Ensino de Português:
Origens das práticas e necessidades dos alunos hoje

          Qualquer abordagem das necessidades atuais dos alunos que desconsiderasse a origem das práticas (das ações docentes, das disciplinas objetos de estudo, etc.), seria muito superficial, pois estas origens podem conter, entre outras coisas, indícios de problemas que ainda perduram.
               Após formada, a professora se depara com uma sala de aula repleta de alunos. Contudo, antes mesmo de vir a conhecer aqueles que seriam seus alunos, depara-se com essa realidade em seus estágios. Nota que há uma diferença enorme entre a realidade comentada e simulada na universidade e a da prática diária atual. Os métodos da professora com quem estagiara lembravam as velhas práticas do início do século passado, nas quais “as aulas direcionadas para o ensino da língua portuguesa dedicavam, em maior ou menor grau, parte expressiva do seu tempo a questões voltadas para a escrita correta, compreendida como a escrita que primava pela observância das regras da gramática normativa e da ortografia.” (MARCUSHI, 2010, p.3).

            É perfeitamente compreensível que seja assim, pois há uma tendência em se ensinar de acordo com o modo que foi aprendido. Contudo, tais práticas que outrora funcionaram (por haver uma clientela específica e outra conjuntura social) não têm funcionado mais. Há ainda relutância em modificar tais práticas, e para isso é preciso que a mentalidade mude, se adequando as demandas atuais de nossa sociedade. É digno de menção que  muitas práticas docentes em língua portuguesa sejam uma mescla do que absorvemos com nossos professores outrora e de nosso momento atual, o que não é nem o tradicional e nem o revolucionário contemporâneo projetado de forma exacerbada. Ainda ensinamos as normas ortográficas, contudo, em contextos diferentes, em exercícios com outra conjuntura, mas ainda somos “engessados” pela obrigatoriedade de trabalhar conteúdos específicos, pressupondo que estes sejam fundamentalmente importantes aos alunos, a ponto de comprometer seu aprendizado se não forem passados como se apresentam.
               Nas décadas de 60 e 70, conforme ilustra Marcushi (2010), o acesso da população a escola foi significativamente ampliado. Essa nova clientela, diversificada e menos favorecida, apresentava necessidades distintas e emergenciais para o país em tempos de efervescência, e o foco das diretrizes de ensino (LDB 5692-71) no que tange a língua materna, passou a recair sobre a “comunicação e a expressão”.

               Uma mudança do ensino, do propedêutico para o mais expressivo foi reflexo da conjuntura sócio-política da época, na qual os avanços industriais, econômicos e tecnológicos, tais como a propagação da TV, delineavam a sociedade e sua língua. Na década de 80 o ensino de língua portuguesa continuou mudando, pois estudos linguísticos remeteram a novas concepções de língua e de texto. A língua passava a ser tida como “um sistema que vai se constituindo e reconstituindo historicamente pela ação dos usuários, um sistema sensível ao contexto, plástico e flexível, que aceita e prevê variações, deslocamentos, inversões, ambigüidades, inovações (...) quando de sua utilização pelos falantes, nos processos de interação verbal.”(COSTA VAL, 1988, apud MARCUCHI, 2010). A redação daria lugar à “produção de texto”, processo que privilegiava o ato da escrita.

          Após a LDB 9394-96 mudanças significativas ocorreram, sinalizando as transformações sociais que temos enfrentado. Contudo, muitos professores ainda se vêem estagnados em suas práticas, sem que o dinamismo e a agilidade característicos de nossa época se incorporem ao ensino. Vivemos uma era tomada de informação, na qual os avanços se processam velozmente e onde a instabilidade de toda ordem é constante.

          Para cumprir sua função de formar cidadãos plenos, conscientes e autônomos, capazes de interagir com responsabilidade para a apropriação e transformação do que for preciso na sociedade, o ensino precisa adequar-se a essa era atual e ser essencialmente reflexivo. Nesta perspectiva, ensinar a língua deve ser oportunizar situações, orientar, instruir, refletir e acima de tudo, aprender. O aluno não precisa mais ser ensinado passivamente, isso nem é mais possível, pois temos agora seres ativos e interativos, que ensinam suas vivências e suas culturas nessa interação. É preciso, portanto, espaço para expressar e comunicar saberes em formação. Ao professor atual cabe aliar-se aos novos recursos tecnológicos, apropriando- se destes, dando folga ao velho par giz e lousa, mediando as relações para a formação das competências essenciais a nossa época. Hoje, no momento de redigir um texto, esperamos que os alunos saibam se fazer entender, que a capacidade de comunicar -excelência de qualquer língua- seja a mais valorizada, e que seu modo de escrever demonstre que ele saiba o que está dizendo ali. Não desejamos mais saber se o aluno utiliza as formas arcaicas da língua, se utiliza perfeitamente a próclise ou a ênclise. Isso não é mais essencial. Essa mudança de foco não significa que a gramática deva ser abolida, e sim que seja abordada sob outra perspectiva, para que ela venha a colaborar na tarefa do letramento e da formação de competências linguísticas nos jovens contemporâneos com suas múltiplas linguagens e significados. E que não mais o ensino da gramática e da língua portuguesa seja mero objeto de eloquência convencional, dentro de um ensino castrador, exclusivo e excludente.

               Nossa língua deve causar identificação. Ela não deve mais ser vista como limitadora, uniforme e pronta para ser tomada, e sim como ferramenta facilitadora e diversificada de incontáveis ações, sempre inacabada por ser dinâmica e poder se reconstruir sempre.
         Feitas estas colocações, vale ressaltar que é importante que os professores conheçam as origens das práticas pedagógicas que lhe competem para que, conhecendo sua trajetória, falhas e conquistas, possam entender e atender as necessidades de seu tempo, reconhecendo com mais discernimento os desafios que se impõem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
MARCUSCHI, Beth. Escrevendo na escola para a vida. In: E. O. RANGEL; R. H. R. ROJO (Orgs.) Língua Portuguesa no Ensino Fundamental de 9 anos e materiais didáticos. Coleção Explorando o Ensino. Brasília, DF: MEC/SEB, 2010.
RAZZINI, Marcia P. G. “História da Disciplina Português na Escola Secundária Brasileira”. Revista Tempos e Espaços em Educação. Universidade Federal de Sergipe, Núcleo de Pós-Graduação em Educação. v. 4, jan./jun. 2010, p. 43-58. ISSN: 1983-6597.