SAUDADE DA SAUDADE

É saudade de ti. Se tu me visses

Neste enlevo de tanta nostalgia,

Bem possível ficasses a meu lado

Pra que a dor da saudade inexistisse.

É saudade que faz a noite fria

Na tristeza da chuva e seu recado

De que tudo na vida é vã tolice

E a aflição por viver — mera utopia.

É saudade tamanha. Estou fadado

A sonhar que tu voltes. Se me visses,

Estou certo que nunca partirias;

Viverias o amor sempre a meu lado.

É saudade a goteira. A chuva disse

Que a saudade faz parte da poesia,

E a poesia do peito apaixonado,

E a paixão de um momento de tolice.

É saudade de ti. Versejaria

A saudade que tenho suportado

Para sempre, se tanto não dorisse

Essa dor que a saudade principia.

É saudade de ti sofrer calado;

É saudade de ti tudo o que disse;

É saudade de ti tal nostalgia,

Ecoando em silêncio o grito dado.

É saudade dos gestos de meiguice,

Do perfume suave, da ousadia.

É saudade dos beijos não beijados

E das coisas bonitas que eu não disse.

É saudade das nossas melodias

E dos versos apenas murmurados;

É saudade até mesmo das mesmices

E das coisas mais simples que dizias.

É saudade. Saudade da saudade:

É saudade de ti tudo o que eu disse...

Itapecerica da Serra, março de 1990