A Mulher Madura
 
   O rosto da mulher madura entrou na moldura dos meus olhos. De repente a surpreendo num banco olhando de soslaio aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura com seu rosto esculpido  como o de uma atriz grega tem qualquer coisa de Melina Mercori ou de Anukde Aimé.
   Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolêscencia, quando se esbanja pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga água para todos os lados. Enfim, desborda.
   A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso  da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.
 A mulher madura é assim: tem algo de orquídeas que brota exclusivamente de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
   A adolescente com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito. 
    A boca da mulher madura tem uma indivizível sabedoria. Ela chorou madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deidar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isso as suas mãos são líricas ao drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.
   O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
   Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados tem que ter condescendência e me entender. A maturidade também em à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza. 
   Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior que a maturidade é também algo que o outro nos confere, completamente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador. 
   Cada idade tem o seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquete e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem esse brilho e é preciso que cada um decubra o fulgor do próprio corpo.
   A mulher madura está pronto para algo definito.
 Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por issso, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu trono, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.
   A mulher madura é um ser luminoso e repousante às quatro da tarde, quando as sereias se banham, e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia.  Pena que seu marido não note perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos multiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Ives Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes. 
   Sobretudo, o primeiro namorado ou primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar.
    Alí está a mulher madura, mais que pronta para quem a souber amar.

                                      Affonso Romano de Sant'Ana