O QUE DÓI E OPRIME

A Palavra é titânica, e por tal abrangência e configuração, em seu território de invenção convivem os caprichos do bem e do mal sempre a duelar, todavia, vige nela a perspectiva de paz e bem-querença, tendo o exercício dos sentimentos como estandarte de luz e esperança, visando o entendimento racional e afetivo, assentado na plausível e/ou possível convivência. Na Poética, em regra, prepondera o sentimental. Tudo ocorre à esteira da convicção e do estranhamento proposto pelos codificados signos, nos quais a metáfora é a pedra de toque. A par de ser o poeta um condenado ao pensar e a refletir sobre a matéria da vida, é ele também a abelha-obreira das colmeias de trabalho útil para a desafiante construção dos jardins da espiritual beleza. Para a Poesia, não há esconderijos construídos para esconder o que dói e oprime, e sim o Belo que encanta e comove, libertando o inquieto coração. Até mesmo o sorriso desdentado do morador de rua ou o famélico olhar de uma criança salva de uma inundação, guardam, por si só, a sua anômala beleza. Nos territórios da tristeza e da fome mora a criatura humana, com os seus indignos e falaciosos atos de desrespeito ao socialmente justo. Os poetas são formosos lírios neste malcheiroso lodaçal. E o serão sempre, porque o bom poema nasce e renasce na exata medida da densidade do mergulho entre a vida que se debate no universo da natureza e a pureza de criação imersa nas larvas da putrefação. Plantemos sementeiras ao belo estético. A isto aconselha a dignidade; não somente a Beleza, por ser desejosa de chamar a atenção de todos. Chegar ao Belo também exige titânico esforço, dedicação e alguns caprichos ao olor da pele. Essa é a dimensão do universo da inventiva – o hiato entre a alvura e o sangue, ao buscar a insensata veracidade a partir da fantasia e do sonho. Na verdade, a farsa de viver também dói e oprime, porém, o círio aceso da resiliência permanece vivo até o derradeiro momento do voo nas asas das borboletas.

MONCKS, Joaquim. OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 03. Obra inédita, 2017/21.

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