O ESPERMOGRAMA

Ano de mil novecentos e noventa e dois.

Estava casado havia quatro anos e após duas gravidezes frustradas resolvemos, eu e minha esposa, procurar alguém que pudesse nos explicar os motivos das gestações mal sucedidas.

Sempre no terceiro mês, minha esposa sofria um abortamento natural e nós queríamos saber o porquê disso.

Foi aí que chegamos, através de indicação de amigos, a uma clínica especializada em reprodução humana, no Centro do Rio.

Marcamos uma consulta e fomos até lá.

Doutor Joselmo, lembro bem deste nome, escutou atentamente todas as nossas lamentações e sugeriu que começássemos “do zero”, como se aquela fosse a primeira consulta com o intuito de termos um filho. Assim, solicitou a minha esposa alguns exames específicos e para mim um único: o espermograma, já que tínhamos todos aqueles outros exames corriqueiros em dia.

Os exames da minha esposa seriam feitos na própria clínica e o meu, a pedido do médico, em um laboratório pelo qual ele guardava extrema confiança, localizado na Tijuca, bairro da zona norte do Rio e que ficava bem próximo de onde morávamos.

Como era cedo ainda ao sairmos da consulta, ficou resolvido que minha esposa seguiria para casa e eu iria até o laboratório, pois havia a necessidade de preencher um formulário qualquer para que eu pudesse fazer o tal espermograma, além de marcar o dia do exame.

Fui então até o laboratório. Ao chegar, pude observar um ambiente confortabilíssimo, pintado com cores suaves e música ambiente e para minha imensa alegria estava completamente vazio, mas existia explicação para isso: os exames em geral são entregues ou requisitados sempre na parte da manhã e a tarde o laboratório ficava, de fato, quase que “às moscas”.

Dirigi-me até o balcão e escolhi dentre as cinco recepcionistas que lá estavam, a que parecia mais disposta a atender alguém aquela hora.

Cumprimentei a moça e dei-lhe o receituário médico solicitando o exame. Imediatamente ela foi preenchendo um formulário e enquanto ela escrevia lembrei-me de fazer uma pergunta:

- Vocês fornecem recipiente para que possa colher o material?

- Fornecemos sim. O bairro onde você mora fica longe da Tijuca?

- São Cristóvão, distante daqui não mais que vinte ou trinta minutos, respondi.

- Então não precisará levar o recipiente para o exame. Devido a distância entre a sua residência e o laboratório e com esse tempo de deslocamento que você me informou, o exame terá que ser feito aqui.

Aquela resposta me causou algum trauma de imediato e eu, com aquela cara de quem não entendeu ou entendeu, mas não quis acreditar, olhei para trás de mim, para aquela sala vazia com algumas poltronas e uma mesinha de centro e disparei contra ela:

- Olhe senhorita, nesses assuntos que envolvem direta ou indiretamente sexo, explícito ou não, eu sou muitíssimo reservado e discreto, mais do que dois para mim, sempre foi considerado como multidão. Além disso, não há a menor possibilidade de que eu faça isso aqui, ainda mais calculando que o exame provavelmente será marcado pela manhã, quando evidentemente esta sala estará repleta de pessoas.

Ela imediatamente transformou o sorriso de antes numa fisionomia nada amistosa. Acho que entendeu aquilo como uma cantada indecorosa talvez e nem de longe percebeu, que eu estava na verdade, tendo uma “ejaculação precocemente nervosa” pelo simples fato de ficar imaginando-me ali, naquele ambiente e que a essa altura, já me parecia horrendo e nem de longe lembrava algo agradável.

- Temos acomodações próprias para que você possa colher o material para o exame.

- Hum... Murmurei, imaginando o que seriam “acomodações próprias”. Talvez uma sala onde eu pudesse assistir filmes pornôs, ou quem sabe até, com ajudantes femininas, precariamente vestidas para auxiliar o “serviço”. Mas deixei para tirar essa dúvida quando da hora do exame.

Recebi das mãos da moça o formulário preenchido com data e hora para o exame: dia seguinte às sete horas da manhã. Tinha sentido aquilo. Pela manhã nós homens, costumamos acordar com certas “palpitações positivas” e que são extremamente úteis em casos como aquele, “um meio caminho andado” eu diria.

Voltei para casa, mas não sem antes dar um “reforço no caixa”: comprei numa dessas lojas de produtos naturais, um pacotinho de guaraná em pó para fazer um “refresquinho” antes de dormir, apenas por precaução ou para simplesmente aumentar consideravelmente as tais palpitações positivas.E foi por precaução, também, que pedi a esposa que não dormisse muito perto de mim naquela noite. Todo cuidado era pouco. Era absolutamente prudente guardar qualquer reserva para o exame.

No dia seguinte as seis e meia da manhã, eu estava acabando de sair do elevador no andar onde ficava o laboratório.

Quando abri a porta levei o primeiro cruzado de direita do dia: aquela salinha tranqüila, vazia, às moscas, dera lugar a uma coisa que eu comparei com uma bilheteria do Maracanã em dia de Fla-Flu decisivo. Não contei exatamente quantas pessoas estavam naquela sala, mas seguramente era um número muito maior do que na verdade cabia ali dentro.

Aquelas cinco atendentes que conversavam tranquilamente na véspera, deram lugar a cinco máquinas de preencherem formulários, distribuírem frascos de exames, entregarem resultados.

Entrei numa das filas e ao chegar a minha vez, silenciosamente, quase que como um sussurro disse à recepcionista:

- Bom dia, eu vim fazer este exame. E coloquei o formulário que recebera no dia anterior em cima do balcão.

Um segundo cruzado, desta vez de esquerda novamente atingiu-me. A mocinha vira-se para um cidadão que estava também dentro do balcão e num tom de voz até razoável, mas que dentro daquela sala repleta era quase o som de um berrante sertanejo, solicita:

- Fulano, traga, por favor, um recipiente para exame de espermograma!

Deu-se início então, a um processo de encolhimento meu. E fui encolhendo tanto, mas tanto, que eu tinha a nítida impressão que não era mais preciso “despejar” material para o exame. Eu mesmo por inteiro me enfiaria dentro do tal recipiente e seria levado ao local onde se realizaria a análise da coisa.

Discretamente olhei para trás e só aí percebi que todas aquelas setecentas e noventa e cinco mil pessoas que estavam ali naquela sala estavam de olhos fixos em mim. Devagar, do mesmo jeito que tinha olhado para trás, voltei para a recepcionista:

- A senhorita tem um timbre de voz forte, não é mesmo?

Ela não entendeu, também não importava mais.

O tal sujeito que foi pegar o recipiente, apareceu novamente e fez um sinal para que eu o acompanhasse. Foi aí que descobri mais salas no laboratório, igualmente cheias.

No caminho até as “instalações próprias” ele me entrega um pote.

Acreditem, era um pote de vidro, desses de maionese de 500 gramas que vendem nos supermercados e imediatamente me ocorreu de perguntar, já num estado entre apavorado, desesperado e incrédulo:

- Escute, eu tenho que encher isso aqui? E antes que você me responda, uma segunda pergunta: quantos anos eu posso ficar neste laboratório? Porque eu tenho certeza de que se eu tiver que encher isso, você não viverá para ver e possivelmente nem eu. Ao final de alguns anos, o meu esqueleto estará neste laboratório, segurando um maldito pote de maionese com um cartaz em cima dizendo: eu tentei!

As vibrações positivas que me acompanharam desde quando acordei até eu ver aquele infeliz pote de maionese, deram lugar a uma coisa que até hoje não defino. Era algo entre um pudim de leite condensado e um mousse.

- Não meu amigo, evidente que não. Respondeu ele.

- Mas e pra que então um pote desse tamanho, com essa boca?

- Para seu próprio conforto meu amigo.

Olhei bem para ele e tive uma enorme vontade de dizer que definitivamente ele não sabia os lugares por onde costumeiramente passávamos nós, eu e “ele”. Mas resolvi não falar coisa alguma. Mas aquele pote poderia ser menor e bem mais estreito. Aquilo ali, sendo menor, podia ser até mesmo uma ajuda, quem sabe, na hora “H”.

Chegamos, enfim, às tais instalações e descobri que nada mais eram do que um “banheirinho” comum, no meio de uma sala que estava, para variar, lotada. Dezenas de senhoras e senhores a espera de serem chamadas para colher sangue.

Imagine vocês, um cidadão numa sala repleta de pessoas de idade avançada, com um pote de maionese nas mãos e entrando num banheiro. O que estariam pensando aquelas pessoas afinal?

Ouvi os primeiros cochichos:

- Deve ser exame de fezes e naturalmente, ele não deve estar se sentindo bem, talvez um desarranjo intestinal, sei lá. Só não sei se ele vai colher do vaso ou vai sentar diretamente no pote.

O segundo foi bem mais animador:

- Que nada, deve ser aqueles exames que os homens fazem para saber se podem ou não ter filhos. E naturalmente, ele pode ser um super dotado e precisa de um “potão”, quem sabe?

Finalmente esbocei o primeiro sorriso desde que havia chegado naquele laboratório, curtíssimo por sinal. É que o segundo comentário veio de uma senhora que estava sentada justamente ao lado da porta do banheiro onde eu ficaria instalado e a porta do banheiro era aquela antiga, de madeira, com venezianas no meio dela, ou seja, “quem está dentro vê quem está fora mas quem está fora não vê quem está dentro”, em compensação “quem está dentro ouve quem está fora e quem está fora também ouve quem está dentro”.

Caminhei os passos mais lentos de toda minha vida até aquela porta miserável.

Entrei e fui tirando a calça que já parecia manequim trinta e seis, numa cintura duzentos e trinta e seis e com extremo cuidado para que a fivela do cinto não esbarrasse no chão e o “quem está dentro ouve quem está fora, mas em compensação quem está fora também ouve quem está dentro” começasse a funcionar, despertando pensamentos libidinosos naquelas respeitáveis senhoras.

Era preciso concentração!

Lembro bem, que a imagem mais erótica que me veio à mente foi a daquela senhora na porta e eu não teria a menor coragem de fazer sexo com ela, até porque, de gerontófilo eu não tenho absolutamente nada.

Embora creia em pouquíssimas coisas nesta vida, lembro perfeitamente de ter pedido a Deus que viessem à cabeça imagens daquelas mulheres que enfeitiçavam a mente de nós homens nos anos noventa: Feiticeira, Tiazinha, Carla Perez e até a Hebe Camargo já quebrava um galho. Ou quem sabe, como num desses fabulosos filmes de ficção científica eu pudesse ser teletransportado para o futuro, mas precisamente ao dia vinte e oito de outubro deste ano e surgisse sentado na primeira fila do show da esplendorosa Dita Von Teese, aquela streeper com “silhueta de ampulheta” e aí vocês iam ver como aquele vidro enorme e ridículo de maionese ia parecer uma minúscula latinha de Vick Vaporub.

Deus não faria isso, eu sei. Era uma solicitação extrema e completamente fora de sua alçada. Atender um pedido desses colocaria toda a integridade divina sob sérias desconfianças.

O tempo passava e eu estava ali há uns vinte minutos e com os olhos atentos a veneziana e “como quem está dentro ouve quem está fora e quem está fora também ouve quem está dentro” pude escutar outro cochicho e esse foi como “uma punhalada na cabeça”. Vocês entenderam, eu sei que entenderam.

O cochicho veio daquela mesma senhora sentada ao lado da porta e que eu já estava admitindo a gerontofilia como algo normal, corriqueiro, nada demais, tudo por causa dela e daquela língua maravilhosamente nefasta:

-“Meu marido sofreu a vida inteira de ejaculação precoce. Quem dera que o finado fosse como esse que está aí...”

Aquilo foi a gota de esperma, perdão, a gota d’agua que faltava.

Elevei minhas preces novamente aos céus e se Deus não pode atender o meu pedido, na certa deve tê-lo entregue ao Diabo, penalizado que estava por ver um filho seu diante daquela situação absurda.

Como num passe de mágica, como fosse a visão de um oásis em pleno deserto, eis que surge triunfante na minha cabeça, Gretchen, dançando freneticamente ao som que só eu escutava, Conga,Conga,Conga!

Para quem sonhou com Tiazinha, Feiticeira e até mesmo a Dita Von Tesse, a Gretchen, se não era uma churrascaria rodízio, pelo menos era um sanduíche de mortadela no capricho com guaraná geladinho.

Estabeleceu-se, enfim, o pandemônio dentro daquele minúsculo banheiro. O tão necessário orgasmo dava demonstração de que estava a caminho, mas não sem antes reservar para mim o último cruzado do dia: era fundamental não dar nenhuma demonstração de descontrole, afinal “quem está dentro ouve quem está fora, mas em compensação quem está fora também ouve quem está dentro”. Foi aí que pensei até que ponto chega um homem no seu maiúsculo desejo de ser pai: trancado num banheiro, olhos divididos entre o mirar a boca do pote e a atenção naquelas velhinhas pela veneziana, uma das mãos ocupadas, óbvio, em silêncio absoluto e ainda tendo que controlar um pote de maionese de 500 gramas de vidro que em hipótese nenhuma poderia cair.

Mas o pior mesmo era ficar calado diante da frenética Gretchen. Ainda pensei em puxar a descarga e com o barulho da enxurrada d’agua vaso a baixo poder extravasar o meu prazer. Mas Deus só concedeu-me duas mãos e que aquela altura, ocupadíssimas, não dava a menor chance de eu tramar algo mais elaborado estrategicamente falando. Achei mesmo uma economia desnecessária do Criador, afinal, se uma é pouco e duas são boas, três mãos eram definitivamente excepcionais naquele momento.

Mas eu consegui.

Saí do recinto. Suado, acabado, mas vitorioso!

Não olhei para ninguém na sala. Entreguei o pote com aquela coisa cheirando à água sanitária lá no fundo ao cidadão responsável e caí fora dali.

Cheguei naquele laboratório com exatos trinta e três anos e a impressão é que estava saindo com sessenta, no mínimo.

Dias depois voltei lá para pegar o resultado e acompanhado por minha esposa, levei ao médico.

Ele abriu o envelope, leu aquilo tudo que estava escrito em míseros dez segundos, se tanto, e com um sorriso no rosto me disse:

-Parabéns, seu exame está perfeito!

Ele não ouviu, é certo, mas dentro de mim um coro de várias vozes gritou intensamente: maldito!