Considerações sobre a vida e o amor
 
  A história somos nós mesmos, e esta será em ampla medida aquilo que tenhamos querido que fosse.
   O hábito do compromisso enfraquece toda a energia espiritual. No homem demasiadamente dado às transações morais restringem-se as diferenças entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, o lícito e o ilícito. Os critérios oportunísticos nele prevalecem sempre sobre os critérios éticos, e sua personalidade é como um tecido cheio de rasgos e remendos. Em muitas circunstâncias da vida é preciso, ao contrário, tomar partido, decidir-se, escolher, com absoluta clareza, afrontando os riscos e as responsabilidades inerentes à escolha feita.
   Quem é amigo ou amante verdadeiro deve também saber e poder dizer coisas que não agradam, quando sejam verazes e úteis. Os afetos açucarados, demasiadamene indulgentes e protetores, transformam a pessoa mimada em enfant gâté, em personagem pueril e viciado que aprenderá tarde à própria custa, escarnecido e sem proveito, o que deveria ter aprendido muito tempo antes.
   Entramos em relações e situações extremamente delicadas e complexas sem conhecermo-nos como entidades biológicas, psíquicas e espirituais.
   Vejamos o exemplo na situação que se segue, no mundo do amor. Homens descarados, impudentes, podem ter sucesso com mulheres vulgares, a quem agrada o que é barato porque não sabem fazer outra coisa. Mas a impudência é a lei que governa somente as relações entre homens e mulheres sem pudor, é uma tática erótica grosseira que somente funciona bem quando é a própria regra do jogo. Entre homens não vulgares, entre pessoas que não se identificam visivelmente com seus apetites sexuais, a importância se revela imediatamente tal como é a má educação e, em última análise, estupidez. O estúpido, com efeito, não se dá conta da natureza própria das situações, não entende que maneiras são oportunas ao comportamento e quais, ao contrário, deve evitar. O impudente não é inteligente porque não compreende que cada situação erótica é uma situação específica. Aplica indiscriminadamente sua tática de impudência ou convicção de que o pudor seja uma fábula inventada pelos moralistas. Mas esse êrro de apreciação não é o mais grave. Entende ainda, com presunção sem limites, que os véus do pudor devam cair sob o impulso de sua iniciativa. Poder-se-ia perdoar-lhe uma filosofia erótica banal que interpreta a feminilidade em termos exclusivamente sexuais. Imperdoável é a pretensão de que cada mulher confirme justamente com ele a verdade de sua suposta e inverossímil filosofia.
  E, realidade não são somente  os outros ou as coisas exteriores a nós; realidade somos nós com nossa ação que modifica incessantemente a nós e ao mundo.
   O homem espiritualmete adulto aceita o mundo humano imperfeito e se esforça por torná-lo menos imperfeito. Não tem certezas, direitos, exigências peremptórias. Tem esperanças pelas quais trabalha. Uma vida sem dores, sem necessidades, sem dificuldades, sem privações, sem riscos, não é uma vida humana. A felicidade deve ser buscada dentro da condição humana, que sabemos imperfeita e insuficiente. E, justamente por ser imperfeita e insuficiente gera a desconfiança. Não uma desconfiança estéril e patológica, mas uma posição serena aclarada pela reflexão. O ato de duvidar constitui o primeiro passo em direção a uma consciência não dogmática, em direção a uma visão do mundo consciente e reflexiva. A ciência é derivada mais da dúvida do que da admiração. O homem espiritualmente adulto é o capaz de duvidar de tudo, mesmo das coisas aparentemente mais sagradas e invioláveis. A maturidade intelectual, por outro lado, não consiste num instinto de profanação que retira às coisas seu mistério e seu valor, mas em uma vocação crítica que submete as coisas a uma pesquisa livre e sem preconceitos. Duvida-se porque não se possui a certeza, mas a dúvida não é destinada a destruir a certeza, e sim a recuperá-la colocando-a em bases mais solidas. Como para Descartes, também para o homem moderno a dúvida é uma posição metódica e provisória, não uma solução definitiva.
   Por outro lado, a humanidade completa se alcança também quando a natureza, em nós e fora de nós, está perfeitamente domada e ajaezada, quando é obrigada a servir aos objetivos da civilizaçãos. "O problema urgente do nosso tempo não é o problema imaginário de voltar a viver nus, entre imaginárias danças, imaginários canticos e guirlandas de flores" É o de evitar que, em nossas mãos, se transforme em engenhos infernais os instrumentos maravilhosos da civilização.
   Muitos crêem servir ao futuro considerando abstratamente a mulher no mesmo plano do homem, pedindo-lhe tarefas iguais, esforços iguais, iguais responsabilidades. Por esse caminho se chega ao mito abstrato e indiferenciado do homem asexual. Se se afirma a igual dignidade dos sexos, essa equivalência moral não significa que seus deveres sejam identicos. Diversa é a biologia, diversa é a psicologia, diversa é a vida espiritual. A mulher que cora por sua nudez talvez tema não ser suficientemente bela aos olhos de quem a vê, mas o medo maior deriva do fato de que a nudez a faz toda e apenas corpo.
   Cada sexo tem a sua contribuição original e preciosa para trazer ao mundo. A evolução da mulher consiste no desenvolvimento pleno de suas possibilidades, que são grandes, originais, criadoras, complementares e não concorrentes com as do homem.
   Finalizando. Quando um homem deixa uma mulher a quem amou verdadeiramente, e deve no entanto deixar, não a insulta, mas continua em sua alma a reservar-lhe reconhecimento por aquilo que ela foi para ele, pela experiência humana não inútil, não indigna, que a ligou a ele. O fingido e o homem vulgar passam repentinamnte do amor ao desprezo, da apologia à difamação, e acumulam motivos para persuadir a si mesmo e ao próximo da honestinade e fundamento de sua mudança. O homem sério sabe que houve uma infidelidade, sabe que isso não é coisa a ser tomada levianamente, mas aceita-a com firmeza porque está convencido de que uma infidelidade fiel é algo muito melhor do que uma fidelidade infiel.
 O bem de ontem não pode haver-se tornado, repentinamente, mal de hoje, e aquilo que deixo de alguma forma me nutriu e acalentou. 
   O não que tem valor é sempre meio para um fim, não para um sim, renúncia para uma conquista.

 
Roberto Gonçalves
Filósofo
RG
Enviado por RG em 06/06/2014
Reeditado em 25/05/2016
Código do texto: T4834622
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