FAMÍLIA - ESTÁGIO SOCIAL
Demétrio Sena - Magé
Cresci entre pessoas que precisavam muito umas das outras, porque ninguém tinha nada nem de onde arrancar; todos precisavam compartilhar esse nada, em nome da sobrevivência. Todo mundo se importunava sempre. E ninguém temia chega pra lá. Era o sentido literal de todos no mesmo barco. Mas querem saber? Havia muita vida pulsando em nós. Não éramos silenciosos, recolhidos, agarrados a privacidade rançosa e mórbida; rancor petrificado; arrastação de correntes. Tínhamos enorme raiva do mundo e descontávamos muito em nós, mas não éramos sombrios uns com os outros.
Vencer a fome, as perebas, os piolhos e vermes... conseguir estudar e ter trabalho digno, algum conforto material, nunca me distanciaram do que havia de muito bom naqueles anos. Vejo em meus nove irmãos (que também superaram aquele tempo), a mesma visão que tenho. Todos mantiveram o conceito de portas escancaradas e conversas não escolhidas. Perduraram os motivos fáceis, inventados, para os ajuntamentos. E nenhum ajuntamento é formal, cronometrado e ritualístico. Não somos uma academia comportamental. Somos uma família, mesmo. Com todos os destemperos, quebras e colagens fáceis inerentes ao que aprendemos sobre família.
Multiplicamos a comunidade familiar. Hoje abrigamos uma bagunça diversificada que mistura crenças, etnias, culturas, gêneros e visões políticas conflitantes... preconceitos trocados que se resolvem, se reconciliam, porque somos um bando de sem vergonha; matilha sem hierarquia; fauna sem adorações ao mais forte, mais bem sucedido, inteligente ou prestativo. Nossa mãe nos ensinou, como sábia mulher analfabeta, que somos todos diferentes e aí mora nossa igualdade ou necessidade mútua. Não pode haver continências a status em família. Basta na sociedade externa.
Hoje é sobre minha família. Não sobre o mundo. Quem quiser aproveitar para refletir sobre sua família e a sociedade que a cerca, fique à vontade. Mas é sobre a minha família.
... ... ...
#respeiteautorias É lei.