NEGRO DE ALMA NEGRA

Quando se fala em preconceito racial, na escola, finge-se que a questão resume apenas o não gostar da cor negra. Isto resulta situação bastante cômoda para os educadores que encontram sempre um caminho para desqualificar a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de História da Cultura Africana nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Outra tangente utilizada pelos preconceituosos velados é a de que outras raças são igualmente alvos de preconceito, e por isso não justifica criar uma lei específica voltada para as questões africanas e afro-brasileiras.

Com todas as distorções inerentes ao preconceito que insiste em não se render aos novos tempos, conceitos e mentalidades é que as escolas vivem burlando a lei. Falam da culinária e das contribuições agrícolas. Gritam que "todo mundo é igual perante Deus", no tocante à cor. Repetem inúmeras frases feitas que põem o negro em situação de inferioridade, como se ele fosse obsequiado pela bondade dos brancos ou não negros, sendo aceito com reservas e ressalvas. Querem o negro tutelado pela sociedade brasileira, desde que ele se despoje de sua ancestralidade.

A lei, que exalto como o faço a poucas leis brasileiras, visa a totalidade. Ela tem por fim garantir o respeito, o reconhecimento e a inclusão do negro na sociedade brasileira, tanto quanto resgatar sua história, seus costumes, valores morais, culturais e religiosos, e ainda pagar ou amenizar a enorme dívida que este país tem com a negritude. Não existe o contexto de obrigar ninguém a simplesmente gostar dos pretos e aceitá-los como quem faz um favor. Todos têm o direito de não gostar de preto, estrangeiro, protestante, umbandista ou homossexual, mas ninguém pode fazer o que este país faz com o negro, fechando-lhe as portas, excluindo-o de formas abertas ou veladas, como ocorre nas escolas quando elas se negam a contribuir para a reparação histórica dos prejuízos humanos e sociais sofridos pelos negros, especialmente nos anos de escravidão.

É a África, a grande vítima da humanidade. São os afro-descendentes (e os índios, embora este artigo não seja sobre eles e já exista, em boa hora uma lei da mesma natureza sancionada para os indígenas), os credores do Brasil neste aspecto. Dívida é para ser paga, e a sociedade não quer fazê-lo. Por isso deturpa leis como a 10.639, a lei de cotas e outras que visam essa reparação, com discursos esdrúxulos que desviam o foco de uma questão muito mais ampla, complexa e profunda do que se faz pensar.

Há que se incluir o negro em todas as camadas e contextos sociais, não impondo-lhe os vernizes da cultura européia, das religiões norteamericanas, dos cultos globalizados e da moda. Exigir que o negro não tenha identidade ou seja branco naturalizado é desejar que ele continue escravo como nunca deixou de ser. O Brasil não tem o direito de obrigar ao negro a síntese de sê-lo apenas na cor da pele. Ainda estamos vivendo a velha e absurda máxima do "negro de alma branca".

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 11/11/2008
Reeditado em 17/11/2008
Código do texto: T1277826
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