É FÁCIL CONSUMIR O ÓBVIO

Escreve-me uma poetisa com alma de gauchismo nativista, com livro publicado na década de 80, e professora aposentada de português, na rede estadual de ensino, no RS:

“----- Original Message -----

From: "Recanto das Letras" <recantodasletras@recantodasletras.com.br>

To: "Joaquim Moncks" <joaquimmoncks@gmail.com>

Sent: Saturday, April 24, 2010 1:38 PM

Subject: Contato de visitante

Assunto: Uma certa carta

Nome: Marilene Machado (Xirua)

IP: 201.89.140.155

Mensagem:

Como leio tudo o que escreves, li esta carta que endereçaste a um poeta. Não seria bom deixar que falassem de amor pensando fazerem versos? Não és exigente demais com neófitos, pseudos e versejadores? Pior é não escrever. Adoro, respeito tudo o que dizes e como te comportas, mas sinto que tuas palavras são para poetas, como um dia escreveste a Sandra Santos no seu poema BEAT. Os outros, muitos nem merecem consideração, mas deixa que falem de amor como sabem, ou não, afinal estão falando apenas de amor... Beijos.

Amiga Xirua!

Tenho tanto respeito e veneração pela Poesia que não consigo ficar calado quando alguém escreve versos – que não são versos – e, sim, apenas prosa em sua linguagem linear, em frases, mera imitação de linguagem poética, como se o fora... Há tanta baboseira andando por aí, na net e no papel, que, aos sessenta e quatro, já não mais aguento ficar calado.

E o pior é que estas peças arquitetônicas de dulçurosos textos fazem com que os jovens não vislumbrem, não tenham uma pista para identificar a linguagem poética e acabem por não criar amor pela verdadeira Poesia – em sua proposta metafórica, codificada, portanto – sequer aprendam a pensar com a utilização das figuras de linguagem.

Ou até se afastem da verdadeira Poesia por achá-la difícil. É muito mais fácil ler o óbvio e não pensar, porque, ao se praticar esse exercício não dá trabalho, sequer algum desgaste físico. Somente se acaçapam neurônios por falta de uso...

E são essas pessoas que acabam se intitulando “poetas”, nos sites de relacionamento, vindo a publicar textos que, a rigor, nunca passam perto do que é Poesia como gênero literário.

E o que é pior, induzem ao erro os jovens autores que têm vontade de escrever em Poesia... Estes, ao verem encômios, loas e louvações aos “recadinhos de amor”, tão contumazes na Grande Rede, passam a tê-los como modelário. E que falso modelo. Fico todo eriçado quando vejo que estão a dizer abobrinhas, no caso, já em forma de geleia...

Recebo bem o “recadinho amoroso” como peça palatável. Alguns são bonitos, caem bem aos olhos e ao coração. Porém, não deixam de apenas rememorar os antigos “bilhetinhos” de quermesses ou circos de diversão de nossa infância e juventude.

Faziam parte dos jogos do amar, que se instauravam ao tempo das descobertas do sexo. À impossibilidade de os tatuarmos na pele da(o) Amado(a), porque ainda não se conseguia chegar ao ato, ficavam as garatujas desejosas que, para alguns, era difícil saber como escrevê-las para lograr atingir o alvo...

Porém, ao topar com autores na faixa da maturidade repetindo os desgastados “bilhetes docinhos”, parece-me que chegam a destempo...

Há outra objeção formal. “Recados de amor” não se os deve escrever em versos, e, sim, em frases, como qualquer outra escrita em Prosa. Com versos se constroi o poema. E que bom que este contenha Poesia...

É claro que escrever bilhetes amorosos – com farta utilização de palavras de amor – é um ótimo exercício do Bem, num mundo em que o Mal ganha, a tempo e tempo, mais e mais espaços. É só observar as manchetes dos jornais diários, em suas muito lidas páginas de Polícia...

No Recanto das Letras – site para escritores de todos os níveis de conhecimento e afetividade para com a Palavra – é necessário, a meu ver, que se aponte o que é um bom espécime em Poesia. Alguns desses chegarão ao poema. A maioria continuará escrevendo seus bilhetes amorosos...

– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/3118922