O palco da vida (1)

A Prefeitura Municipal de Alto Santo construiu recentemente um majestoso palco na Praça Menino Deus. Como toda obra social, o palco suscitou aplausos de uns, protestos de outros, controvérsias entre alguns segmentos, mas todos se utilizam das benesses que o mesmo proporciona, notadamente aqueles que são participantes obstinados das manifestações sociais. Para que serve um palco de tamanha proporção no centro de uma cidade? Como “a praça é do povo”(2) e estamos num estado de direito, servirá para festas, solenidades, comícios (de todos os partidos, claro), enfim, para que a população possa extravasar seus anseios, angústias, sonhos e pensamentos, com o devido respeito aos contrários como sói acontecer numa democracia. Por tudo isso é evidente que o palco traz vantagens para muitos, especialmente aqueles que são apreciadores da música, das festas, do folclore etc.

Se olharmos a palavra palco apenas do ponto de vista etimológico, verificaremos que ela é oriunda da Lombardia (Itália) cujo original é assim escrito: palko. Mas o que interessa nesse momento é fazer uma analogia entre o palco que é destinado às manifestações artísticas e o palco da vida, donde se podem colher as mais proveitosas lições e, independentemente de classe, condição social ou política, sexo, religião etc. imbuir-se da convicção de que cada um pode ser construtor do seu próprio destino.

No palco da vida muitos buscam aplauso e glória fácil, mas são incapazes de extravasar o mais leve sorriso para atenuar a dor dos que sofrem. Muitos querem reconhecimento sem esboçar um pequeno esforço para tornar mais amena a cruz que tantos carregam e tornar livres os caminhos daqueles que os percorrem com dificuldade.

“No meio do caminho tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do caminho/Nunca me esquecerei desse acontecimento/Na vida de minhas retinas tão fatigadas”(3) – sentenciou Carlos Drummond de Andrade, o chamado “poeta maior”. No palco da vida, quem teve a coragem dos fortes para retirar a pedra do meio do caminho a fim de que outros pudessem trafegar livremente em busca do seu destino? Quem teve a ousadia de cortar os grilhões da insensatez para proporcionar liberdade a tantos escravizados pela ignorância? Quem usou as trilhas do desprendimento para que a igualdade seja precursora de um novo tempo de paz e bonança para todos? Quem usou as lentes da fraternidade para descansar as retinas fatigadas do irmão? Quem é capaz de dispor de sua árvore frondosa para abrigar os viandantes cansados das injustiças? Quem colocará o seu oásis generoso e produtivo para amenizar o sofrimento dos que sofrem com a sede de justiça? Quem, de bom grado, ajuda seu irmão em dificuldades a conquistar passo a passo os degraus da existência?

Eis aí um momento de reflexão. Não basta cantar loas aos que semeiam exemplos de trabalho e fé. É necessário que todos se conscientizem da grande tarefa que foi confiada pelo Supremo Criador. Sendo seus filhos, recebemos uma missão sublime que é a de continuar a construir sua obra, reformar quando necessário e, sobretudo, preservar as maravilhas que foram legadas à grande família humana.

Nosso desejo é de que no palco da vida todos possam ser artífices de sua própria obra e protagonistas do seu próprio espetáculo.

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(1) NAPOLEÃO, Nicodemos Gomes. In: www.altosanto.com (publicado em 28 jul 2008)

(2) CASTRO ALVES. O povo ao poder. [s.l.; s.n.], 1864

(3) ANDRADE, Carlos Drummond de. No meio do caminho. In: TEIXEIRA, Jerônimo, 2003, p-90

Nicodemos Napoleão
Enviado por Nicodemos Napoleão em 08/07/2009
Código do texto: T1689610
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