SAUDADES DA MURRINHA

SAUDADES DA MURRINHA

Pensei escrever uma carta tipo "crônica" no meu blog sobre você. Mas não vou fazer, porque ainda acho a melhor carta é aquela que deixamos de escrever pela possibilidade do contato olho no olho. Pois sei muito bem que os amigos não podem perder essa possibilidade. Afinal, já somos muito invadidos pelos e-mails eletrônicos, pelos "muros" que a sociedade dita moderna nos impõe. Contudo, pela dificuldade do encontro, pois a geografia nos separa, sinto vontade de vociferar, de abrir o verbo utilizando as letras como "bode expiatório". Portanto, topo em remeter esta que estou chamando de carta, instigado pelo texto de Gabeira. Menos pelo que ele escreveu em si, mais pelo que deixou de escrever, ou seja, pelo que você escreveu sobre o escrito dele, subliminarmente entendido.

Percebo você, ultimamente, com muito rancor. Gosto de ti revolucionário, mas feliz; rindo de si mesmo, mas irado e motriz: da vida, do amor, do prazer e até da dor. Porque és semente de primeira linha que não espera inverno bom pra germinar. Você é uma das mais completas traduções de cabra macha nordestino sem ser machista. Apenas no sentido do brio, do sangue no olho, da inteligência emocional aguçada.

Talvez dissesse nessa ainda que você é substrato do néctar bom da cepa de SERRARIA-PB que a capital pernambucana se encarregou de cuidar. Talvez dissesse que o destino não te desfolhou, porque não se desfolha fácil e com fatalidade, um cara tão sério, tão amigo, tão fraterno, tão tão... Talvez não dissesse nessa pretensa construção literária que você está precisando de colo, porque eu teria que dizer quem te daria esse colo. Talvez eu, sim, como um dos seus melhores amigos, mas talvez não, pela condição do colo que se liga ao ente materno, ao ventre, ao beijo da mulher amada. Melhor pra mim é dizer que precisas de cafuné, pois este até eu posso dar: sob forma de música dolente, para que tudo não passe de brincadeira que vai crescendo, crescendo, absorvendo e de repente, se vê assim completamente seu, como na canção de Peninha. "Seu" na forma de meu, pois aos amigos se debitam essa conta da conta que fazemos pelo afeto dos que amamos. E esse amor não deve rimar com dor, mesmo que se instale a dor no processo mais sutil das nossas acontecências.

Talvez eu também não te dissesse que a nossa vida, como as estações, têm suas peculiaridades. Talvez poucos tenham o preparo para viver na lógica das estações, pois implicaria na configuração de todas num mesmo universo chamado inverno, verão, outono e primavera. Penso que você não está preparado para seus outonos, posto que ainda te vibre o soar dos clarinetes do inverno, pelo prenuncio do verão. Esse verão das flores mais cheirosas, dos ventos mais brandos como que brigados com os de agosto. Não consigo, caro amigo, ver no seu rosto com clareza os outonos existenciais. Foco na minha mente teu viço no sol de verão, mas não te configuro fora do contexto da vida plena que mais se consolida no "meio-dia-de-nossas-existências".

Talvez eu não precisasse expor na minha suposta crônica - forma simples de um amigo declarar seu amor pelo outro seu grande amigo, que a vida é mágica. Mas nós nem sempre somos decodificadores hábeis o suficientes para flagrar seus momentos ímpares como este, que me deparo contigo neste laptop pela fustigação dos nossos seres ora em festa, ora inércia, ora limbo. Nesse limiar, interpõe-se o tempo pelas suas pegadas nas nossas areias não mais tenras, mas areias legítimas que nos sustentam como prova das nossas construções interiores.

Talvez eu tivesse que te dizer nessa crônica: "se você fosse candidato a Presidência da República, eu não votaria em você". Assustou? Explico: como era que meu amigo que nasceu para o amor das mulheres do mundo todo, amantíssimo de "XIBIU", romântico à moda antiga (não sei se manda flores), crítico contumaz da política, poeta popular de primeira, nascido na pequena cidade paraibana de Serraria, Economista por convicção de sobrevivência, mas POETA da existência absurda, iria conviver consigo mesmo sem poder se auto-flagelar falando mal dos presidentes? Eu até acho que muita coisa do Planalto está errada, mas talvez me falte elementos para melhor análise. Raciocino: Jânio Quadros renunciou. Getúlio se Suicidou. Jango foi deposto. JK exilou-se igualmente. Deve, realmente, ser misterioso demais o exercício da Presidência da República. Talvez D. Milú tenha razão: mistério!

Finalmente, talvez eu tivesse que te dizer que não tenho garbo, nem me gabaria do Gabeira. Ele andou pisando na bola e provou que não é tão tolinho assim. Parece mesmo que a gente fica com a sensação de que tudo está perdido, diante de tanta raposa tomando conta do galinheiro. Talvez seja o processo de depuração social que esteja em curso no Brasil, pois o brasileiro até sabe votar, mas o que ele não tem sabido é escolher bem. Por isto não votava em você, pois não iria te ver falando de si mesmo. Seu lugar é na boêmia, na noite, na ponta do lápis fazendo poesia, na mão que nutre o afeto.

Agora eu digo: tô com saudades de vocês: Fatinha, Romero, Rodrigo e tu, murrinha.

Um grande abraço!

Csena, dos arre(dores) de BOA VIAGEM, NO RECIFE-PE.