CARTA AO POETA
 
Alô, Poeta! Há quanto tempo não falo com você, hein? É que eu estava esperando por um momento especial. E agora que ele surgiu, decidi fazer esta ligação, “bater um fio”, como você mesmo costuma dizer.
 
Logo nesse dia, poeta, 24! Pô! Será que sua mãe não poderia ter antecipado ou adiado? Ou foi você que pediu? Mas, deixa isso para lá.
 
Não. Não vou deixar. Quando você era garoto, praticamente obrigava a que seus familiares dissessem que havia nascido no dia 25. Prova disso é ainda guardar um cartão (aliás, isso não constitui novidade, você guarda todas as cartas que já recebeu) que Hermes, seu irmão, mandou com os dizeres: “Salve 25 de outubro!”.
 
Vamos ao que nos interessa. Hoje é seu dia, dia do seu aniversário. Vamos deixar de gozações. Qual é, você gosta muito de curtir com a cara das pessoas, portanto, aguente as pontas.
 
Você me confidenciou certa vez que não aceita com naturalidade, quando alguém o chama poeta. Nesse caso, se estou insistindo muito, desculpe-me. Sei que costuma argumentar que, quando assim é tratado, não vê em verdade elogio, mas uma ofensa aos grandes poetas como Drummond, Quintana, Augusto do Anjos, que você curte muito. Porque, segundo você mesmo, eles é que são verdadeiramente poetas.
 
Gostaria que você refletisse sobre algo: tanto faz o oceano como uma gotícula de orvalho, ambos são água, embora a diferença de tamanho seja imensurável. No seu caso, que mal haveria se alguém o chamasse poetinha. Não importa, Figura, você é poeta também.
 
Pois bem, P-o-e-t-a, sua cabeça é meio complicada ou simplifica demais as coisas e aí acaba se perdendo.
 
E no amor, como vai? Sei que tem uma namorada, não é? Sabe de uma coisa? Há horas em que o acho meio volúvel, mas, por outro lado, penso que estou sendo injusto, afinal, só tem pintado teleamor. Creia, isso vai melhorar.
 
Sei também que neste dia você gosta de relembrar seus tempos de criança no Alto da Igrejinha, na Sambaíba. Há uma fase que me parece inesquecível. Você, garoto ainda, gostava de desafiar sua avó, dona Josefina, carinhosamente chamada Afina, para queda-de-braço. Ela sempre levava a melhor. Os dias, no entanto, foram passando, minavam-lhe as forças e você crescendo e, numa dessas tentativas, acabou por vencê-la. Ela aceitou a derrota e assim justificou-se:
 
– É, meu netinho, você tá ficando taludo, homem feito e eu ficando velha, sem forças. Mas, é isso mesmo, apesar de perder, me sinto jovem porque você e seus irmãos são minhas alegrias.
 
Isso se passou há muitos anos e ela, Afina, continua vivíssima com seus quase 94 anos a completar em 15 de novembro de 1995, para que ninguém o chame mentiroso.
 
Amigo Poeta, a gente vai falando, falando, entra num clima de nostalgia... Mas o que quero mesmo é felicitá-lo. Parabéns por mais um ano de experiência sobre seus ombros, tá certo?
 
Telefonema não está barato, ainda mais Discagem Direta ao Infinito  (DDI). Portanto, desligo. Até outra oportunidade, porque nunca vai faltar. Afinal, eterno sou eu. E outro dia hei de encontrá-lo ainda que seja após a vida. Aliás... Hei de encontrá-lo muitas vezes ainda durante esta vida materialíssima.
 
E t e r n a m e n t e,
 
Tempo.
 
Em tempo: Josefina Afonso de Almeida é neta do fundador de Santa Maria da Vitória, Cel. Joaquim Afonso de Oliveira, última descendente mais próxima do mesmo. Nasceu no dia 15/11/1901 e faleceu em 19/05/1997, aos 95 anos. Esta carta foi "recebida" em 24/10/1995, dia do meu aniversário, quando completei 38 anos.