto a ocupação de um novo cargo, ainda in signus sectionis ao Art. 37 CF, esbarra no mesmo proibitivo. 
 
§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.  





           Nos termos do permissivo constitucional, é obvio que se o cargo da aposentadoria for acumulável com o novo cargo, naturalmente que será dada nova investidura, mantendo-se, portanto, os anteriores ganhos relativos aos proventos e, ainda, passando a estes acrescer, também, a remuneração referente ao novo cargo decorrente do concurso.

          Tais restrições não se aplicam quando o servidor aposentado for nomeado ad nutum para assunção de discricionario cargo comissionado, declarados por lei, de livre nomeação e exoneração, da mesma forma que venha a tomar posse em cargo a que a lei submeta a sufrágio popular, a exemplo dos eletivos cargos de vereador, deputado, senador, prefeito, etc
 
               Entretanto, em se tratando de um novo cargo efetivo, se não for acumulável, eis aí a proibição, só restando ao aposentado, como alternativa, em concomitancia com a posse, o pedido de desaposentação do antigo para que somente após, venha a plenitude da investidura ao novo cargo decorrente do concurso publico.

             Ainda acerca dos aposentados, conquanto exista o referido proibitivo, entretanto o STF abre excessão para aquelas situações de acumulação de proventos com a remuneração de cargo efetivo que ocorreram antes da promulgação da EC 020/98 que embora posteriormente ditas por esta como inacumuláveis, o excelso pretório julgou pela convalidação (RE 190.326-1), dada a excepcionalidade na hipotese de in novatio legis in pejus e nos seus efeitos ex nunc. Portanto, no protrair da regra, a proibição somente se aplica às acumulações posteriores a data de 15/12/1998.


             Outro ponto interessante, atente-se que a Constituição Federal, no conjunto normativo do seu Art. 37 com o seu Art. 18, no modelo adotado para a sua estrutura político-administrativa, a que chamamos de pacto federativo, não proíbe ao servidor, dentro das hipóteses prevista, que acumule com o seu, um cargo de um outro ente federativo. Assim sendo, por exemplo, um servidor municípal pode acumular ao seu, um outro cargo do próprio ou de outro município, quanto pode acumular outro cargo estadual ou federal, e vice-versa.
 
     Interessante, ainda acerca das peculiaridades da acumulação do cargo público, que de certo traz reflexos em óbice ao exercício dos cargos, outra questão, embora não expressa na lei, diz respeito a questão geográfica pertinente a sede de cada um dos cargos ocupados, como entraves de ordem física, no que isso venha a repercutir no princípio da eficiência na prestação do serviço público, cujo propósito é o de que não se sobreleve os encargos e interesses de um ente público em detrimento aos de outro.

           A propósito do que seja sede de trabalho do servidor, tal definição ex legis se encontra no que expressa o Art. 242 da Lei 8.112/90, de que esta corresponde ao município onde se localiza a repartição pública na qual estiver em exercício permanente.
 
                   Por racional, dentro das leis da física, de que um mesmo corpo não pode ocupar ao mesmo tempo espaços distintos, a despeito disso, o direito público pressupõe  no sentido de que cargos acumulados devam compor uma mesma base territorial.
 
                   Conquanto se pressuponha que a acumulação seja na mesma base territorial, entretanto é racional que inexiste obstáculo a prejudicar o desempenho do servidor, quando se tratar de sedes contíguas a exemplo de um cargo na cidade São Paulo e outro no vizinho Município de Guarulhos, o que não impossibilitaria o servidor de ir e vir de uma para outra.

            Ainda concernente a questão geográfica como variável prejudicial na cumulatividade de cargos, de outra sorte não se vê impossibilidade do servidor se deslocar entre sedes mais distantes, entretanto, sendo de mais fácil e menos controverso quando o mesmo laborar em regime de jornadas de menor carga. Para melhor entendimento acerca de que este tipo de jornada é de menos entraves, de forma didática podemos nos valer, dentro do exame de todas as situações de acumulação, do cotejamento com a outra alínea, que em outro ponto da regra versa sobre acumulação dos profissionais de saúde. A título disso emprestamos o exemplo de um servidor ocupante do cargo de médico, que desde a revogada Lei 9.436/97 lhe é permitido optar pelo regime de 20 hs semanais, de que este pode sem aperreio cumprir 20 hs na segunda e na terça em uma sede, viajar na quarta e cumprir mais outras 20 hs  na quinta, sexta ou sábado em outra, cumprindo em razoável cronologia, ao total as 40 horas dos dois cargos.


                    Quanto a hipótese da jornada acumulada não ser a de menor carga, mais sim a de 60 hs semanais, que é bem maior, a coisa aí já não flui assim tão mansamente. Neste sentido, por exemplo, um Juiz Federal de Brasília, em regime de 40 hs, cujo desempenho naquilo que é próprio a identidade física de um cargo de magistratura e mais outros que a LOMAN, a Lei 5.010/66 e Provimentos do CJF lhe impõem, sempre o seu expediente será na forma presencial in corporis, daí que fisicamente fica bem difícil, desgastante, legalmente impossível, este agente político acumular mais outro cargo em regência de classe, (v.g) de Professor da UFPA em Belém em regime de 20 hs. Em tal hipótese, no diário ir e vir de uma cidade para outra, incluindo-se scheking, embarque, vôo e desembarque,  passaria nada menos que 08 hs nos aviões e aeroportos, isso tudo sem falar no dispêndio financeiro não compensatório com o alto valor das passagens aéreas.

                   Uma vez que a lei não permite ausentar à sede do seu Juízo, inobstante, restaria em tal caso uma solução pedagógica também contemplada na lei quando prevê uma modalidade que prescinde da presença física do professor dentro da sala de aula, como seja a educação a distância, prevista no Art. 80 da Lei 9.394/96 e regulamentada pelo Decreto nº 5.622/2005. Com o aprimoramento dos recursos tecnológicos para a educação, via satélite e nos conhecidos sistemas on-line, vídeos-aulas, vídeos-conferencias e outros, a metodologia passou a dispor, de modalidade distinta do tradicional ensino presencial, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.

            Conclusivo, portanto, que em sendo insuperável a questão geográfica, de certo que a jornada diária de cada cargo ficará acentuadamente prejudicada, a repercutir na descontinuidade de serviço pela falta de pontualidade e de assiduidade, configurando assim o ilícito administrativo pela incompatibilidade proibida pela ordem constitucional.

                   DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO

              Com a nova ordem constitucional, os ditames da anterior carta não mais se fizeram contemplar no novo texto, abolindo-se a vetusta exigência de correlação de matérias para a acumulação com um cargo de professor, porém, como já visto, se preservou a outra partícula pela qual ainda se exige compatibilidade de horários.
 
                  No tocante ao quesito horários, de antemão deve-se atentar que a regra constitucional admite labor em horas, tanto para o cômputo diário quanto para o computo semanal e ordena que se aplique aos servidores públicos (Art. 39, §3º c/c Art. 7º, XIII), cuja opção do gestor pelo quantitativo de horas se adequa de acordo com as peculiaridades e natureza do exercício de cada cargo.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
. . . . . . . . . . . .
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; 
. . . . . . . . . . . .
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.  

. . . . . . . . . .
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. 
 
                  Na regulamentação do dispositivo, os pormenores estão na Lei 8.112/90 que flexiona a jornada diária entre a de 08 horas (ao que se deduz distribuída em dois turnos) e a de 06 horas (ao que se deduz corridas e em único turno), ao dispor:
 
        Art. 19.  Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.
         . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
        § 2º.  O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais
 
                Como se pode ver, ao mesmo tempo a Lei 8.112/90 admite também regimes sui generis que, no que se refere as leis especiais, que podem estabelecer jornadas distintas ao Estatuto. Exemplo muito corriqueiro nos meios de gestão de pessoas é o caso dos professores, onde por questões técnicas a Lei 12.772/12 prefere não mensurar a jornada deles pelo o que deveriam trabalhar durante o dia, mas sim pelo quantitativo das horas que devam trabalhar durante a semana (de 2ª a 6ª feira) daí a lei preferir definir como intersticio a carga horária semanal, que pode ser de 20 ou de 40  horas, cujos módulos chamados de horas/aula são, por orientação técnico-pedagógica, flexíveis em torno de 50 minutos.
 
                Óbvio que, neste cotejamento entre um cargo e outro ainda na hipótese de sedes contiguas, (v.g) se um Técnico em Assuntos Educacionais em regime de 40 hs labora das 07:00 às 13:00 horas como servidor do Município de Niterói (RJ) e, cumulativamente, labora em módulos que oscilam entre as 17:00 às 22:00 horas, como professor da UFRJ em regime de 20 hs, nunca haver-se-á de falar em exercício irregular de cargo público, nem em um e nem em outro ente público. Além do possibilismo cronológico e matémático in casu, peculiaridade existe ainda quanto ao magistério de que  as 20 hs. de trabalho como professor não a são todas presenciais e em sala de aula, mas sim, divididas entre planejamento, reuniões pedagógicas, eventos educacionais, atendimento extraclasse, treinamentos, dentre outros. Oportuno até o jargão de que o professor trabalha mais em casa do que na escola.
 
                 Esta  compatibilidade de horário deve ocorrer na pacífica composição do mosaico entre os interesses de cada sistema,  não se permitindo sobreposição de horários e, o que também é de mais interessante, tudo dentro da suportabilidade humana, ao que aflui o racional ciclo circadiano no dormir, acordar, se alimentar, descansar..., que de certo deve ser observados nas acumulações de cargo. Pragmático que o servidor trabalhe um turno em um cargo e outro turno em outro cargo, com intervalo para alimento e descanso diário e semanal, sem desgastes físicos ou mentais.

                Sobre o limite semanal de horas que possam ser humanamente suportadas pelo servidor público, desta vez, a Advocacia Geral da União - AGU em PARECER AGU GQ 145/98 que se tornou normativo, à época, por ato do Presidente da República, já assentou, inclusive com bases cientificas, que o limite semanal de trabalho nas acumulações de cargo é de no maximo 60 (sessenta) horas semanais. Uma vez ultrapassado este limite se pressupõe menor produtividade pelo desgaste fisico e mental, evidenciando-se via de regra a cumulatividade irregular.
 
               Ultrapassados os pertinentes referenciais normativos e mais ao que correlato e interessante para maior domínio acerca do tema, passa-se doravante ao discernimento frontal, com a particularidade do canon constitucional, expressivo a acumulação do cargo de professor com outro técnico ou científico, pelo o que volvemos especificamente ao cerne do estudo de, como se possa definir o que seja um cargo técnico e do que seja um cargo cientifico.

            O CARGO TÉCNICO E O CARGO CIENTIFICO

          A excepcionalidade da acumulação de um cargo técnico ou cientifico com o cargo de professor,  prevista na Magna Carta,  não se trata de privilégio mas sim, se justifica pela grande contribuição que o domínio técnico e científico possa trazer às instituições educacionais, numa interatividade da experiência, pragmaticidade e teoria, a ser repassada em forma de conhecimento ao discente, hipótese em que a ordem permite o exercício cumulativo  de dois cargos de  professor, ou deste com outro de natureza técnica ou científica, sempre em que exista compatibilidade de jornada laboral.
   
               Embora o imperativo das coletadas normas o seja no sentido proibitivo, ao mesmo tempo abrem-se exceções onde se vê, dentre outros e com afinidade a situação sub examine, o permissivo a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, ressalvado que exista a compatibilidade de horário e que os ganhos pela acumulação não ultrapassem o teto remuneratório dos Ministros do STF.

              Quanto a indagação se cabível ou não a acumulação ora vislumbrada, primeiramente, levando-se em consideração os aspectos puramente literais do preceito, na sua trivial dissecação gramatical e dentro das técnicas de hermenêutica, como ponto de partida ao raciocínio, in casu, impõe-se isolar a partícula da norma que expressa o permissivo da acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, para a partir dela chegar a uma conclusão.
                                    
                   Sem propósito de crítica ao legislador, ocorre que, na construção sintática do preceito, o fez no sentido de que, se a acumulação do cargo de professor não fosse com um cargo técnico teria de ser com outro, científico. Entretanto, ao idealizar um sentido alternativo na regra suso, a deixou quase sem nenhum efeito prático. É difícil particularizar e estabelecer limites a isolar o conhecimento técnico do científico, de forma a vislumbrar distinção aos cargos públicos. Não há discernimento clássico de um em relação ao outro, de forma a estabelecer definições estanques do científico que não se aplique ao técnico e vice-versa.
    
                 Atento a este aspecto comum às duas expressões, o doutrinador publicista José Cretela Junior tece interessante comentário, quando assim expressa:

 
 Em nossos dias, o técnico que não se socorresse de princípios científicos não seria técnico, na moderna acepção da palavra, mas profissional autônomo (...)
 
            Primeiramente, na acepção da palavra cientifico, pelos ensinamentos da epistemologia jurídica de Maria Helena Diniz, pode-se concluir que, com a excludência de elementos da filosofia, este termo se refere ao saber limitado a uma área do conhecimento humano, com autonomia de objeto, cujo processo de investigação se dá de forma ordenada, sistematizada e organizada.

             Acontece que o conhecimento técnico, também passa pelos mesmos pressupostos da atividade cientifica, como sendo, desenvolve-se em torno de um objeto especifico, elaborado de forma ordenada, sistematizada e organizada, daí que de grande afinidade com os métodos da ciência, ao que se conclui não ser tarefa das mais fáceis isolar um do outro.

               Importante a observação de que não existe método que não passe pelas técnicas, sendo destas as particularidades que instrumentalizam, tanto a descoberta, quanto a explicação dos fenômenos.
                       
               Este cotejo entre o que possa ser, de um lado, apenas técnico e o que, de outro, seja excelso cientifico, encontra, de certa forma, um divisor na estratificação do ensino, idealizada pelas estruturas criadas pelo Estado. As universidades são tidas ex cathedra como fóruns do mais alto nível, daí que se leve ao raciocínio de alguns como se, nelas, encerrasse todo o trabalho científico, restando ao nível técnico, uma posição mediana, como um conhecer de menor prestígio.
 



          Assim sendo, nesta linha de pensamento, o  gestor  criou regras quando, em meados do século passado a União Federal fez editar o Decreto 35.596/54. A disciplina normativa se reportou à expressão do termo técnico ou científico, sempre preferindo fazê-lo de forma conjugada, inobstante o seu sentido alternativo, evitando-se indicar critérios isolados.
 
         Sem muita contribuição, à época, o referido ato normativo limitou-se a dizer que assim seria considerado todo cargo, cujo exercício estivesse vinculado ao conhecimento obtido em nível superior de ensino ou dependente de habilitação em curso legalmente classificado como técnico, também de nível superior.
 
          Nos termos do precursor ato normativo, em primeiro momento, o critério para a definição de cargo técnico ou científico se esvazia na habilitação acadêmica, inobstante a existênciadas das escolas técnicas, dentro do então ensino secundário (agora ensino médio), que já naquela época ofertavam cursos para a formação profissional com a denominação de técnicos, dentro da reforma do ensino inserida pelo Min. Gustavo Capanema (1942/46).
 
             O critério idealizado pelo referido Decreto 35.596/54, de certo que trouxe grande influência na administração pública dos Estados Membros, até mesmo pelo fato de que a União Federal sempre foi um modelo às demais unidades da federação, a exemplo do que assimilou mais tarde o Estado do Maranhão, consoante Decreto 11.474/90, que somente considera cargo técnico, aqueles cujos ocupantes possuam formação superior.
 
             Hodiernamente, o critério de que cargo técnico, em sua definição esteja atrelado a formação de nível superior, tem-se como superado. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento, de forma diversa, quando assim julgou:

1. O fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, pois o texto constitucional não exige formação superior para tal caracterização, o que redundaria em intolerada interpretação extensiva, sendo imperiosa a comprovação de atribuições de natureza específica, não verificada na espécie, consoante documento de fls. 13, o qual evidencia que as atividades desempenhadas pela recorrente eram meramente burocráticas. (Destacou-se) (RMS 12.352/DF - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - T6 - DJ 23/10/06)
 
              Pelo o que se pode ver, na progressividade do direito, torna-se pacífico, de que cargos técnicos também o são aqueles ocupados por servidores com formação de nível médio, ao que ora induz conclusões de que o seja nos termos da educação profissionalizante (Art. 42 da Lei nº 9.394/96).

                Conquanto as normas não desçam aos pormenores, no seu sentido didático de melhor indicar no que consiste o cargo técnico e o cargo científico, inobstante a isso, a pragmática administrativa já indica alguns critérios que facilitam a análise, quanto a cumulatividade constitucional.

               Neste sentido, o cargo técnico pode ser visto com auxílio do que emana da estrutura de ensino no Brasil, como aquele que somente pode ser ocupado por servidor com formação sob a nomenclatura de curso técnico ofertado pelas instituições, tanto no ensino médio, quanto na educação superior, reconhecido nos termos da legislação nacional, com título registrado, em havendo, no órgão de fiscalização ao exercício profissional.

           O prestígio da estrutura do ensino nacional, na disponibilidade de cursos técnicos é tanto, que os planos de cargos e salários são elaborados em correlação às habilitações obtidas através destes, daí que os cargos públicos preservam a mesma denominação dos cursos de nível médio que possibilitaram a investidura do agente, a exemplo dos cargos de Técnico de Enfermagem, Técnico Agrícola e Técnico em Laboratório, que são comuns aos quadros de servidores.
      
                  Ainda em prestígio a estrutura do ensino nacional, de outro lado, a formação específica em cursos superiores, a exemplo de Direito, Engenharia Civil e Medicina, deixa irrefutável que são técnicos e científicos os cargos públicos derivados dos respectivos cursos, tais como, o de Juiz de Direito, o de Engenheiro Civil e o de Médico, cujo exercício é privativo aos portadores de diploma, dentro de cada uma dessas áreas do conhecimento.
 
             Oportuna a menção, de que, em se tratando de educação superior, em alguns sistemas as titulações são ditas como de formação tecnológica e, em outros, tal nomenclatura também se faz uso para a educação básica, a exemplo dos atuais e autárquicos institutos federais de educação, criados pela Lei 11.892/2008. Com o reordenamento da estrutura de ensino federal de nível médio, parte das antigas escolas técnicas passaram a ficar vinculadas as universidades federais enquanto que outras alçaran ao status de autarquias. Inobstante as inovações trazidas pela referida ordem, entretanto, mais uma vez a lei não ofertou subsídios para o discernimento do que seja técnico e do que seja tecnológico.

               Determinados cargos públicos, pela complexidade do seu exercício, exigem do agente um conhecimento específico prévio e uma titulação que lhe tornará apto à investidura. Na realidade é quando a prestação do serviço público consistirá na transposição de um conhecimento técnico, para o desempenho do cargo, de modo a gerar uma utilidade efetiva e concreta em favor do usuário do serviço público.

               Outra questão interessante é quando o administrador depara com situações outras, em que a formação do servidor, embora seja técnica, o título que o habilitou à investidura, não traz ipsis litteris a nomenclatura de curso técnico, o que tem levado a equivocos e injustiças Neste caso, a aferição da natureza do curso dar-se-á pelo complexo exame extrajurídico, como sendo, extrapola as atribuições do jurista vez que circunscrito a critérios pedagogicos. Para o discernimento, aconselha-se pelo formal manifesto das câmaras dos colegiados vinculados a educação nacional, para que o digam, se técnico ou não.
 
            A propósito desta busca de informações extrajurídicas, do que seja o técnico ou científico, a literatura do Direito Público apresenta importante preleção doutrinária, no que ensina Marçal Justen Filho in Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, quando de forma correlata ao tema, manifesta:

 
A conceituação de um certo serviço como técnico importa em uma investigação extranormativa. A lei não pode (nem o quis, no caso) definir o que seria "técnico", pois somente as ciências poderiam fazê-lo. Seria improfícua e inconveniente a opção legislativa de substituir-se ao conhecimento científico, pretendendo definir exaustivamente a natureza dos serviços técnicos. Não se trata, evidentemente, de remessa à escolha discricionária do administrador. Não se atribui ao administrador livre escolha sobre o que seria um serviço "técnico". Ao contrário, impõe-se examinar a natureza do serviço e comprovar se a hipótese se configura como tal perante as ciências.
 
               Nesta tarefa de aferir a formação técnica do servidor, com as atribuições do seu cargo, é quando o aplicador do direito vai se socorrer das contribuições de outras áreas do conhecimento, onde sobressaem as instituições do labor pedagógico, a exemplos dos Conselhos Estaduais de Educação. Em sendo estes, responsáveis pela regularidade do ensino médio no país, ao avaliarem sobre estrutura institucional, quadro docente, rede física, biblioteca, laboratórios, campo de estágio, matriz curricular, conteúdo programático, quesitos comuns a qualquer proposta de curso, o fazem com exaustiva cientificidade, própria à pedagogia.

                      Para o Administrador, melhor seria se os atos de autorização e reconhecimento fornecidos pela autoridade educacional, independente da nomenclatura do curso, já expressassem a sua natureza, o que de certo facilitaria ao correlacionar a habilitação, com o exercício do cargo, para dizê-lo, se técnico ou não.

               Outra observação interessante, ainda sob os reflexos da doutrina de Marçal Justen Filho, diz respeito à hipótese do administrador, ao seu alvedrio, elaborar leis para criar cargos e classificá-los como cargo técnico, quando da instituição de planos de cargos.

            Embora em muitos dos referidos planos a lei expresse determinado cargo como sendo técnico, nem sempre tal indicação é verdadeira, assim o sendo por descriterioso engendramento político a induzir a uma mera denominação legislativa, entrementes sem nenhuma exigência de formação técnica ou científica específica nos níveis da LDB, cujo ocupante do cargo pode ser qualquer pessoa oriunda dos cursos de formação geral.

           Exemplo bem clássico diz respeito as estruturas de carreira do judiciário que, em algumas delas, nos chamados quadros em extinção,  ainda se admite ao servidor com escolarização de nível médio, que ocupe o cargo de Técnico Judiciário, cuja nomenclatura levou alguns de seus ocupantes acreditar que poderiam, dentro do permissivo constitucional, a acumular a este, o cargo de professor. Entretanto, a solução jurisdicional consolidou-se em desfavor dos pretensos, pela simples razão de que, embora grafado pela lei como cargo técnico, a sua investidura não suplica por formação escolar específica, sendo que qualquer pessoa com escolaridade de nível médio está apta a ocupá-lo.

             Neste sentido, é oportuno trazer-se à colação o elucidante aresto do Superior Tribunal de Justiça, que colocando uma pá de cal na questão, assim consolidou entendimento:

Não é possível a acumulação dos cargos de professor e Técnico judiciário, de nível médio, para o qual não se exige qualquer formação específica e cujas atribuições são de natureza eminentemente burocrática (RMS 21.224-RR,  Min. Arnaldo Esteves Lima - Quinta Turma - DJ 01/10/2007)
      
               Pelo o que se vê, do conceito de técnico ou científico são excluídos os cargos que envolvam atuação meramente burocrática, ainda que dotadas de certa complexidade, porém de pratica repetitiva, não ensejam formação especial para o seu exercício.
 
           Interessante, ainda, que nem todo servidor público, cujo ingresso seja dependente de uma formação ao nível superior, por si só, possa ser considerado como ocupante de cargo técnico ou científico. Existem situações em que a administração pública prima pelo bom padrão do nível intelectual daquele que vai prestar um serviço em favor da sociedade, daí a exigência legal de que seja portador de um diploma de nível superior, entretanto sem nenhuma correlação do conhecimento acadêmico com o labor próprio ao exercicio do cargo.

               Nesta situação se enquadra, por exemplo, o cargo de agente de polícia federal, que por imposição da Lei 9.266/96 conditio sine quae non, a sua investidura está condicionada a uma graduação de nível superior, sem especificação de curso ou área, daí que, em algumas vezes, sem nenhuma afinidade com o direito, com a segurança publica e com o serviço policial.
 
 
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