ACESOS PARA O MISTÉRIO

Mal o novato sabe que se vive e se gasta a vida tentando descobrir de onde provém o estado de alma que propõe o embrião do poema. E que estar no mundo a ponto de ver o verso consagrado é desafio... Reconhecimento que leva anos e anos, séculos até. Depois de incorporado à memória da humanidade, ainda assim o poema envelhecerá e poderá sobrevir a sua morte por esquecimento ou superação de propósitos na realidade fática. Ou até no espiritual, por cumprida a sua sina épica. Porque a vida dá muitos revoluteios, geração a geração, século a século, era a era. Chega-se, enfim, ao sobejo de que tudo – em termos de entendimento e compreensão – criatura a criatura, é fruto da contingência de estar bem ou mal disposto, no momento histórico. E da introjeção do conjunto de valores que nos rodeiam. Porém, uma coisa é perene: estarmos acesos para o mistério da criação. Depois, é a lápide memorial. Tudo se dará no povo eventualmente leitor ou cantor – boca a boca – e na rememoração das páginas críticas dos doutos, que farão chegar o mistério e suas possíveis chaves à histeria coletiva dos desesperados pelos significantes e significados. É o que as religiões fazem ao colocar a palavra do Salvador no mundo dos fatos, como se todos pudessem vir a compreender. Urge pôr em brasa a vela da Eternidade... Como se isso fosse possível.

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2010/11.

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