DO ESTADO DE POESIA À PEÇA POÉTICA *

Depois de mais de 45 anos de estudos ininterruptos, mais firmemente acredito que sem a ocorrência das metáforas no texto, não se corporifica o gênero literário Poesia.

À guisa de argumentos para uma melhor compreensão, tomemos a maioria dos poemas ou versos originados da vertente regionalista: a metáfora – importante espécie da figuração de linguagem – pouco comparece nos versos da expressão poética do campesinato, a verve gauchesca, também designada pelo espanholismo (de origem castelhana) por versos crioulos. Daí que, neste caso, não há como se falar em Poesia no sentido estrito, e, sim em Poética, a qual açambarca os gêneros literários Prosa e Poesia.

Também partindo deste espírito e no sentido de esclarecimento, Poética e Poesia são vocábulos que guardam similaridade, contudo não se revestem de sinonímia, deste modo, não sendo sinônimos, não se confundem nem se identificam, no rigor técnico.

O que mais próximo da figuração de linguagem conseguimos encontrar nessas águas do nativismo regional (ou localista) é a formulação comparativa, que não se confunde com a metáfora: o comparativo é mera similitude de figuração, mas não é o mesmo que a metáfora: espécie autônoma de figura de estilo ou de linguagem na qual a pedra-de-toque é a produção de imagens que enriquecem sobejamente o texto em Poesia.

Examinando a questão com foco teórico-investigativo, tendo em vista a possibilidade do uso da metáfora, quando o poeta-autor utiliza o comparativo no seu texto, está optando pela linguagem prosaica, portanto, deixa de lado a vertente estrita – a poesia.

Entronizada na composição verbal a figura do comparativo, encaminha-se a construção textual para o território da Prosa Poética e não para as províncias imagísticas da Poesia. Na prosa poética pode até ocorrer a metáfora rasa ou horizontal ou, ainda, tecnicamente, a que usualmente denominamos de monovalente.

No entanto, estritamente na Poesia, a metáfora é polivalente, o que significa a constatação de uma metaforização vertical ou profunda e isso equivale a dizer também da existência de maior patamar de codificação, chegando, por vezes, ao hermetismo.

Não deixemos de lembrar que metaforização é o ato de metaforizar, linguagem em que o autor se expressa por meio de metáforas. A metaforização textual é uma construção discursiva para criação do sentido conotativo, fugindo ao usual, que é o denotativo. Neste se constata a linguagem do dia a dia entre as pessoas.

Desta maneira, o assunto ou tema que está apresentado na construção verbal de um ou mais versos é um vir a ser – porque poesia é sempre uma proposta, uma sugestão – com forte dosagem de abstração, portanto de mais difícil interpretação ou, ainda, excepcionalmente, na peça poética como um todo.

Destarte, na prosa poética, que é gênero híbrido (prosa e poesia), a monovalência metafórica é de mais fácil interpretação e compreensão, ficando ao alcance e/ou entendível para o leitor comum, vale dizer, aquele menos afeito à leitura e ao trato da poética.

Reitero, no entanto, que é o poeta-leitor aquele que, ao tomar conhecimento da proposta poética, lhe dá maior ou menor dimensão quanto à abrangência do assunto, temática e/ou quanto à amplitude das palavras e a imagética que compõem a peça poética em voga. Portanto, importante é a figura do poeta-leitor.

O autor é peça vital, porque criador da centelha simbólica e genuína que permite ao leitor adentrar a um “estado de Poesia”. Finalizando, o poeta-autor nunca sabe para quem está escrevendo: se para o leitor comum ou para o leitor culto e exigente.

E, curiosamente, é esta figura externa ao processo de criação do poema que vai alargar ou minimizar o sentido ou a abrangência da peça poética. Fortemente reitero: o poema não vale por si, porque sem a execução do ato de leitura pelo receptor, a peça escritural não conseguirá adquirir existência no processo interpretativo da proposta literária.

Não esqueçamos que o poema é o fruto sazonado da farsa, da inventiva, da fantasia e do sonho. Quem lhe dará vida no plano da realidade é o outro polo, ou melhor – o re/criador. É este que entronizará a verdade idealizada, inventada ou reinventada, no plano das coisas e dos fatos.

E é neste que a cotidianidade do viver opera e se desenvolve, porque o poema pode ser gume ou flor, segundo a cabeça de seu receptor. E perviverá ou não a partir da comoção que a proposta poética produzir no sentir do poeta-leitor.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita em livro, 2022.

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