Personagens da minha infância

Curti muito minha infância. Até hoje guardo boas recordações de alguns personagens que compartilharam direta ou indiretamente no meu convívio social daquela época. Eram pessoas comuns, mas com fortes características físicas ou até mesmo mentais, que fizeram de certa forma, estabelecer boa parte das minhas opiniões existentes até hoje. Dessas várias pessoas, que já passaram pela minha vida, vale destacar:

O sorveteiro Aboud, um senhor de mais ou menos 150Kg (pelo menos era o peso que eu imaginava que ele tinha). Hoje seria natural ficar lado a lado com ele, mas naquela época... Eu com apenas seis ou sete anos, para mim ele era um gigante! Um gigante negro que me dava medo, mas aos poucos conquistou minha confiança. Sempre pontual naquele horário vespertino. Era só esperar, ele nunca faltava! Seu apito era ouvido ao longe. Logo as pessoas já avistavam aquele seu jeito de andar desengonçado próprio e único. Uma mistura de pinguim com o Chico Anísio na entrada dos shows, acompanhado da melodia do seu apito. Um extraordinário contador de estórias. Outra pessoa inesquecível era a Maria “louca”, uma mulher de mais ou menos trinta e poucos anos, totalmente pinel. Naquela idade, minha alegria e da molecada, era xingar e correr da Maria louca. Uma hora depois, ela já nem se lembrava de mais nada. Daí a molecada chegava de novo e... Já viu né! Só parei mesmo de mexer com ela quando um parente dela, bem mais velho do que eu, me encheu a cabeça de “crocks”. Minha cabeça doeu muito, mas refleti no assunto. Hoje, em minha opinião, imagino que a Maria gostava muito daquilo tudo. Depois das pedradas que atirava na gente, soltava um harmonioso sorriso, destacando aquela enorme boca banguela, com aquele cabelo totalmente despenteado, caindo sobre seus ombros, vestindo aquele modelito de vestido com tecido chita. E o “Carrapato”, um senhor de mais ou menos sessenta anos, andarilho, fedido, que ao passar pelas pessoas, atirava uma rajada de cuspe. Ele tinha uma técnica própria para sua performance: cuspia nos seus dedos indicadores e anulares (em forma de gancho e agilmente arremessava o liquido acertando as pessoas à distância. Ele era a sensação da molecada! Todos os dias que ele passava, apostávamos quem tinha coragem de xingá-lo de “carrapato”. Ele odiava! Quem chegasse mais perto sem levar a cuspida era o grande vencedor. Ele também não batia muito bem da cachola. Outra pessoa da “hora” era o “Estica”. Um rapaz louco, com um jeito afeminado, que atendia aos comandos dados pelas pessoas. Esses comandos eram para ele tocar uma bateria imaginária, outro para dar um pulinho, outro para pular e esticar seu braços (daí surgiu seu apelido). Seu jeito de andar era muito engraçado: ele andava com as pernas à frente do seu corpo com um braço apoiado na barriga e com o outro coçando o queixo. Ele era muito alegre e sorridente. Ele nos fazia rir mesmo sem sair do seu mundo. E o “Wadinho”, o bêbado mais querido do bairro. Adorava sentar na esquina no meio da molecada e contar suas histórias. Assim que terminava, dava várias gargalhadas e depois caia aos prantos. Dormia ali mesmo na calçada! Dona Aparecida, sua mãe, pedia para a molecada ajudá-la a carregá-lo até sua casa. Era a alegria de todos!

Sinto muitas saudades daquele tempo...

Sóstenes de Souza
Enviado por Sóstenes de Souza em 15/05/2020
Reeditado em 15/05/2020
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