O EGO E O ALTER EGO NA CRIAÇÃO DO POEMA

O alter ego é um dos vários eus que convivem na mente autoral e, por vezes, é tão individuada a sua presença que adquire personalidade própria. Em ambos, como recursos elementares do criar sem nenhum obstáculo estão a invenção, a farsa, a fantasia, a felicidade, o sonho.

Todas estas vozes, em Poética, pretendem veracidade naquilo que afirmam, tornando-se ícones da fantasia que lhes dá corpo e palavra.

Ledo engano essa tal de “veracidade”, porque não estamos no mundo fático, o da realidade, e, sim, no universo individual da criação. E que fique bem claro que um e outro são planos bem diferenciados, porque a literatura não se destina a interferir no caos humano e suas inúmeras servidões no plano das realidades.

O alter ego, na maioria das vezes é um hóspede incômodo e, por vezes, autoritário, que se hospeda na psique do poeta-autor, sendo a representação de um personagem que, por ser intenso, enérgico, não admite competição entre ele e o criador originário.

É este um ser autônomo que nasce e ocupa o seu hospedeiro no próprio cadinho da criação. Contudo, é o poeta-autor quem assinala, permite e baliza a sua trajetória, ações e gestos frutificados no processo do criar artístico.

Consta que tal situação comumente estava a ocorrer na nascente obra do poeta Fernando Pessoa, nascido em Lisboa, Portugal, em 1988. Constatava-se a intensa presença do “outro eu” no seu processo criativo, especialmente quando a proposta poética discutia algum assunto, temática singular emergente do esoterismo, misticismo e/ou peculiaridades localistas, no qual aquele personagem autonômico aparecia como protagonista, a genialidade de Pessoa criou o vocábulo "heterônimo" para designar essa personagem.

Em boa e oportuna hora F.P. tomou este caminho, de modo a identificar e/ou rotular a figura que nascera e se alçara buscando presença e voz nos estudos freudianos que trouxeram ao mundo fático (realidade) a ciência da psicanálise.

Fernando Nogueira Pessoa (1988/1935), contemporâneo do neurologista e psiquiatra Sigmund Freud (1856/1939), acatou e aproveitou para seduzir e deveras lançar ao mundo literário este novel personagem fictício-autonômico haurido no exercício do sentir e o jogou diretamente ao permanente laboratório da criatura humana, através da Psicanálise, que é um campo clínico de investigação teórica da psique e independente da Psicologia.

Pessoa, o português poeta, filósofo, místico e visionário, tendo se apercebido do processo relativo à existência do alter ego, passou a conviver com os seus heterônimos desde os seus 31 anos, em 1919, quando os reconheceu sob sua obra e égide, em carta ao escritor Adolfo Casais Monteiro, presidente da Associação Portuguesa de Escritores.

Álvaro de Campos, Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares são seus mais conhecidos heterônimos.

Pessoa, rígido e persistente nos assuntos da psique quanto ao aparecimento dos heterônimos no texto, especialmente o poético, gravou-se sob a tutela do alter ego a tal ponto que vem a chancelar a (sua) heteronímia quando se assinala, autografa e divulga, a seu tempo: “Fernando-Pessoa-ele-mesmo-o-outro”.

Portanto, é digno de registro que o poeta (português do universo) e não apenas de lusitana naturalidade, pejado de peculiar originalidade sob todos os aspectos, diferenciava-se claramente: ele, o homem, era o ante visor, o profeta autor de textos em linguagem poética no mais amplo sentido e dimensão. E o fazia como pessoa.

Destarte, levava a Poesia a tal ponto e finitude, mercê de sua condição humana, que se auto psicografava como um “fingidor”.

De e para ele mesmo, a criatura era Pessoa desde o seu sobrenome, um modesto e singelo espécime do homo sapiens neste plano terreno.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2013/2023.

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