Terra natal/Mariana Ianelli. Vitória: Cousa, 2021.

Mariana Ianelli é uma poeta emergente da tradição da melhor poesia cristã, cujo expoente na Espanha foi Miguel de Unamuno, sendo o expoente brasileiro dessa linhagem de poetas, no Brasil, salvo melhor juízo, Jorge de Lima, com seu magnífico livro Invenção de Orfeu.

Leitor da poeta, li seus livros Fazer silêncio, Almádena, Treva Alvorada, O amor e depois. Condição que me permite inserir seu último livro lançado: Terra Natal, dentro do tempo e do espaço. Se em Fazer silêncio ela dá ao leitor uma paz que o permite a comunhão com o mundo, em Almádena, menos por ser cruel, ela dá o tom da mão pesada de deus (escrevo deus com minúscula porque é como a autora, humildemente, usa o nome de Cristo não em vão), por meio das suas próprias mãos sobre, sobre a dimensão toda trágica do pecado, algo que enseja ao leitor pecador uma culpa enorme sobre os seus desvios e desvãos, permitindo-o conversar com deus. Enquanto em Treva Alvorada, o encontro da luz com a sombra permite àquele leitor sensível a escuridão atinente ao sonho tranquilo e bom do homem justo.

Cabe, porém, antes de falar sobre o livro Terra Natal, de Mariana Ianelli, nos remetermos ao Willian Blake autor do livro O casamento do céu e do inferno e a Clive Stapes Lewis (C.S. Lewis) autor do livro O Grande divórcio, em cujo prefácio do livro, de autoria do próprio Lewis, está escrito o seguinte:

“Blake escreveu O casamento do céu e do inferno; se eu escrevi sobre o seu divórcio, não é por me considerar antagonista à altura de tão grande gênio nem por ter absoluta certeza do que Blake queria dizer. De certa forma, porém, a tentativa de realizar esse casamento é perene, baseada na crença de que a realidade nunca nos apresenta absolutos inevitáveis de “uma coisa ou outra”; de que, com habilidade, paciência e (acima de tudo) tempo suficientes, uma forma de abranger ambas as alternativas sempre pode ser encontrada; de que meros desenvolvimentos, ajustes ou refinamentos de alguma forma transformarão o mal em bem, sem que, necessariamente, sejamos chamados a uma rejeição total e completa de qualquer coisa que desejemos conservar.”. (1)

Creio que a poesia da autora tenha muito mais a ver com a perspectiva de C.S. Lewis do que pela dada por William Blake em seu monumentoso poema O casamento do céu e do inferno, no mesmo prefácio Lewis diz:

“O mal pode ser desfeito, mas não se “transformar” em bem.”. (2)

Em seu livro O amor e depois, Ianelli nos toca com a sensualidade do amor prenhe de afetos fazendo nascerem os gestos, no livro, a autora alcança píncaros de beleza só alcançados antes por Marly de Oliveira, poeta capixaba, cristã, e, portanto, mística como a autora do livro Terra Natal.

Em seus livros anteriores, Ianelli nunca deixou de celebrar A Sagrada Família. Em Terra natal a autora celebra a existência da filha, e se em O Amor e depois há a celebração do amor, Terra natal pode ser a compreensão do depois! Ou do que nasce da vivência do amor.

Entretanto, optaremos, não por analisar poema relacionado ao amor maternal, e, sim, o poema Amigo, no qual há a perspectiva do grande divórcio do mal e do bem; vejamo-lo:

Com que espuma estrelada

Levantamos esta ponte

Com quantas mil filigranas

De ternura

Com que fé à paisana

Prenhe de Oceanos e poemas

Sustentaremos esse sonho

De arquitetura

Com que verdade

De aroma mensageiro

De goiabas verdes e lavanda

Com que alegria de criança

Tão completamente honesta

E suja de lama.

Poema no qual a espuma estrelada pode ser a metafísica da fé como contrapartida ao homem telúrico, incapaz de fazer o divórcio do bem com o mal, lama, que conspurca a alegria honesta da criança. No qual a fé à paisana é o repúdio à violência cotidiana existente no Brasil hodierno, onde o cinismo campeia fingindo ser trigo, mesmo sendo o mais escancarado joio.

Lembremos que a pureza da poesia cristã de Miguel de Unamuno era adorada por muitas famílias apoiadoras do fascismo na Espanha, à época da Guerra Civil Espanhola, ao usar à fé à paisana como metáfora, Ianelli repudia com um asco justo a lama misturada ao sangue. Não correndo o mesmo risco de Unamuno, cuja poesia foi cooptada pelo fascismo em prol duma “pureza” malévola. Na qual o mal pregava o bem, hipocritamente. Embora Unamuno nunca tenha sido fascista.

Belo livro, em que a fé sabe se colocar contra o autoritarismo.

1) Lewis, C. S. O grande divórcio. Pág. 13 / C.S. Lewis, tradução de Elissamai Bauleo. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020.

2) Lewis, C. S. O grande divórcio. Pág. 14 / C.S. Lewis, tradução de Elissamai Bauleo. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 07/03/2021
Código do texto: T7200868
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