FECUNDAÇÃO

Sou apenas um condenado ao pensar e a dizer o que penso... Assim, o poema exsurge pela contingência das antíteses postas ao olhar de perfil hegeliano, insatisfeito, instigante e desejoso de atos e coisas melhormente postos. Haverá nobreza e correção ao estar sempre em conflito com o que está no mundo carecendo de mudanças? Nos dias atuais, a experimentação poética me torna bem mais público do que o bastião político a que me dedicara há mais de 30 anos, na década de 80, quando se encerravam os chamados “anos de chumbo”. Motivava-me, então, o resgate do direito de expressão que a perspectiva da democracia trazia em sua vertente mudancista no mundo dos fatos. Porém, desde sempre os desafios nos planos social, político e econômico estão no dia a dia da nação brasileira. Há muito a vencer para que tenhamos a dignidade e a verdade como fiadoras da vontade dos governantes. Se bem que, ao criar a peça poética para vencer as adversidades, nela trabalho com o ficcional (o sonho, a farsa, a fantasia) e o desafio é que transpareçam verdades, a fim de que a credibilidade se instaure. Porém, continuo veraz e insolente como todos os idealistas: um Maiakovski passando fome, um Gregory Corso num reformatório juvenil ou um Garcia Lorca morrendo frente às balas do franquismo espanhol. Ainda bem que o contemporâneo talentoso me absolve com base no zelo para com a Palavra. Assim, pelo menos o sonho continua virgem, capaz de fecundar juízos bem ou mal havidos. O que importa, ao final, é o pensar para passar o tempo com alguma coisa útil ou simplesmente prazerosa. E novamente sonhar de que possa haver seguidores na dureza do mundo dos fatos...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/16.

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/5686510