A NOTORIEDADE PÚBLICA

A receptividade para com a obra de determinado escritor deverá estender-se para além do ‘post mortem’, ou seja, especialmente para aquele que foi cuidadoso com as suas publicações e bem alimentou o público leitor. A ocorrência do fato “morte” tornará definitiva a fixação de seus textos. Consequentemente, a sua obra torna-se formalmente imutável, devido ao término de sua passagem neste plano terreno. Enquanto vivo, a qualquer momento, o autor poderá rever concepções estéticas pontuais e adotar posições diferentes do que postulou, por vezes, durante grande parte de sua vida. A morte fixa e sela a edição genuína e derradeira de sua obra. Se não aconteceu o reconhecimento em vida, este dificilmente se dará de imediato, no post mortem. A não ser que fatos novos instiguem a crítica literária e a mídia a dar ao anônimo o seu lugar no 'panteão da fama’. No entanto, esta hipótese é raríssima. Um dos casos possíveis de ocorrer é a reabilitação de determinado escritor em seu país, cerceado durante os períodos de censura impostos pelos ditadores de plantão e sacramentados pela conivência do “establishment”, especialmente na América Latina. Acresça-se a isto o casuísmo dos desaparecimentos de filósofos, historiadores, literatos e os reiterados assassinatos em momentos de luta político-militar, nos quais é rasgada a norma constitucional asseguradora dos direitos subjetivos públicos de cidadania, especialmente o direito de expressão e correlatos, ocasiões em que tais aviltamentos produzem a figura do “mártir”. Desta sorte, propala-se feito um rastilho de pólvora o nome e a obra do escriba que se imolou em rasgos de entrega à causa por altruísmo e/ou o desejo de mudança na sociedade de que fez ou faz parte, em determinado momento da vida política de seu país. Historicamente, pode ter sido este o caso de Federico Garcia Lorca, granadino, poeta e dramaturgo morto pelas balas do franquismo em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola, via de consequência de seu obstinado nacionalismo andaluz, o que, historicamente me parece sobrepor-se à sua opção política pelo socialismo, de que foi acusado e alardeado ao mundo. Outra corrente, majoritária, afirma que Lorca de há muito havia optado pela proposta política assentada nos princípios do socialismo. Consta que, em 1934, já estava consolidado como o mais famoso poeta e dramaturgo espanhol vivo, segundo criteriosas fontes condensadas em livros e, contemporaneamente, pelo Google, na grande rede internética. Isto reforça a tese de que o sucesso e a alvissareira fama do bardo granadino ocorreram à revelia de sua morte prematura, aos 38 anos. No entanto, o enfrentamento da luta política que levou Garcia Lorca à execução, consolidou na opinião pública o mito da coragem e o compromisso histórico que os escritores, especialmente os poetas, têm para com o curso da vida e o consequente exercício da Liberdade, mesmo que o preço seja muito alto.

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017/18.

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