Inconfidência
 
    Ele veio devagar, de longe, quase despepercebido, de mansinho, dizendo coisas que a gente gosta de ouvir. Reconhecemos nele o amigo,  o pai, o mais velho irmão ou o tio querido. O tom coloquial, informal e simples de sua conversa foi nos aproximando e gostamos de ficar e fomos seduzidos. Beijamos com ele a Imagem do Cristo crucificado e com ele passamos a participar da missa dominical no Mosteiro de São Bento. Conseguiu despertar em nós sentimentos adormecidos de devoção, religiosidade. humildade. Vimos nele um novo cavaleiro do apocalipse ou quem sabe até mesmo um monge da família – piedoso, sincero e presente em nossa vida. Passamos com ele a conviver no dia-a-dia. No banco, no supermercado, na feira-livre  o encontrávamos, e só nos faltou mesmo cortar a palha, picar o fumo, enrolar o cigarro de palha em sua companhia. Ao redor do tom acolhedor de sua voz, foi-se formando imensa multidão, querendo ouvir, estar perto, nele tocar e dele saber como fazer e como viver no País do real.
    Ah... ministro-diplomata. O senhor que disse amar Minas e os mineiros e com a gente manter íntima relação de cumplicidade.  O senhor que foi a São João Del Rei visitar o túmulo do seu amigo Tancredo Neves. O senhor que como nós cultiva valores mineiros: religiosidade, espírito conservador, liberdade, amante das letras e das artes, poesia e literatura, o senhor que comprou livros sem pechinchar, apenas no bolso quis ter a nota fiscal.
    Ah... bom ministro, ex-ministro. Quando mais o queríamos, mais o amávamos, falta-lhe à sua alma de quase mineiro, a sua virtude principal: "um bom mineiro não laça boi com embira, não dá rasteira no vento. Não pisa no escuro. Não anda no molhado. Não estica conversa com estranhos. Só acredita na fumaça quando vêw o fogo, só arrisca quando tem certeza. Não troca um pássaro na mão por dois voando".
    A sua inconfidência, diplomata Rubens Ricúpero, reforça a tese de que a memória de um povo é fraca. Que hoje, ela ama apaixonadamente um homem, e o segue, onde queer que ele fôr. Chora suas lágrimas e sorri com seu sorriso. Ergue para ele um altar em seu coração, e o incensa. Porém com o tempo, é obrigado a esquecê-lo, porque seu ídolo tem os pés de barro. Ainda assim, brasileiro Rubens Ricúpero, quero pensar no seu modo simples, quase angélico, quase perfeito, e na emoção verdadeira e digna do adeus e me lembrar também de lição aprendida no livrinho de catecismo da minha infância: "até os santos pecam setes vezes ao dia"...

 
Roberto Gonçalves
Escritor

(Texto publicado no jornal Estado de Minas, do dia 9 de setenbro de 1994)