A POSTERIDADE É UMA INCÓGNITA

(para Gérson Severo Alves, em Torres/RS - 2003)

Querido e dedicado poetamigo! Saúde e Paz. Que os teus estejam bem, com saúde e harmonia, que isto é o essencial.

Com algum frio, chuva e ausência absoluta de sol, olho pela janela e imagino que Torres deve estar triste. Ando com muita vontade de dar uma chegada por aí, mas diversas ocupações me prendem aqui na capital.

Neste final de semana vamos ser – eu e Andréa – padrinhos de casamento de um casal de amigos, em Pelotas. Daí que se foi a possibilidade de estarmos juntos. Havia me esquecido do compromisso. Não fora a chegada do convite, somente nos daríamos conta em cima da hora.

Estas coisas prosaicas me cansam, não me dão nenhum prazer. Ainda mais testemunhar casamento, nestes tempos em que os nubentes casam e logo, por dá cá aquela palha, separam-se. E quantas vezes temos vontade de dizer: – Não façam esta besteira! – Fiquem juntos, não precisam sacramentar o que nem os corações fixaram!

Certos estão os jovens modernos que apenas ficam com o seu par! Ao menos, assim, vivendo junto, ficando, descobrem que o viver junto é aturar tantas coisas que nunca faríamos em momento anterior ao ficar.

Padrinho vem da palavra latina pater e quer dizer pai, padrinho é aquele que mesmo não sendo o pai está no lugar dele, protetor, patrono. Mas, o “ser padrinho” tem as suas vantagens quando o seu pupilo é um poeta. E ao padrinho se exige cuidado próprio, principalmente quando o autor se inicia nas Letras ou assume a sua condição de escriba. O padrinho, que é o mesmo que paraninfo, tem de paraninfar o seu formando. No mínimo, instigá-lo a escrever cartas. Como o faço agora.

Assim me ensinou o mestre Hugo Ramírez, lá por volta de 1978, quando eu lhe perguntava como poderia escrever melhor. Ele sempre me dizia: – Escreva cartas! Muitas por semana! Agora o entendo. Assim, deduzo: se o nosso ofício é a briga com a palavra, temos de estar em contenda, em antítese, a todo o momento. Temos de estar a exercitar o cérebro, que, como todos os outros órgãos, é preguiçoso e castrador do que temos de fazer, principalmente naquilo que sabemos vai ser consumido, examinado e criticado por outras pessoas. E aí vêm os temores, os medos. A gente nunca gosta de estar sendo julgado, mas o estamos a todo o momento!

É necessário conviver com o desafio do presente e o da posteridade. Esta é mais dura do que o presente, porque aí ninguém mais tem pejo de evitar dizer algo que molestaria o autor, porque, a estas alturas, o autor está morto e não se pode defender de viva voz. Mas a Palavra de um autor exercitado é a sua voz definitiva, vivo ou morto!

Segue algum material de interesse:

l. Livreto “Remexências”, obra singela, capa de papel, 45 páginas, despretensiosa desde a sua apresentação gráfica, mas de alto valor literário. Anexei a crítica (altamente positiva) que fiz à obra, em carta ao autor, datada do último dia 15. Aliás, tecnicamente, é um folheto, opúsculo, panfleto ou livreto. Veja-se o que diz o Aurelião: “É variável o número limite de páginas do folheto: nas bibliotecas brasileiras, vai, em geral, até 100 páginas; a UNESCO assim considera a publicação não periódica que conta pelo menos cinco, porém não mais de 48 páginas, excluídas as capas.”.

2. Folder sobre o I Jantar-baile dos Destaques Culturais do RS 2003, evento que estamos desenvolvendo pela ALGA e acusa o envolvimento de mais três associações culturais, e que ocorrerá no dia 12 de setembro p. vindouro. Convida os nossos amigos daí de Torres.

Eu gostaria que se fizesse presente uma turma daí, talvez os nossos companheiros escribas do “Ler & Cia”: Zé Nilton Teixeira, Nelson Saraiva, Nelson Adams, Cláudio Leal Domingos; Zé dos Santos, Gislaine e Gaby Colares, a turminha do Jornal do Mar.

Que não esqueças do casal Inaudi e Roseli Ferrari e a sua filha Juliana. Alexandre Marques, o poeta e pizzaiolo do Rest. Manjericão. A Vera Prates, Rosânea Martins e Ivone Ferraz, que parecem gostar de festas de alto nível (como é de seus tratos sociais), seriam imprescindíveis. E outros amigos locais que o associativismo poético irá te colocando no caminho.

Vamos ter pessoas de todo o interior do estado, homenageados e suas comitivas, o que permitirá um evento de alto nível cultural e, podes ver pelo portfólio anexo, que no dia 13, sábado, vai haver, a partir das 10 horas, um chimarrão cultural, com recitação de poemas e outras performances, culminando com um almoço ao meio-dia. É, na verdade, a apresentação da Casa do Poeta, do Escritor e do Artista Brigadiano à comunidade cultural. Criamos a POEBRAS BM em dezembro passado e o ato representa a sua inserção nesta fatia da sociedade.

3. Segue o meu recente poema “Comunhão de Alma”, com o qual saúdo o Dia do Amigo, 20 de julho, transcorrido anteontem.

Com estas informações vou te inserindo no contexto associativo-cultural, pondo-te a par do que está a ocorrer, possibilitando que estejas habilitado a atuar com qualificadas fontes.

Recebi tua amável carta manuscrita, com uma letrinha de causar inveja a muita gente – clara e legível – com uma limpeza pouco comum aos poetas, os quais normalmente não se dão conta que estão lidando com Beleza, com Estética e não têm cuidado com os seus escritos, principalmente os manuscritos pessoais e epistolares. Gostei de tua presteza em responder a minha missiva e isto me estimula. Vês a rapidez com que te contesto a última?

Entendi tudo muito bem, e amigo precisa entender o amigo. A recíproca tem de ser verdadeira. Sei de teu valor pessoal e fiquei feliz em saber que a tua convocação para a reunião no Restaurante Manjericão, no primeiro encontros dos artistas de Torres, serviu de estímulo para acreditares mais na Poesia e na caminhada que estás a iniciar com muito sucesso e dedicação pessoal, passando por cima de tantas adversidades.

O trabalho com o projeto “Poesias de Bolso”, materializado pelo teu libreto “Arte Peregrino” vem consolidando em meu espírito inquieto e solidário a certeza de que somente tu tens o perfil de ativista que a POEBRAS necessita ter em Torres, acrescendo os naipes locais.

Com esta intuição em minha cabeça, tenho procurado estimular e te passar tantas prospecções literárias e associativas. Este será, por certo, o desafio para o futuro, quando estarás consolidado como respeitável ativista cultural local. Mas vai com cuidado! Há muita gente que confunde talento e trabalho com disputa de espaço!

Afinal, um dos virtuais líderes da POEBRAS-TORRES precisa ser comedido, paciente e articulador. Isto é desafio para quem teve escola no sindicalismo! Entendo que tens o perfil ajustável para a instalação da Casa local. Mas precisas resolver alguns problemas pessoais de sobrevivência. Numa cidade como Torres, a classe média defende o seu espaço com unhas e dentes, e aglutinar artistas significa mexer com muitas vaidades!

É duro ter de dizer isto, mas os do lugar comum da vida, aqueles que geralmente têm a visão burguesa – os quais nem sempre precisam trabalhar por dádiva de família e outros quetais – ficam a malhar os que estão desempregados. A visão que têm usualmente é a de que os artistas não gostam de trabalhar e vivem nas costas dos outros. Por este mundão de Deus há muito poeta com esta pecha! O pior é que muitos realmente não querem nada com a bola!

Aproveita as correções sobre os textos para a nova edição do “Arte Peregrino”. Os apreciadores da arte poética que o adquiriram, saberão que ele é matéria viva – como convém à boa arte – e que o seu autor está comprometido com a literatura e com a vida. Mudanças, correções nos textos de poemas só ocorrem entre autores que percebem o futuro, a posteridade que pode ou não nos postergar.

Por certo teremos muitas coisas por fazer juntos, na literatura e no associativismo cultural. Por ora é cuidarmos da Amizade, esta Flor do Tempo, plantinha que nasce regada pelo Amor Universal.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/1110064