O DEDINHO DE DEUS

Minha paixão, meu melhor ato de amor tem sido a Poética, nos últimos 43 anos. Convivo com sua magia, com o seu mistério e me inquieta a falta de confraternidade, num mundo duro e despido de solidariedade, bem como me vêm aos olhos comportamentos egocêntricos, desumanos. Bebo o entorno do que vejo à volta e o universo das angústias existenciais obriga a pensar. Como num passe de mágica, exsurge em mim a verve inapelável da criação poética. Os alter egos fazem isto para me reconstruir frente ao mundo dos muros e paredes, como o antigo e decantado Muro de Berlim, com que os alemães pretenderam dividir vidas, suas fantasias e sonhos, materialmente criando a sombra da morte, ao tempo da Guerra Fria, que, felizmente, hoje está nas lápides do passado recente. Com o que tenho agora, palavra em ação lavrando o universo da sensibilidade – reconstruo-me de urgências e mitos. E deponho aos outros, em comunhão... O que proveio assim, em estado de pureza, não é mais meu, e, sim, o magma de que somos feitos, incandescido pela palavra poética. E a pedra bruta (que sou) começa a ser polida. Um engenho que produz a farinha para o pão cotidiano, aos pés da cruz do Cristo. Então, recolho o que a energia de todos produziu sobre o meu corpo, neste Dia de Corpus Christi. Depois da agonia, o êxtase...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/16.

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