AS TRISTES CRIANÇAS DO RAUL GIL

Sempre que vou a casa de uma tia, flagro-a emocionada com as crianças que vão ao programa do Raul Gil, que ela só perde para ir à igreja, se houver um culto extraordinário na mesma hora. Pobres crianças... mais parecem adultos pequeninos, programados para repetirem as máximas dos adultos; usarem roupas, penteados e maquiagens de adultos... terem compromissos de adultos.

Aquelas crianças escravizadas pela vaidade dos pais, nada mais fazem do que pular uma etapa imprescindível. Amadurecem à força, sem passar pelo dulçor de uma infância feliz, pautada pelas brincadeiras, pela ingenuidade, pelo encantamento por personagens intocáveis, inclusive da tevê, que não faz parte da vida real de uma criança comum. De uma criança que não tem nem deveria ter compromissos que virão no tempo certo, se os adultos não interferirem.

É muito triste ver crianças competindo entre si. Disputando quem canta melhor, quem é mais bonito, quem desfila com maior elegância, quem é mais inteligente ou esperto, conhece mais palavras e comete menos erros ao discursar para júris. Crianças vencendo e sendo vencidas por crianças. Aprendendo equivocada e precocemente, que pessoas nascem para superar umas às outras; que a superioridade sobre o outro é um desafio constante a ser vencido.

Essa educação equivocada muitas vezes começa quando um adulto (pai ou mãe) quer compensar suas frustrações de uma vida inteira, criando seus filhos para serem campeões ao invés de cidadãos conscientes e felizes, que poderão ser ou não campeões. Querem filhos perfeitos e precoces, íntimos dos pódios, das passarelas, dos flashes e dos meios sociais mais sofisticados. Não entendem que as crianças sofrem quando são forçadas a amadurecer tão verdes. As meninas, por exemplo, quando são obrigadas a trocar suas roupas floridas, rodadas, engraçadinhas, por vestidos mais sóbrios e até sensuais. Os meninos, quando seus pais os forçam a trocar as peladas nos campinhos enlameados pelo compromisso rígido da escolinha de futebol, sem saberem se é isso que eles querem. Ou ainda, quando esses meninos ainda bem pequenos têm que se vestir, falar e se comportar como executivos.

Criamos buracos em nossos filhos. Buracos que eles sentirão mais tarde, ou tarde demais, por não poderem voltar no tempo. Não é nada lindo, como muitos exclamam (que lindo! Parece uma mocinha!), ouvir de uma menina de seis, sete, nove anos de idade, que ela tem compromisso com a manicure, o cabeleireiro, a esteticista... ou de um menino, que ele precisa ensaiar para conceder uma entrevista, e não pode "fazer feio". Isto quer dizer que esse menino tem o compromisso de memorizar palavras, frases feitas e gestos de seus pais, para não correr o risco de parecer menino.

É uma pena que o mundo esteja como está. O que parece uma inclusão de crianças, um mundo aberto aos talentos infantis, no fundo é a exclusão da infância; é a constatação de que o mundo não abre as portas para meninos e meninas... pelo contrário, extermina os meninos e as meninas que moram dentro de cada... menino e menina.

Pobres crianças do Raul Gil...

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 30/12/2012
Reeditado em 31/12/2012
Código do texto: T4059912
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