O BLOQUEIO ESTÉTICO

Feliz do poeta-autor que percebe e recebe bem a figura do poeta-leitor. Só poderá vir a crescer e ser uma boa fonte de entendimento para o receptor, porque este proceder é exceção e gala: a maioria dos autores só vê a si próprio, e, em sua cabeça, cada uma de suas criações é (sua) última obra-prima. Desta sorte, entende que merece loas e elogios a todo o tempo, nunca aceita observações e análises que entrem no mérito, na intimidade de sua obra. Já nasce feito esse exemplar de genialidade espontânea, como se em arte não houvesse aprendizagem, acréscimo do potencial de verbalização e melhoria de estilo, de estética e de gramática, devido a esse exercício, como acontece com os autores que têm postura no mínimo respeitosa, concessiva ao estudo e colaborativa para com o eventual analista de sua obra. E mais: geralmente o escriba com tais características espera e até exige ser tratado como fora um autor de obra permanentemente elogiável e antecipadamente consagrada, por alta qualificação literária. Para estes, a opinião do leitor nada vale. Percebo o meu espiritual tão incomodado com essas corriqueiras constatações, que tenho andado retraído e dificilmente atrevo-me a fazer a prática de análises literárias, sobre poemas de jovens ou veteranos, sendo este ou aquele um neófito – veraz iniciante na criação artística. Apesar de sabedor de que o exemplar de Poesia nasce na psique de seu criador – geralmente exsurgido para vencer a hostilidade do dia a dia – creio não haver necessidade de “encantar” o leitor, mesmo sabedor de que em Poética o reino das imagens é o quintal das delícias. O que entendo válido é a proposição de algum texto ou poema no qual o receptor seja convidado a participar do escrito como parceiro prazeroso ou meeiro de fruição, meramente contemplativo daquele universo lúdico que Sigmund Freud apontou como verdadeira vertente de prazer e gozo, tão aprazível como as descobertas oriundas da prática do sexo. O problema é que a maioria dos poetas-autores fazem do poema o seu território de possessão, e, consequentemente, não permitem que o leitor o tome como hipoteticamente seu e desfrute dessa inusitada fonte gozosa. Desta sorte, quando os atos impeditivos negam a aferição estética, não há como se estabelecer uma relação literária prazerosa, válida e producente. É como se o poema permanecesse na gaveta, à espera de uma fresta para que a luz se faça no ambiente.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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