Redação no vestibular: Tá ligado, muleke?

Você, leitor, deve estar de cabelo em pé. Vamos falar hoje de dois problemas que, na redação do vestibular, saltam da página, agridem o infeliz que está tentando ler o texto e fogem em disparada para uma sala de bate-papo. Bem-vindo ao mundo do MSN e das gírias que circulam na internet.

Transcrição de uma possível conversa:

A diz para B: Tc onde

B diz para A: Aracaju se vc

A diz para B: Tb

B diz para A: Q curte

A diz para B: Cine

B diz para A: Viu o exterminador do futuro eh foda, vei!!

Não me castiguem por não entenderem nada. Provavelmente um aluno da sétima séria traduzirá perfeitamente o que foi dito acima. Mas o que quero discutir com você aqui não é, propriamente, a linguagem das salas de bate-papo ou MSN da vida _ já existem muitos trabalhos no mercado sobre isso _ porém a interferência destes meios na produção escrita.

Esses locais de encontro e paquera são verdadeiros fossos de onde borbulham as maiores atrocidades contra a gramática nossa de cada dia. Preocupo-me com isso, porque já encontrei na produção textual de meus alunos abreviações de você (vc), uso de letras ao invés de acentos, é (eh). Neste pequeno excerto acima podemos levantar as seguintes agulhadas nas aulas de português:

1 – Abreviação: Como a tentativa desses meios é a simulação de uma conversa informal, o “escritor” tende a resumir ao máximo as palavras para evitar perda de tempo. Deste princípio, a velocidade, surgem as abreviações de você, que se transforma em “vc”, do que, que se reduz ao simples “q”, teclar (um neologismo típico da rede mundial de computadores que substitui os velhos conversar, falar, dialogar pela simples ação de apertar uma tecla.) pelo “tc”.

2 – Ausência de pontuação: Os acentos quase não aparecem nos textos. O ponto-final é omitido, provocando aquela aglutinação de orações uma atrás das outras. O de interrogação também desaparece, fenômeno explicado pela presença de pronomes interrogativos que já trazem em si o significado de questão, pergunta. Já o ponto de exclamação surge duplamente para dar uma idéia de reforço, uma atrocidade para a língua escrita.

3 – Desaparecimento da Acentuação Gráfica: A pressa exigida pelo meio mais uma vez explica, mas não justifica o erro. Na tentativa de ser o mais rápido possível, eles excluem os agudos, circunflexos, tis, tremas e crases. Um problema grave que indica falta de domínio da escrita. Contudo, embora deixe claro que é errado o procedimento, os jovens encontram algumas soluções interessantes para a questão da significação de palavras que sem o acento mudam de sentido. É o caso da partícula “e”: sem o acento a partícula é classificada como conjunção coordenativa aditiva, já com o acento (“é”) a mesma palavra passa a ser a forma flexionada do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente do indicativo. A solução é inédita: ao invés de usar o acento agudo na forma verbal, os adolescentes colocam uma letra muda (h) para indicá-lo. A construção “Ele é bom” se transforma, então, em “Ele eh bom”.

4 – O apelo às gírias: Nas aulas de redação, os professores repetem, repetem e repetem que o uso de gírias é crime mortal no vestibular. Além de ser um empecilho à eficiência da comunicação, elas indicam imaturidade e desconhecimento do vocabulário culto da língua portuguesa. Muitas dessas palavras são formas de tratamento que podem ser substituídas facilmente como o “vei” (forma utilizada na internet para indicar a abreviação de “velho”). Outras formas são mais agressivas: chegam a quase esbofetear o leitor. Um exemplo clássico são os palavrões: a palavra “foda”, pode até parecer comum, mas ninguém é obrigado a lê-la.

5 – Adeus às aulas de Ortografia: Lembra-se do título: “Tá ligado, muleke?”? A questão ortográfica é outra peculiaridade desses jovens formatados pelo embriagante mundo digital. Para facilitar a escrita, palavras são decepadas, reconfiguradas: moleque se transforma em muleke. Vale ressaltar que há neste caso um interessante comportamento dos adeptos da comunicação digital: a aproximação cada vez maior da língua escrita culta da modalidade falada, por isso o uso de letras que valorizam a pronúncia dos vocábulos (mo – mu).

Atenção!

Existem gírias que podem vir mascaradas nos seus textos como provérbios e ditados. Fique esperto também para os chamados lugares-comuns: arregaçar as mangas, chutar o pão da barraca, o plano não decolou, etc.

Não se engane!

Quem for corrigir sua redação não conhece a linguagem usada em seu grupo, por isso não adianta reclamar depois que palavras como faloww (gíria usada nas salas de bate-papo) forem cortadas e recriminadas em sua redação. O objetivo primordial do texto é garantir a comunicação entre os falantes de mesma língua. É, neste sentido, que não se deve recorrer aos jargões de seu grupo, pois eles não serão compreendidos por aqueles que corrigem sua produção. O objetivo da modalidade escrita é ser uma forma de comunicação universal que antinja a todos os falantes, independentes da classe, da região e da idade.

Solução?

A primeira ação é ter consciência de que a fala coloquial e da internet são fenômenos diferentes da modalidade escrita da língua. Uma conversa entre amigos é uma coisa. Um texto publicado em um jornal é outra totalmente diferente. São modalidades diversas da mesma língua.

Segundo: releitura. Releia seu texto. Nunca o entregue como o concebeu na primeira tentativa. Os maiores escritores da língua nacional admitem que lêem e relêem seus escritos várias vezes antes de publicá-lo. E fazem isso não só para aprimorar a técnica literária usada, mas também para evitar que erros vulgares manchem a imagem deles frente ao seu exigente público leitor.

Terceiro: Procure ler mais. Tentar escrever sem ter o hábito da boa leitura é um tiro no pé (uso intencional do lugar-comum). Escrever e ler andam juntos, são indissociáveis. Restringir-se à prática de MSN e bate-papo apenas faz com que os vícios do meio atinjam a escrita como um todo. Diversifique ao máximo as formas que você se relaciona com a sua língua. Só assim poderá utilizá-la com propriedade nos diversos contextos sociais.

Fica, então, o conselho: Redação é comunicação.

Valeu e até mais.

Amael Alves Rabelo Júnior
Enviado por Amael Alves Rabelo Júnior em 30/11/2007
Reeditado em 10/12/2007
Código do texto: T759557
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