Atirando a primeira palavra

CRÔNICA DO DIA

Por Célio Pires

Jornalista não pode errar. Nunca!

Jornalistas, dizem os médicos, são os que mais morrem do coração. Isto se deve à luta contra o relógio. Jornal tem de sair na hora certa e, às vezes, um dia de 24 horas é pouco. A aflição na hora do fechamento para cumprir os prazos é quase igual a um processo de loucura. E pior: jornalista é o único que não pode errar, pois todos os leitores podem criticar, opinar, seja por um erro gramatical que lhe escapa, por um “s” que faltou num plural, por uma palavra fora do tom cordial, ou ainda quando o texto envolve algum tipo de acusação, denúncia etc.

Quando o papel está impresso, não há mais como voltar atrás. O jeito é assumir o erro: - “Errei sim, atire a primeira pedra quem nunca errou na gramática”. Bela desculpa. Uma coisa é certa: jornalista não pode errar. Nunca! Ou irá para o sacrifício: a secretária, o motorista, o boy e, pior, o patrão - todos terão olhos de lince e o chicote à mão.

Há alguma coisa errada nisso tudo, vendo pelo meu lado, é claro. “A pressa é um dos vícios de nossos dias”, escreveu Robert M. Pirsig. E o jornalista é o rei da pressa, mas não devia. No meu tempo de jovem se dizia para desconfiar de quem tivesse mais de 30 anos, ou que fulano “estava velho demais para o rock & roll”, só que os Rolling Stones estão aí para provar o contrário. Eu já tenho estrada, confesso, estou rodado e ainda não aprendi uma coisa: é preciso diminuir o ritmo, perder a pressa, fazer menos, pois quem faz muito erra mais. Como ser zen e e ter postura rock & roll. Bem, essa é outra história...

O escritor já citado disse também que, “quando a gente resolve apressar alguma coisa é porque não se interessa mais por ela”. E é verdade. O jovem arrisca mais, tem mais ímpeto, ou seja, teme menos a morte, dá importância relativa à vida. Com mais vivência, é natural que a gente valorize mais o viver. Observar-se mais, pondera-se mais. Vê o detalhe, o entalhe, os nuances. Errar menos torna-se obrigação.

Quando a gente tem tempo, também, tudo fica mais bem feito. É preciso ter esse tempo, buscá-lo, fabricá-lo. Ver se tudo vale a pena, de qualquer jeito, de qualquer forma, e deixar de, ‘por uns trocados’, se aborrecer.

O motociclista que vai sem pressa pela estrada aprecia mais a paisagem. Vê o pássaro que voa e o que pousa, a criança que brinca na frente da casa, a fruta na árvore, mas eu, qual o quê, continua passando a “milhão”, ou seja, não me acalmo fácil, embora tente. Resumindo tudo: não estou tolerando mais os críticos dos meus (poucos) erros gramaticais, pois sei que querem me atingir no pescoço. Não quero assumir mais a pressa dos outros, que sempre absorvi como minha. Enfim, aprendi a lição: jornalista não pode errar nunca, mas tem de ter tempo. Understood.

Quero um fazer mais preciso, ir devagarzinho, cuidadosa e detalhadamente ao término de um trabalho. Um poeta disse, no fim da sua vida, que deveria ter errado mais, arriscado mais. Eu também, inversamente, digo, que quero errar menos e tolerar mais as críticas, os cretinos de sempre, e suportar as crises, na boa.