O privilégio na participação política

Estamos às vésperas de escolher o nosso novo Presidente da República para os próximos quatro anos. Momento de meditação e privilégio de escolher diretamente pela quinta vez, esse cargo depois do regime militar (1964 -1985), quando foram reduzidos os direitos de cidadania, principalmente a instituição em 1967 o temido AI-5 (Ato Institucional), que conferia ao Presidente da República poderes totais pra reprimir e perseguir as oposições. Veio um período negro no sentido de direitos de cidadania, com perseguições, cassações políticas e o fechamento do Congresso Nacional, símbolo máximo do poder Legislativo de uma nação democrática e garantias individuais que constam no art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Revolução Francesa de 1789) e na Carta Magna brasileira: “ ...ninguém será submetido à tortura ou castigo cruel, desumano ou degradante...” Princípio este, que foi ignorado durante vinte anos do regime militar.

O fracasso do modelo político e econômico adotado pelo regime militar ficou evidente durante o governo militar, e durante o governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985), crescia a crítica política às decisões autoritárias e centralizadoras do governo militar. Diversos setores da sociedade brasileira ( sindicatos de trabalhadores, grupos de empresários, universitários, imprensa) passaram a reivindicar a redemocratização do país.

Depois de vinte anos sem opção de participação política, a sociedade civil conseguiu sair do fundo do palco e tornar-se protagonista de seu destino. Não foi fácil, pois o fracasso do modelo político e econômico adotado pelo regime militar ficou evidente durante o governo do general Figueiredo. O país tinha mergulhado numa das maiores crises econômicas da sua história, que se refletia na inflação, nos assombrosos endividamentos externos e no díficit público das empresas estatais.

A crescente onda de descontentamento popular em relação ao regime militar teve eco no Congresso Nacional, quando foi aprovada a emenda contra o Colégio Eleitoral, onde se fazia eleições indiretas para o executivo da União e restabelecia eleições diretas.

A campanha elas eleições direta, conhecidos pelo lema “Diretas Já’ foi um dos maiores movimentos populares do século XX da nossa história. Manobras, no entanto, não faltaram e o primeiro Presidente da República civil, depois da ditadura militar, eleito de forma indireta, foi o mineiro Tancredo Neves, que disputou o cargo com o paulista Paulo Maluf, que, estranhamente morreu antes de tomar posse, em 21 de abril de 1985. Mais uma vez, nossa história sofreu um golpe. Assim, de 1985 a 1990 tivemos o cargo do maior mandatário do País ficou sob o governo do paraense José Sarney, um antigo colaborador da ditadura, que inclusive, ajudou a derrubar a emenda constitucional que restituía eleições diretas a presidente da república. Foi um período de transição política e econômica, em que houve inclusive a mudança da moeda de cruzeiro para cruzado, para tentar conter a inflação galopante.

Em 1º de fevereiro de 1987, no entanto, sob a liderança do estadista Ulisses Guimarães, iniciou a Assembléia Constituinte, no Congresso Nacional, que durante 20 meses elaborou a nova Constituição da República Federativa do Brasil , desta vez, promulgada, em 5 de outubro de 1988 e que voltava a dar garantias individuais, sociais e políticas a todos os cidadãos e estrangeiros residentes no País. Esta Carta Magna deveria ser do conhecimento de todos os cidadãos brasileiros. Infelizmente, essa Carta atualmente está com tantas emendas, que pouco restou daquela de 1988. No entanto, a sua essência continua, principalmente no princípio de liberdade política e individual baseado no artigo 5º. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sacramentada na Carta Magna de 1988:

No art. 5º.:

“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade,...” e nos seus LXXVII íntens.

E no art. 6º.:

“ São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção `maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

E no seu art 14º.:

“ A soberania popular será executada pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto ,com valor igual para todos , e, nos termos da lei, ...”

Esse artigo garante a participação do cidadão de exercer seu direito de escolha dos seus representantes, e exercer a democracia, ou seja, participar da política nacional, do seu estado e do seu município.

Pela Constituição Federal de 1988, o Brasil passa a ser uma República Federativa e Presidencialista, formada por entidades autônomas: a União, os Estados federativos, o Distrito Federal e os municípios. Os três poderes, igualmente divididos nestas entidades são: o Executivo (quem executa as leis), o Legislativo (quem faz as leis e fiscaliza sua execução pelo Executivo) e o Judiciário ( que defende as leis e os direitos individuais e institucionais).

A Carta Magna é a maior instituição nacional, e deveria ser do conhecimento de todos, e ensinada nas escolas desde o ensino fundamental, pois mostra os direitos e deveres dos cidadãos, politizando a sociedade, para que saia do seu individualismo e passe a olhar a comunidade de forma global e não somente no seu restrito mundo no qual vive.

Em 1990 ocorreram as primeiras eleições diretas para presidente a república, e o povo amortecido politicamente durante duas décadas, encantou-se com promessas falsas e linguajar colorido de um dos candidatos e votou em Fernando Collor,( 1990-1992), que logo mostrou a que veio: confiscou o dinheiro da caderneta de poupança, e se mostrou um ditador civil, retrocedendo a história.

No entanto, a sociedade que o elegeu também reagiu e ,dois anos depois o obrigou a pedir a renúncia do cargo, sob pela de ‘impeachment” (impedimento político por 8 anos). O mandato foi terminado pelo seu vice, Itamar Franco (1992-1994), com uma inflação que chegou a quase 50% e iniciou o Plano Real, que no entanto somente passou a vigorar no próximo governo.

As novas eleições vieram, e a esperança num novo líder político que participou da luta nas “Diretas Já’, e foi eleito Fernando Henrique Cardoso (1994-1998). Fez algumas modificações na economia, lançou o Plano Real, modificou a previdência, privatizou estatais, fez modificações na reforma tributária e reforma administrativa. Conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse a reeleição do executivo, na esfera nacional, estadual e municipal.

A reeleição favoreceu Fernando Henrique Cardoso e mais quatro anos continuou o governo de FHC (1998- 2002).

Em 2002 ocorreu uma reviravolta política, e um partido da oposição (PT), Partido dos Trabalhadores, que sempre foi crítico e vigiava a chamada ‘direita’, entrou no poder como o ‘salvador da pátria’, prometendo uma modificação radical da situação. Assim foi eleito Presidente da República, o candidato Luiz Inácio da Silva, conhecido como Lula, que inclusive acrescento no nome. Figura que começou aparecer nos meados da década de 80, durante as greves do sindicato dos metalúrgicos no ABC de São Paulo no governo de Figueiredo (1979-1985). Candidato a presidente por algumas vezes, acabou por tornar seu sonho realidade. No entanto, num Brasil com uma gigantesca ocupação geográfica, que contém em seu território muito ‘brasis’, não se pode fazer uma modificação rapidamente.

O PT, antes ‘pedra’ virou ‘vidraça’ e foi fiscalizado pela antiga ‘direita’ , agora ‘oposição’, e apareceram muitos indícios que acabaram na mudança de ministérios e cargos de confiança.

Com isso, o TSE ( Tribunal Superior Eleitoral) conseguiu modificar algumas normas eleitoreiras, diminuindo os gastos excessivos nas campanhas políticas, o que gerou um benefício para o cidadão comum, ajudando na sua escolha, sem grandes ‘marqueteiros’ que acabavam mascarando os candidatos ricos e com grandes apoios econômicos.

Novamente estamos diante de um momento histórico, a eleição da quinta vez escolher o nosso Presidente da República, e em segundo turno, uma conquista eleitoral: uma reeleição do candidato que esteve no poder executivo durante quatro anos , Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o candidato que exerceu o governo do Estado de São Paulo durante duas gestões, Geraldo Arckmin (PSDB).

Ambos vêm de partidos políticos que têm peso na nossa história , desde a ditadura militar, e a constante participação na política e na economia nacional.

Muito ainda temos que aprender e modificar no pensamento e ações políticas, no entanto, a cidadania deve ser exercida, e a escolha consciente de cada um dos que tem o privilégio de votar, e ser responsável pelo futuro político da Nação. Devemos analisar as propostas cabíveis e não somente ‘promessas de campanha’, que normalmente depois são engavetadas. Precisamos analisar com calma o passado dos candidatos e seus partidos. Devemos, enfim, com a cabeça fria e consciente dar nosso voto a quem mais se aproxima do ideal de um representante máximo do País, sem simpatias pessoais, mas acreditando no seu futuro político que irá nos afetar diretamente sem se omitir dessa responsabilidade e sem exigir milagres, mas reais possibilidades de execução dos projetos sociais, políticos e econômicos voltados para a maioria dos brasileiros.

No entanto, precisamos exercer a cidadania o tempo todo, não somente durante o período eleitoral. Ser cidadão significa primeiro, saber dos seus direitos e deveres, viver em comunidade, tentar ser útil dentro do seu próprio contexto social , no seu trabalho e participação, e não ser apenas contestador ou alienado político. Devemos sim, ser participativos, sugerir melhorias, e cobrar dos políticos eleitos sua posição de representante seu e do povo que o elegeu,usando o correio,a internet, a imprensa,ou mesmo os parlamentares. Vamos fazer parte da História brasileira, sermos agentes, sem medo de errarmos, e começar de novo. Vamos aproveitar a poesia Geraldo Vandré :“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer...”- (da música “Prá não dizer que não falei de flores” música que se tornou-se o’ hino’ de resistência contra a ditadura militar).

Vamos mostrar q Política não é somente sinônimo de ‘politicagem’ feita por maus cidadãos, egoístas e que quem o poder para suas vantagens pessoais e do seu grupo. Política numa democracia é responsabilidade, fiscalização e principalmente participação. Votar não é somente uma obrigação, é antes e tudo, um privilégio de poder escolher, o representante máximo do País, mesmo que se tenha desilusão no futuro, é uma responsabilidade participativa, ser um sócio , mesmo anônimo, mas efetivo no resultado na história da Nação.

Muitos lutaram e até morreram para lhe dar o direito ao voto secreto e participativo. Não desperdice essa conquista e esse direito!

Boa eleição com bastante consciência participativa e responsável!

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Regina Dragiça Kalman – Bacharel em Ciências Políticas e Sociais , Bacharel em Comunicação Social –Jornalismo, Bacharel em Direito e Licenciada em História ,Ciências Sociais, Pedagogia e Educação Artística, com Especialização em História do Brasil e Didática Superior.

Artigo escrito em Jundiaí - 22/10/2006.