O Direito Público tem como pressuposto que toda e qualquer prestação de serviço público seja da melhor qualidade e de plena eficácia, pelo o que o servidor deve dispensar  um esmero total no exercício  que é próprio ao cargo do qual recebeu investidura, dai que em face a esta dedicação, exsurge que a concomitância de outras ocupações diminui a sua produtividade, em desfavor do usuário, o que de certo vulnera o princípio da eficiência que norteia a Administração Pública.  Assim sendo, a disciplina é de rigor no sentido de proibir o exercício acumulativo, somente assim admitindo em situações excepcionais, nominalmente elencadas no texto da Constituição Federal, consoante expressa:
 
Art. 37.    ...........................................
 XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
 a) a de dois cargos de professor;
 b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
 c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
(Acrescentado pela Emenda Constitucional 034/2001)
 XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;
 
          Ao que possa até parecer que a exceção criada pela Magna Carta fosse um privilégio em favor de alguma categoria de servidores, de início, em favor do professor, tal entendimento queda-se diante do racional fundamento, de que o domínio técnico e científico na realidade traz grande contribuição às instituições educacionais, numa interatividade da experiência, pragmaticidade e teoria, a ser repassada em forma de conhecimento ao discente, hipótese em que a ordem permite o exercicio cumulativo de dois cargos de  professor, ou deste com outro de natureza técnica ou científica, sempre em que exista compatibilidade de jornada laboral.
 
          Quanto a outra situação de permissibilidade de  acumulação de cargos dos profissionais da saúde, o entendimento, com suas peculiaridades, converge no mesmo sentido, de que a exceção não constitui um privilégio injustificado para conceder prestígio a esses, mas que se justifica, sempre em face da contribuição e conhecimento a ser partilhado e do interesse publico a ser suprido, na busca de diminuir a carência de profissionais nos hospitais públicos e atender à população, principalmente à parcela que depende do Sistema Único de Saúde (SUS).
 
           Em se tratando de cargos destinados aos profissionais da saúde, o histórico da acumulação de cargos se desdobra em duas situações distintas, como seja:
 
1. Aqueles antigos, que antes da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988) acumulavam dois cargos de médico ou dois cargos de profissionais de saúde, por lhes ser permitido pela revogada carta o que não mais veio a ocorrer com a nova ordem constitucional, porém, estes tiveram assegurado o direito na continuidade da acumulação dos referidos cargos, nos termos do art. 17 das ADCT’s.
 
2. Aqueles que não acumulavam cargos à época da promulgação da Constituição Federal ou até mesmo ainda não haviam ingressado ao serviço público, daí lhes ser proibido o acumulo, situação esta que perdurou até o advento da Emenda Constitucional nº 034/2001   (14/12/2001), quando passaram, também, a ter direito a acumulação de dois cargos de profissionais de saúde.
 
            O objeto da presente monografia não é o de esmiuçar estudo acerca da situação amparada pelo art. 17 das ADCT’s, mas sim traçar pormenores acerca da mudança introduzida pela EC 034/2001, a partir da qual, outros profissionais de saúde e, desde que seus cargos estejam vinculados a uma profissão regulamentada, poderão acumular cargos ou empregos públicos remuneradamente.
 
           No que concerne as profissões regulamentadas a que se reporta a norma, de uma forma geral tal disciplina  é da competência do Congresso Nacional,   nos termos do que prevê a Magna Carta ex vi art. 22, inciso XVI,  daí que várias são as profissões que já se encontram com a devida regulamentação,  com os seus conselhos federais e regionais devidamente criados por lei, instalados e atuantes.

           A tradição jurídica no Brasil convergiu no sentido de que, embora a formação universitária seja de grande importância para a qualificação profissional, não basta apenas a regularidade do ensino e a ostentação do correspondente título de técnico de ensino superior, para que se tenha determinada profissão como devidamente regulamentada. Isso somente ocorre com a instituição, através de lei federal, dos correspondentes conselhos profissionais em cada uma das unidades federativas, que atuarão como fiscalizadores do seu exercício.
 
           Assim sendo, o quadro geral de regulamentação das profissões da área de saúde e outras afins, do nível técnico superior, é o seguinte:
 
         Médico .................................... Lei 3.268/57
         Enfermeiro .............................. Lei 7.498/86
         Farmacêutico ..........................  Lei 3.820/60
         Odontólogo .............................  Lei 4.324/64
         Veterinário ..............................  Lei 5.517/68
         Assistente social ....................   Lei 8.662/93
         Psicólogo ................................  Lei 5.766/71
         Nutricionista ............................  Lei 8.234/91
         Fisioterapeuta .........................    Lei 6.316/75
         Terapeuta ocupacional ...........     Lei 6.316/75
         Biomédico ...............................    Lei 6.684/79 
         Fonoaudiólogo ........................    Lei 6.965/81
 
          Ainda, no que concerne a nomenclatura de técnico é oportuno observar-se que, tanto os da educação superior, quanto os do ensino médio, dentro das regras pertinentes a educação profissionalizante nos termos da Lei 9.394/96 (LDB), recebem tratamento com similitude, sendo mais apropriado às graduações e pós-graduações a nomenclatura de educação tecnológica.
 
          Da mesma forma como ocorre com os de formação universitária, não basta apenas que exista uma formação em escola técnica para que se diga determinado técnico como um profissional regulamentado; é imprescindível que uma lei federal também regulamente o exercício daquela profissão de nível médio e a coloque, também, sob a fiscalização dos conselhos regionais correspondentes.
 
           Dentro do modelo da atividade hospitalar no Brasil, no complexo das unidades vinculadas a prevenção e terapêutica, próprios a saúde pública e aos seus quadros de servidores, os profissionais de nível médio poderão ser: técnico em administração hospitalar, técnico em registros de saúde, técnico em histologia, técnico em patologia clinica, técnico em hematologia, técnico em hemoterapia, técnico em citologia, técnico em enfermagem, técnico em nutrição e dietética, técnico em radiologia médica, técnico em ótica, técnico em fisioterapia, técnico em higiene dental e técnico em laboratório de próteses dentarias.
 
          A definição de que determinada profissão de nível médio possa ter sido devidamente regulamentada, para fins de acumulação de cargos dentro do serviço público, ocorrerá com a aferição puramente legislativa, nos termos do que já foi explicitado.
 
           Interessante nuance quanto a acumulação dos cargos públicos circunscritos a atividade de saúde, diz respeito ao outro nível de servidores, como seja, os auxiliares, que recebem uma classificação de que não são profissionais, mas sim, de que são ocupacionais
 
          A denominação de profissional, diz respeito à formação do indivíduo, seja ela obtida num curso superior, seja num curso técnico de nível médio, cuja habilitação ao cargo sempre dar-se-á pela apresentação de diploma, fornecido pelas instituições, na forma da lei. A de ocupacional refere-se ao tipo de trabalho que o indivíduo desenvolve, por ser possuidor de certificado fornecido por escola, em face a curso, cuja carga horária, matriz curricular e conteúdo programático não o insere no nível de ensino técnico.
 
           Sem nenhum desprestígio a importância de tais agentes dentro da saúde pública, inobstante estarem os ocupacionais relacionados à alguma profissão regulamentada, ocorre que a estes são reservadas tarefas de participação a nível de execução simples, de ordem repetitiva e que somente deverão ocorrer sob as vistas de um técnico.
 
          Como os ocupacionais recebem pela lei, um tratamento diverso aos que são profissionais, torna-se bastante controverso definir em favor desses o direito a acumular cargos dentro da administração pública, vez que a regra constitucional, nos seus aspectos literais, expressa como situação estritamente destinada aqueles que possuem, além da qualificação técnica ou tecnológica, as suas profissões devidamente regulamentadas através de lei federal. 
        
         Ainda, na hipótese da acumulação de cargos e empregos de profissionais de saúde, na literalidade da derrogação inserida pela EC 034/2001, a expressão da correspondente alínea, aparenta que esgotou critério, ao dizer apenas que sejam profissões devidamente regulamentadas, sem demais quesitos.
 
          Ocorre que tal entendimento não haverá de fluir, assim de forma tão remansosa, sem ressaltos, pelas razões de ordem técnica a implicar na hierarquia própria ao serviço hospitalar. Vem daí a questão da incongruência, em alguém acumular cargos e ser, ao mesmo tempo, um ocupacional, de tarefas simples e um profissional, de tarefas complexas.
 
          Em tese, poderá haver pleito de algum servidor, no desiderato da acumulação de cargos dentro da saúde pública do Estado, de querer exercer ao mesmo tempo um cargo de formação de nível médio (auxiliar de enfermagem), como outro de formação de nível superior (enfermeiro), o que dentro do espírito de equipe, cuja estratificação hierárquica é secularmente recepcionada pelos sistemas de saúde, quer público, quer particular, seria de tal desnível técnico, que o servidor, na realidade nunca desempenharia as funções de auxiliar de enfermagem, nem tampouco no seu ambiente de trabalho lhe dispensariam o tratamento diverso ao de enfermeiro, dado o respeito a sua formação universitária.
 
          Na realidade, seria um servidor que, dentro do serviço público, nunca desceria do nível hierárquico de enfermeiro ao desempenho de outras tarefas de execução simples ou repetitivas, ou aceitaria a contribuição de mais singeleza, própria ao subalterno. O outro cargo de auxiliar de enfermagem somente serviria para lhe acrescer uma verba extra ao final do mês, como seja, a acumulação de cargos seria de fins apenas especulativos.
 
           A propósito desta estratificação hierárquica, os papeis dos agentes de enfermagem encontram perfeita regulamentação na Lei nº 7.498/86 e demais normas do Conselho Federal de Enfermagem, donde se abstrai, quanto ao auxiliar e o enfermeiro, embora afins, grande desnível e incompatibilidade técnica no concomitante exercício.
 
             Em conclusivo, inobstante a EC 034/2001 ao permitir a acumulação de cargos aos profissionais de saúde, ter se reportanto apenas a condição de que fossem profissões regulamentadas, o preceito não pode ser visto, assim, em tabula rasa, sem o devido cotejamento com a legislação infraconstitucional e demais normas regulamentares e, ainda, sem a observancia de outros elementos extrajurídicos, proprios a taxionomia da boa técnica da enfermagem.
 
          Numa análise mais centrada nos termos da Lei nº 7.498/86, que regulamenta o exercício da enfermagem, acerca da acumulação em comento, em nada haveria o que se questionar, por exemplo, quanto ao detentor de um cargo de enfermeiro ocupar outro de enfermeiro ou, um técnico de enfermagem ocupar outro de técnico de enfermagem. Eis que se trata de mesmo nível de formação e de mesmo patamar de responsabilidade dentro da equipe, portanto, a acumulação de cargos acasalaria, sem nenhuma impropriedade hierarquica.
 
          Até mesmo, seria sem complexidade a hipótese de acumulo de um cargo de enfermeiro com outros, de área distinta, tais como de fisioterapeuta, nutricionista ou farmacêutico, todos de formação universitária e sem vínculo de submissão de um para outro.
 
          Diante destas contradições, a solução haverá de advir de lege ferenda, com a devida regulamentação do art. 37, inciso XVI da Carta Política da República, quando lei a ser elaborada haverá de descer aos pormenores da questão e trazer a devida disciplina. Da forma como o ordenamento se encontra, existem limitações de ordem hierárquicas ao acumulo de cargos dentro da saúde publica.
 
FIM