Papel de avó não é deseducar


Afago de vó é bom e todo mundo gosta. Mas, se ela convive com seu filho no dia-a-dia, colo em excesso representa perigo. O ideal é que vocês atuem como parceiras na educação, impondo as mesmas regras e limites
Por Flávia Pinho | fotos Karine Basilio
Pedro, 2 anos, passa as segundas e quarta-feiras no apartamento da vovó Priscilla. Se o tempo ajuda, os dois aproveitam as manhãs para fazer longos passeios pelo bairro. Durante a tarde, de banho tomado, o garoto constrói edifícios com blocos de madeira, brinca com seus carrinhos e folheia livros de contos que foram do pai. Às terças e quintas, a rotina muda um pouco. Na casa da avó materna, Regina, Pedro se esbalda no jardim, pinta e borda com o labrador Buddy e só toma banho no fim do dia. Às sextas-feiras, as avós se revezam. Apesar dos estilos diferentes, Priscilla e Regina têm um ponto em comum: ambas procuram seguir à risca as recomendações da mãe de Pedro, a arquiteta Gabriela Nakagawa, 30 anos. Almoçar e jantar diante da TV, por exemplo, é proibido. "Mesmo que me sinta tolhida, respeitar minha filha é uma questão de bom senso. Ela está formando a própria família, sou apenas uma contribuinte", diz Regina Nakagawa, fisioterapeuta aposentada de 53 anos. Priscilla Bueno, especialista em sistemas, também aposentada de 58 anos, faz coro: "Jamais deixei o Pedro tirar um único enfeite da minha mesa de centro, ajo como se fosse mãe de novo. Se não me preocupasse em educá-lo, prestaria um desserviço a meu filho e minha nora". Gabriela reconhece o empenho das avós - a ponto de perdoar pequenos deslizes: "Não posso me impor o tempo todo, como faria com uma babá. Mesmo que discorde de certas coisas, respeito a posição delas", assegura.

Na opinião da terapeuta de família Maria Tereza Maldonado, autora de Comunicação entre Pais e Filhos (Saraiva), Gabriela, Priscilla e Regina estão no caminho certo. O sucesso dessa relação tão delicada depende de muita conversa e de uma boa dose de tolerância. "Nem sempre mães e avós vão concordar em tudo. Pode haver um ou outro ponto de vista divergente, o que não chega a ser uma incompatibilidade insuperável. A saída é sentar, discutir e construir uma terceira posição", aconselha.

Foi o que fez a funcionária pública aposentada Ilda Duarte, 67 anos. De segunda a sexta, ela cuida de Ana Clara, 6 anos, estabelecendo normas, porque não quer mimar e estragar a neta. Admite, porém, que jamais será durona como sugere a mãe da menina, a funcionária pública Cláudia Duarte, 39 anos. "Antigamente, ficava louca da vida porque minha sogra fazia todas as vontades das netas e permitia que elas escolhessem até o cardápio do dia. Hoje, me pego cometendo o mesmo erro. O que importa, pra mim, é que a Ana Clara coma bem", explica. Cláudia garante que Ana Clara não fica confusa com as posturas diferentes: "Ela já sabe que, na casa da avó, tem permissão para fazer certas coisas que são proibidas em nossa casa". Tudo bem se o acordo for assim, às claras.

O perigo, alerta Maria Tereza, é quando avó e neto estabelecem pactos sigilosos. "Dessa forma, a avó desqualifica a mãe, o que certamente deixará a criança confusa, sem saber a quem deve lealdade", diz.

A contadora aposentada Maria Elza Mogadouro, 76 anos, praticamente criou três dos oito netos, que hoje têm entre 7 e 22 anos. E revela sua receita para evitar crises familiares: muito jeitinho na hora de negociar com filhas e noras. "Quando vou à casa delas, obedeço rigorosamente às suas diretrizes. Mas, se meus netos vêm dormir aqui, eu dito as regras", avisa. Isso explica por que a casa de dona Elza vive cheia. "A mais velha continua aparecendo para ver filmes com o namorado, enquanto as mais novas adoram receber as amiguinhas. Outro dia, promovemos uma festa do pijama. Espalhei colchonetes no chão da sala e as meninas assistiram à TV até tarde", conta. Para dona Elza, subverter a ordem uma vez ou outra não faz mal a ninguém - opinião de quem já experimentou os dois lados da questão. Na época em que trabalhava como contadora, volta e meia recorria à ajuda da mãe,

Olga, para cuidar dos seus cinco filhos: "Ela passava longas temporadas na minha casa e bagunçava completamente o coreto. Como eu e meu marido não deixávamos que as crianças dormissem muito tarde, ela ficava a madrugada inteira conversan- do com os netos no escuro. Mas, quando ia embora, tudo voltava ao normal."

Tamanha tranqüilidade, segundo Maria Tereza Maldonado, só se adquire mesmo com o tempo. "Como a avó já caminhou muito mais pela vida, é capaz de revisar o papel de mãe. Nada mais vantajoso", garante. Para as mães, a terapeuta dá outro recado: "É preciso lembrar que as avós têm o direito de cultivar outros interesses e que não são obrigadas a estar disponíveis o tempo todo. Considerar alternativas evita stress na família". Por essas e outras, a consultora Shirley Suzuki, 41 anos, fez um trato no mínimo curioso com sua mãe. Dona Margareth Suzuki, 66 anos, recebe um bom salário, verba para transporte e plano de saúde, com direito a férias e décimo-terceiro, para cuidar da neta, Lucia Aiko, 9 anos. O esquema, montado quando a menina tinha 4 meses, funciona sem queixas de ambas as partes. "No começo, a idéia de deixar meu emprego de secretária para ficar em casa me assustou. Alguns meses depois, no entanto, estava perfeitamente adaptada. É uma delícia cuidar da minha neta!", se derrete. Para Shirley, babá melhor não poderia haver: "Minha mãe cuida da Aiko, mas quem educa minha filha sou eu".

FONTE: REVISTA CLÁUDIA ( PAIS / FILHOS )