O MUNDINHO DA ESCOLA

Um artigo meu, bem recente, sob o título AS MAZELAS DA ESCOLA CONTRA CULTURA recebeu uma crítica equivocada. A professora que a fez, entendeu que se tratasse de um desabafo em razão do comportamento do aluno dentro da sala de aula: desrespeito, agressividade, falta de disciplina etc. Por isso, argumentou sobre a falta de parceria da família que passou a delegar todas as atribuições educativas à escola. Falou do abandono, a distância ou a frieza dos pais. Tudo correto, se as observações do meu texto estivessem mesmo dentro desse contexto.

Falei especificamente do que ocorre dentro da escola. Do medo que a escola (especialmente no que tange os diretores e orientações) ainda sente, de permitir que os eventos culturais extra-didáticos adentrem as dependências das unidades. Desse pavor que os educadores têm dos livros não obrigatórios (didáticos e paradidáticos velada e previamente censurados). Da cegueira e a superstição dos educadores que veem nas manifestações folclóricas mais genuínas e profundas o que chamam de bruxaria, e por isso as limitam ao vestuário, à gastronomia e ao artesanato. Sempre com os devidos cuidados para que nada fira suas convicções (ou inseguranças) religiosas.

Onde estão, por exemplo, os estudos, projetos e aplicações referentes à lei nº 10.639/2003, especialmente no que se refere a conhecer a história do Brasil contada sob a perspectiva do negro, com exemplos na política, na economia e na sociedade em geral? As escolas fazem, sim, eventos isolados, estritamente pedagógicos, com o cuidado de "pular" qualquer aspecto que aborde a religiosidade. Têm meda da "macumba". Não conseguem entender que ignorando a religiosidade, abafaremos o que há de mais forte e significativo na cultura africana, o que nos fará entender bem pouco da imensa riqueza que temos a explorar. Sendo Assim, mais uma vez ficamos restritos à culinária, o vestuário, algumas apresentações de capoeira e nada mais.

Acreditem se quiserem, mas trabalhei numa escola de curso normal, tão tacanha, que certo dia convidei um grupo bastante conhecido em minha região, para fazer uma apresentação de maculelê (em sua origem uma arte marcial armada, mas atualmente, uma forma de dança que simula uma luta tribal usando como arma dois bastões com os quais os participantes desferem e aparam golpes ao ritmo de música), e a diretora me chamou, apavorada, dizendo que não queria saber de "macumba lelê" na "sua escola". Não aceitei, fui e frente, mas doravante a nossa relação ficou tão desgastada, que acabei ficando sem ambiente e me transferindo no ano seguinte.

Foi a esse tipo de escola que me referi no artigo em questão. Escolas que só querem formar profissionais; mão-de-obra; da mesma forma, criar ovelhas passivas diante das mazelas políticas, e obedientes a líderes religiosos, façam e digam, esses líderes, o que quer que seja.

Quero ainda dizer à professora ofendida, que os nossos jovens estão mesmo, como ela disse, rebelados contra o abandono e o descaso da família, mas também contra a falta de preparo dos professores (e eu devo ser um desses professores), diante do mundo globalizado, que misturou as culturas e exige um entendimento muito mais amplo do que o pedagógico.

Mais ainda: se escola existe, mesmo existindo a família, isto quer dizer que nos preparamos para prover os nossos jovens daquilo que a família não pode, porque não é sua especialidade. E os jovens, muitas vezes vão para a escola em busca de uma libertação social/cultural/religiosa que não acham em casa, mas encontram o mesmo sistema de canga, imposição e extrema hierarquia. Posso dizer por fim, que neste caso, escola e família se unem. Por que então não se unem em nome da libertação, da expansão de ideias e culturas, do entendimento e da paz verdadeira, não obrigatória, entre as diferenças sociais, econômicas, culturais, étnicas e religiosas?

Acreditem, educadores: a mistura cultural dentro da escola; o acesso de livros diferentes, ainda que firam nossos princípios religiosos e conceituais, desde que não sejam apologias a crimes e pornografias, e a realização de feiras literárias constantemente oferecidas por editoras ou grupos de fora do nosso "mundinho" são essenciais na escola. E se somos professores, que tal se aceitássemos, de vez em quando, ser alunos de nossos alunos?

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 05/12/2012
Reeditado em 05/12/2012
Código do texto: T4020558
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