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O que ouves de mim não sou eu, é meu canto. E o meu canto é o que me dizendo cala-me. Meu canto é a couraça que me reveste e me distancia de ti. Eu sou o eco, aquilo que está por trás do canto, aquele som perene das várzeas, aquele mudo marulhar de vagas dentro do peito, aquele som que cada coisa do mundo grita em silêncio: grito contido e contínuo para que não ouças e nem te esqueças de ouvir. A chuva que me lava da noite soturna é na verdade o sangue de alguma estrela apunhalada pela solidão cortante dos astros. Dorme... Não me queiras ouvir, antes tapa os teus ouvidos, apaga tuas candeias acesas sobre a face com um sopro de silêncio. Então sonha com um vento impetuoso dentro da noite fria, segue o curso desse vento pelas margens taciturnas, vê como ele corre feliz ao encontro do seu fim, ele será nada daqui a dois segundos, talvez a lembrança emaranhada de uma flor que numa noite fria sentira o álgido vazio roçar-lhe o flanco e ouvira vagas vozes a soluçar-lhe afagos em silêncio: a saudade, pela súbita evasão... Sê esta flor e me ouvirás.


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