Adoro ver fascistas tristes

Adoro ver fascistas tristes. Pensei isso assim que encerramos o processo eleitoral. Muita gente anda feliz, outros se entristeceram pelo novo insucesso do melhor quase-presidente. A Justiça elogia a festa do voto como o auge do regime democrático, na qual centenas de milhões de eleitores nas urnas eletrônicas mostraram como a democracia brasileira é forte. Mas que democracia é esta? Até que ponto esta democracia representativa é legítima?

Quero escrever um texto com reflexões sobre a democracia brasileira e as eleições, analisando três fatos.

O primeiro fato é que vivemos numa democracia que o eleitor vota e imediatamente delega para alguém seus destinos. Não existe participação nem antes, nem participação posterior. Nenhum dos mecanismos que a própria Constituição Federal “cidadã” criou é utilizado. Não se faz referendo, consulta popular, plebiscito e outras formas de democracia direta. Se fazem, não executam, vide plebiscito da liberação de porte de armamentos. O conceito de democracia está desvirtuado e o que temos é uma delegação de poder aos mesmos políticos de sempre, com deputados e vereadores eleitos por proporcionalidade em seus podres partidos. Estes são os coronéis ou caciques que dominam a política brasileira, agora e sempre.

Outro fato é que nós éramos muito mais democratas sob a ditadura. Falo isso sem defendê-la, a ditadura, a qual combato sempre. O fato é que o regime não era nada justo naquela época, mas as pessoas eram bastante mais interessadas na política. A ditadura afetava nossas vidas e nós reagíamos com greves, passeatas, boicotes e protestos. Era moda ser um simpatizante da esquerda. Os jovens liam jornais, os sindicalistas imprimiam panfletos em mimeógrafos e pichações se alastravam nos meios estudantis, ao passo que bombas covardemente explodiam bancas de revistas e até, tentaram uma tragédia no Riocentro. A política estava nas músicas da MPB de protesto, nas telenovelas e nas camisetas. Com a redemocratização, a política saiu do dia a dia das pessoas e em seu lugar entrou a economia, com suas estatísticas burras. Agora as pessoas são indiferentes à política e quando saem do marasmo em que se colocam nos seus contextos sociais ou familiares é para condenar o decoro dos parlamentares e abominar a corrupção,consentida no fundo do inconsciente. Batem panelas quando convém ao chefe autoritário que dirige as suas opiniões e as divulga pela TV Globo e redes de comunicação que a copiam. Estes são os bois e a boiada da democracia brasileira.

Por último, o fato é que os partidos políticos tornaram-se oligarquias. Até mesmo o último partido que alegava ser puro, o PT, se profissionalizou na política e deslocou-se para longe de sua base de origem. O PT não combate mais o capitalismo e advoga que o Brasil vai muito bem numa economia de pais emergente. Assim agindo, o PT passou a ganhar eleições cada vez mais difíceis e virou um clone do PMDB, o bastião das liberdades nada democráticas, que muito antes do PT enveredou este caminho deturpado. Agora ambos se aliaram num casamento de fato e de direito para serem predominantes, com data certa de divórcio. O PSDB bem que tentou se profissionalizar, nesse processo de adoção do neoliberalismo, fonte inesgotável de recursos para suas campanhas e enriquecimento dos seus atores políticos, porém virou mesmo o partido dos arrogantes que se julgam superiores, os mesmos que se reúnem num restaurante grã-fino para resolverem tudo, bem longe e quem votou neles. Não consultam ninguém, além deles mesmos, os cardeais do partido. São avessos às suas bases, afinal ela não tem curso universitário como eles têm. Isso começou torto quando a intelectualidade brasileira “tucanou” com a atitude nazista de atear fogo nos seus livros: “ Esqueçam tudo que escrevi” , foi o que disse FHC. O PTB e o DEM também se profissionalizaram, contudo numa postura de rapina do Estado Federalizado. Estes não são partidos autossustentáveis. São os legítimos partidos fisiológicos e adesistas. Também o PP, o PSB, o PPS, o PDT e outros tantos partidos nanicos seguiram em menor medida esta vocação de coadjuvante de um partido maior e mais organizado. Só que para aderirem estabelecem seus preços e não cobram pouco: dinheiro, cargos, informação privilegiada, benefícios indiretos, facilidades e trafico de influência. Neste quadro partidário, o grande fiasco do PSDB, DEM, PTB e outros foi não perceberem que o PMDB e o PT tratam a miséria, as desigualdades e a fome como questões de gestão de programas de governo no ambiente capitalista. Estes partidos abandonaram o discurso de que a miséria e a fome eram desafios socialistas, mas mantiveram o seu palanque privilegiado, roubando a proposta do êxito do capitalismo para por fim nas desigualdades. Tem dado certo e desde então, os ajustes econômicos despejaram os discursos políticos dos mecanismos da democracia brasileira.

Neste contexto tivemos a eleição da primeira mulher para presidenta da República, numa vitória pessoal e meritória do Presidente Lula. Vencendo até o discurso papal, a propaganda fascista e a emoção apelativa da liberação do aborto, o grande prestígio de Lula colou mesmo em Dilma , destituindo púlpitos, panfletos, sentenças, internet, revistas, jornais e redes de televisão. Foi uma vitória arrasadora. Por quanto tempo? Talvez até os fascistas se reorganizarem, eu acho.

A grande façanha de Lula não foi só eleger sua sucessora, mas foi também mostrar como a boa reputação calcada em fatos reais e a condução de todo um povo para os progressos de uma civilização desenvolvida supera os poderes oligárquicos que dominam a frágil democracia representativa brasileira. Este foi o mote para reação fascista que hoje divulga ideias contrárias a estas teses, apoiado pelos mecanismos judiciais e repressivos do Estado. A reação fascista avança, derruba, prende, retroage, caça, intimida, condena, difama,injuria , compromete e massacra. Mesmo assim, adoro ver fascistas tristes. Num rompante de Bertold Brecht, vivo para continuar a vê-los sofrer, enquanto a sua mãe-cadela não para de parir.