Casa de Areia e Névoa


O nome alude ao que é frágil , a efemeridade dos castelos de areia, a névoa que turva a visão e, na verdade, a força dessa estória e desses personagens, em essência, esta na própria vulnerabilidade imantada por essa metáfora, mostrando o quão frágil é a vida, nossas convicções, conceitos, pré_conceitos que podem se desmoronar num simples piscar de olhos quando as ondas arrebentam mais fortes.
O filme, longa-metragem de estréia do russo (radicado nos Estados Unidos) Vadim Perelman  é uma adaptação de um best seller de Anfre Dubus e não é de se admirar que, acima de tudo, o roteiro e a bela narrativa são um atrativo fascinante para qualquer escritor. Se a estória é fruto de uma obra literária, a linguagem cinematográfica a traduziu com um fôlego perfeito. 


Kathy Nicolo (Jennifer Connelly) por sinal, lindíssima no filme, é uma jovem recém divorciada e solitária que se vê expulsa de sua própria casa devido a uma série de erros administrativos. A casa em questão, herdada pelo pai, funciona como um ícone de reconstrução de sua vida, seu único bem, como um resgate de si mesma e de seus valores. Ela então, é notificada que a casa será leiloada e antes que possa esclarecer o equívoco o imóvel é comprado por um imigrante iraniano (Ben Kingsley) o ex- coronel Massoud Amir Behrani que instala-se com sua mulher e seu filho nos EUA em busca do velho sonho americano. Inconformada, Kathy irá se confrontar com Behrani tentando reaver sua casa, mas o velho militar se recusa categoricamente, alegando que tudo que fez, foi por vias legais. Kathy, passando por sérios problemas econômicos, desestruturada psicologicamente, começará um mergulho sombrio e perigoso no álcool e na depressão, evocando, mais uma vez, a bruma muito perto de um abismo. O policial Lester (Ron Eldard), tenta ajuda-la e acaba por se envolver com a jovem e sua trágica estória. 


A beleza desses protagonistas e a narrativa que vai tecendo esse drama, reside no primor magnífico de nunca cair no maniqueísmo, tanto que o espectador mergulhará no fundo de um julgamento moral insolúvel. Se por um lado, Kathy com um passado de derrotas, abandonada pelo marido e pela família possui apenas essa casa, única herança de seu pai, por outro lado o coronel Behrani, homem autoritário e decidido, trabalha duro para sustentar sua família, tentando retomar a qualidade de vida que tinha sob reinado do déspota iraniano. Caracterizado por um homem estóico e obstinado, aos poucos percebemos que ele não é cruel, pelo contrário, às vezes seus valores parecem mais vívidos do que os nossos. Kathy e Behrani, embora vindos de culturas totalmente diferentes, estigmatizam os exclusos da sociedade americana e quando tudo parece se opor a esses dois universos, é exatamente quando os mesmos se chocam e encontram-se selados num combate pela honra e reabilitação de seus passados. Ambos projetarão esperanças e frustrações comuns, o que acabará por aproxima-los inexoravelmente. Suspense, tensão, e um final surpreendente e dramático, mas nem por isso inverossímil, constroem essa obra de intretenimento, numa estória tocante, que se desenvolve bem longe das convenções hollywoodianas. O espectador é levado a refletir sobre questões que se colocam além do bem e do mal pois, nem Kathy nem Massoud possuem a verdade. Não há mocinhos nem bandidos, mas apenas dois seres humanos que reinvidicam seus direitos de viver uma vida mais digna, simbolizada pela casa, fonte do conflito.
Num jogo de contrários, o espectador é levado a colocar todos os rótulos possíveis e imagináveis já pré-existentes nos personagens : A bela Kathy, desprotegida e injustiçada, um imigrante iraniano nos Estados Unidos, já, de cara suspeito, seguido de outro velho clichê: o policial americano bonzinho. Todas essas máscaras irão cair para nos fazer mergulhar numa complexidade muito maior.
A metáfora do título cai como uma luva nesse filme em que a névoa dos preconceitos, fantasias e frustrações, fazem nossos julgamentos e castelos de areia desmancharem ao vento. Ben Kingsley, mais uma vez, está magnífico nesse papel mostrando diferentes facetas em um só homem - conflituado, humanizado e real. Destaque também para o papel de Shohreh Aghdashloo, como esposa do ex-militar, uma mulher frágil, mas também dotada de uma força e docilidade tocantes. Esta envolve-se com o drama de Kathe, ao mesmo tempo em que vive o conflito de sua própria família, temendo a deportação desta que resultaria na morte de todos, uma vez que são perseguidos no Irã. 
 

Vale a pena assistir e checar até que ponto, ainda somos presas de maniqueísmos, até onde podemos chegar, encastelados em nossas visões de mundo, criando muros, guerras e fronteiras em nome de convicções e credos, muitas vezes distorcidos, para fins imediatistas e materiais que desumanizam essa complexa beleza que é "ser humano".

A trilha sonora criada por James Horner, surpreende com a sua busca de harmonias reforçada por um tom frio, uma vez que ele decidiu utilizar em grande parte, sintetizadores. A música adota um tom  impregnado de uma certa amargura, criando uma atmosfera psicologicamente sombria.

** Segue o link para assistir ao trailer com um pequeno hor d'euvre musical, quase minimalista:

www.dreamworks.com/houseofsandandfog/index2.html

Se o leitor apreciou esse trabalho, cheque também outra análise sobre o filme: Closer - Perto Demais: 

http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=6037



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Ana Valéria Sessa
Enviado por Ana Valéria Sessa em 02/09/2006
Reeditado em 29/06/2009
Código do texto: T231045
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