Carta ao meu amigo luso Dias Sabrosa

Rio de Janeiro-RJ, no dia que a vida passa e a memória trata de recordar os bons momentos...

Olá, meu caro amigo Dias Sabrosa...

Como andam as coisas aí em Setubal? Tudo certo?

Aqui no Rio de Janeiro tem sido razoável. A vida tem corrido rotineiramente. É aquela correria que você sabe como vive um indivíduo, em uma metrópole, assoberbado com compromissos, agendas e tarefas, a ponto de quase me despersonalizar e tornar-me apenas algo e não alguém. Coisificam-nos e fazem de nós apenas objetos úteis para uma ou outra atividade. Não sei se acontece contigo, mas deve acontecer algo parecido com os amigos que você tem no Porto, em Lisboa ou até com seus "hermanos" hispânicos de Valência e Sevilla.

Bom. Até que no Rio estava acostumado com o grau de violência, mas parecem que as coisas pioraram com a ida de um novo Governador. Jovem boa pinta (claro!), porém muito imaturo politicamente. Se cacifou com a terceira idade e hoje nem mesmo consegue proteger a integridade física deles. Ele, com certeza, é diferente do nosso Sócrates, um homem sério, com espírito público arrojado, zelando pelo bem de Portugal.

Por conta desse jovem no Palácio Guanabara, estou tendo que mudar um pouco os meus hábitos. Embora o Rio, como "Cidade Maravilhosa" sempre fosse violento, como qualquer outra cidade, não tinha o clima de guerra civil oficializada como existe hoje. Antes eu podia ficar em um trailler, com a minha namorada, até à meia-noite ou uma da matina, entre os lanches, as conversas e nos olhares. Tinha mais tempo para tirar para mim, para o meu amor e para os meus amigos. Atualmente, não. De uns quase seis meses pra cá, vivo para o trabalho, naquela neura que sempre eu condenei e que criticava, com minhas piadas, os paulistas, mas que hoje sinto na pele.

Sabe, Sabrosa... isso tira cada vez, gradualmente, a vontade de viver e de me motivar. Nem mais sonho com o meu país e tenho medo de falar, porque se expôr minhas idéias, muitos vão me chamar de "maluco" ou de "Policarpo", em homenagem à personagem folclorica de Lima Barreto (se você não leu, recomendo o livro quando for telefonar para você). O que penso hoje, mal e porcamente, é, pelo menos, ter os meus direitos individuais mais fundamentais. E dentre eles, o principal: o DIREITO A VIVER! Nunca imaginaria que eu, um socialista, assim como você, teria que hoje retroceder às concepções liberais, por conta da onda de violência que assola e que pode, acidentalmente, abreviar minha vida, meus sonhos e minhas aspirações.

Pensava sempre que a liberdade e o direito de viver era não um fim e sim o meio para termos uma sociedade fraterna e calcada na justiça social. Mas com a violência atual, onde esse jovem governador é guiado pelas idéias da sua concorrente derrotada e de um gaúcho voluntarista, mas inerte, na Secretaria de Segurança, quem sente na pele sou eu e mais de 17 milhões de cariocas e fluminenses.

Você deve estar bem aí, Sabrosa. Imagino o seu esforço intelectivo para entender a minha realidade, pois aí deve ser muito tranqüilo. Você tem tempo para viver com a sua mulher, com seus filhos, indo às rodas de poesia, dançando o seu fadinho e curtindo os jogos do seu Benfica. Queria eu, no Brasil, curtir um pagodinho, voltar tarde do jogo do Flamengo no Maracanã, transitar de um lado para o outro, tendo a certeza de que nada aconteceria comigo.

Pena que a realidade daqui nem sempre condiz com a sua realidade.

Aliás, muito distante por sinal.

Quando você vem ao Rio, Sabrosa?

Cara, você é o único português que não gosta do Vasco da Gama. Como você se sente na comunidade lusa aqui no Brasil. Não sei se você sabe, mas o Zico, filho de um português, foi o maior ídolo do arquirival da clube cruz-maltina.

Bom... se você não tiver medo da violência do Rio e quiser me ver, ótimo. Mas senão, talvez em 2011, quem sabe. Mas para todo português sem temor e com denodo como você, já que seu gen vem dos grandes navegadores lusos, nada melhor que você se aventurar e ir às "Índias" cariocas.

Leve um forte abraço! Como diz o nosso grande amigo Salomão, "em todo o tempo ama o amigo e na angústia nasce o irmão."

Toda a honra ao nosso Deus!

Conte com a minha amizade e com o meu apoio!

Viva Brasil! Viva Portugal! Viva o socialismo luso-brasileiro!

Viva o Flamengo! Glórias ao Benfica!

Um abraço, Sabrosa e, desde já, aguardo a sua resposta por telefone ou por mensagem no meu correio eletrônico. Agora já se deixou o manuscrito feito pelo próprio punho, para tornar-se um manuscrito virtual, teclado pelos próprios dedos.

Um abraço do amigo de sempre,