DA VOCAÇÃO DE SER MÉDICO
 
                                     Sérgio Martins Pandolfo*


    “Sirva à Medicina por verdadeiro amor a ela e aos doentes. Então, vocacionado, creia na Medicina. Ela é maravilhosa nos seus propósitos e grande nas suas possibilidades. Não há arte que a sobre-exceda. É divina, vem dos céus. F.F.”

     Esta vinheta - encimada com a assinatura de um ilustre colega que já se foi -, à feição de ex-líbris aposta em um compêndio de cirurgia pertencente a esse pranteado seguidor da doutrina de Esculápio, com o qual depois me presenteou resume, à inteireza, tudo o que penso sobre a sublime arte de curar, conquanto desconheça a autoria de tão belo quanto veraz pensamento.
     Nenhuma mais humana na prática do dia a dia. Nenhuma mais divina na obtenção da cura.
     Ser médico é de fato privilégio que a poucos contempla. Que outra ciência ou arte defere aos que a praticam a primazia de exercê-la sobre a matéria nobre, o corpo humano, animado pelo sopro divinal da vida?
     Tem sido assim desde o princípio. Por isso que só os realmente vocacionados para esse assim nobilitante quanto afanoso mister podem aperceber-se, de todo, da grandeza de seu exercício.
     Mais de vinte e quatro séculos são passados desde que Hipócrates fez ditar as regras deontológicas que norteiam a profissão médica e, no entanto, ainda se nos afiguram imperecíveis. O Juramento que nos impôs segue prevalecendo em todos os seus termos imperativos, garantindo a nobreza e dignidade de nosso ofício. E é ainda o pai da Medicina quem nos predica: “Breve é a vida e longa é a arte; a ocasião é fugaz; a experiência é enganosa, o julgamento é difícil”. Todas as facetas e falsetas da Medicina estão aí contempladas.
     O exercício da Medicina impõe, necessariamente, aos que a professam, dedicação, fidelidade, correção, retidão de caráter. Já o Código de Hamurabi - notável governante da Babilônia - circa 2000 antes de Cristo estabelecia a responsabilidade dos médicos frente a seus pacientes.
     Com o crescimento ciclópico da ciência, notadamente nas áreas da biologia, da bioquímica, da metodologia diagnóstica e das disponibilidades terapêuticas, mais e mais se faz indispensável essa entrega livre, espontânea, estreme, do médico à sua profissão, visando a um único objetivo: o bem-estar, a saúde do seu semelhante, da coletividade a que pertence.
     A dedicação à sua ciência e à sua arte, já o dissemos alhures e aqui o reforçamos, deve ser total, deliberada, e a educação continuada, a atualização permanente, a chama revivificadora desse envolvimento, a fim de que o benefício ao paciente seja o mais completo e universal possível. Esses os elementos basilares de tão enobrecedor quanto imprescindível apostolado profissional.
     Nesses mais de quatro décadas e meia de abnegado e permanente idílio com a “doce Senhora” (a Medicina) pude bem aquilatar o quanto é ela exigente, impositiva, exclusivista, tirana às vezes, de tal sorte que, se não a amarmos deveras, logo virá, inexorável e frustrante, a desilusão – como nas uniões inverdadeiras!-, que culminará, mais cedo ou mais tarde, com traumática ruptura.
     Esse o cariz primordial que faz da Medicina uma profissão diferente, superior!

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 08/01/2010
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T2018030
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