A PRESENÇA DO OUTRO

Sim, percebo que a Poética nos afaga e/ou nos expulsa. Nesta expulsória, ela bole com demônios que também excluem – além de nós – a Alteridade ou Outridade: o ser em suas relações sociais. Vale dizer, os atos e fatos costumeiros em nossas cotidianas costuras e bainhas rotas, cerzidas com agulhas de pontas gastas e/ou rombudas. Cuidando do espiritual através da assimilação do que o poema (em regra o tomamos como fora nosso) inseriu e/ou entranhou na epiderme, poderemos entender melhor a desmesurada carência de quem ama, e por dá-cá-aquela-palha, restou sozinho no circundante território dos afetos. Aquilo que não se nota, caso não se tenha um sentir de abelha-obreira, no exato momento de aplicar o pólen nos escaninhos dos favos, em vibrante azáfama de asas e bocas, tudo isso dentro da pastosa colmeia de uma rainha e centenas de operárias em produção. Sempre na esperança de que o mel nos adoce a boca – entre um e outro suspiro; daqueles que vêm lá do fundo dos pulmões e, ao emergir no palatino, trazem o gosto amargo do ontem. É daí que nascem dois atributos pessoais que podem vir a ter aferição positiva através da Poiesis: a paciência e a tolerância ao que nos é adverso. Aquilo que, enfim, nos desagrada e mofina.

– Do livro inédito O CAOS MORDE A PALAVRA, 2017/19.

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