O PORQUÊ DAS COISAS

– Joaquim Moncks, o que é o espiritual? Que dimensão é esta, a do espiritual? Que mundo é esse? Estou perguntando porque nunca consigo entender bem isso. Onde está o espiritual?

A.E., pelo Facebook, em 20/05/2018.

É tudo muito simples e, ao mesmo tempo complexo, porque à mercê das concepções de cada vivente, humildemente respondo. Para mim, no momento em que estás questionando a tua dimensão de criatura posta no mundo, já estás acionando o intimismo espiritual, que é bem mais do que comer, beber e excretar. Somente através deste exercício é que o humano deixa de ser irracional, meramente instintivo. É muito bom que em ti (e por ti mesma) estejas sempre a perguntar pelo esconderijo perdido e fundeado em teu alter ego (mesmo que habitando dentro de ti, não é somente o teu espiritual, mas também ele, o outro) variegado, multifário, peculiar. Grato por tua imediata reflexão, exemplar digno e forte, um genuíno intertexto de lucidez enternecida, bem ao gosto da “condenação”, aquela agridoce com a qual os poetas convivem, por destinação originalíssima, e, em muitos casos, enlameados nos quintais do sentimento do mundo e o duro ofício de poetar sob a túnica inconsútil da inquietação, da angústia, do medo e da mentira; da farsa cotidiana, na singela e anacrônica vontade de vencer a hostilidade, o ócio, a impotência e o humanamente injusto, frente ao que está posto como verdade insopitável e invencível. Espiritual para muito além de si próprio, talvez dissesse o gênio poético da raça, o imortal Fernando Pessoa. Sua genialidade concebeu alçada e valor por primeiro à teoria dos alter egos – freudiana – e que soube lhes dar vida e até biografia (casos de Alberto Caieiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis), ao criar literariamente o neologismo vernáculo: os HETERÔNIMOS. O Espiritual nada mais é do que o tempo escoando entre o sujeito e o estado de inquietação que o resume, numa permanente rebelião. O porquê das coisas nos faz unos e vários...

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017/18

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