Carta póstuma do meu tio Josemar

Olá, meu sobrinho Wendel...

Como andam as coisas aí?

Desde que se passaram 17 anos de muitas saudades, gostaria de saber como andam os meus conhecidos e parentes. Diante do abismo colossal entre os que vivem e os que já partiram, o fato é que, mesmo diante de tantas mudanças, a essência do caráter das pessoas continua, sendo boa ou má; entre o correto, o amoral e o hipócrita.

Passaram-se 17 anos; no entanto, a vida é igual, nessa ciclicidade que muda as pessoas, os eventos, os espaços e as circunstâncias. Todavia, a essência que as motiva são as mesmas.

Wendel, sempre quis desfrutar o melhor da vida. Entretanto, os meus curtos 30 anos de existência não permitiram isso. Gostaria de ter casado com alguém. Viver com ela intensamente. Ter um filho, ao menos, para deixar a minha marca, meu legado e a minha pujança, enquanto homem da família dos "Pinheiro Lima".

Não pude, é fato, cumprir aquela promessa que fiz a você de te levar no Maracanã no jogo do Mengão. Gostaria muito de fazer isso. Aliás, sempre gostei e orgulhei de ter sobrinhos como você, a Érica, o Michael, a Aline e a Sarinha. Lamento amargamente a oportunidade de não conhecer a fundo os outros sobrinhos da Bahia... Deise, Fabrício, Júnior, Darlan, Dênis, Vinícius, Silvinha, Felipe. Queria ter abraçado cada um deles e sentá-los numa roda para contar as piadas, as resenhas e confidências que tínhamos juntos. Fazer cada um deles comer aquele prato bem "aparaibado" que a gente curtia... aqueles dois ou três ovos cozidos com sal, misturados com a farofa no prato e regados com Pepsi ou Guaraná.

Bons tempos...

Quando eu morri, eu vi lá de cima, na glória, você deslocado e isolado. Parecia que aquele dia do enterro sepultou seus sonhos. Lembro-me que por mais a Zélia tentasse te enganar para te proteger, ao falar que eu tinha ido para Volta Redonda, o fato é que você sentiu o baque e a perda. Sem chão e com muita dor de um infante-adolescente, em seus tenros 11 anos, você não via outra coisa a não ser a perda de um tio que sempre te admirou como gente.

Eu me orgulho de você, Wendel, pelo que você é.

Saíste melhor que a encomenda, meu jovem.

Quem diria, hein... você, brizolista. Só Jesus...

E o velho Claro? Anda ainda te implicando? Parece que a cachorrinha lá de sua casa fez uma boa terapia com ele. Ajudou-o a ser mais sensível e atencioso. Pudera... ele merecia, depois de tudo o que passou. Precisava ter, no mínimo, alguma coisa que proporcionasse a ele afeto e a vontade de viver, bem mais que a dureza da vida.

Wendel... sei que tenho sido um pouco longo na carta. No entanto, como eu sei que você adora ler (e compor poemas também), queria apenas dizer o quanto sinto falta de você, dos meus outros sobrinhos, das minhas irmãs e da minha mãe. Pelo menos, para consolo, meu pai chegou aqui faz pouco tempo e falou do orgulho de ter tido filhos e netos que fizeram ele descobrir um sentido maior à vida.

Coisas de falecido, com o excesso de nostalgia...

Despeço-me de ti, mas em sua lembrança, leve em sua memória as boas recordações, dos tempos de domingo em que víamos a Formula Um. Eu, de um lado, torcendo pelo Senna por conta da sua técnica e maestria e você, obstinado, torcia pelo Piquet, por causa da sua raça e disposição. Lembre-se dos bons momentos e dos nossos passeios.

Cuide dos seus e de um mundo mais justo, em meio a "lei do cão".

Ame a Deus! Cuide dos seus pais!

Lute pelos ideais (ainda que, para alguns, sejam eles "inviáveis").

Defenda o seu país! Acenda sempre a sua utopia e seus sonhos (quem não tem, pode contar que está dando um passo para o outro lado).

Ame o seu amor e dedique-se a quem tu amas!

Viva intensamente (pois vida só tem uma). Porém, seja responsável pelas suas ações e pelos que te cercam. Seja um espelho do amor, da justiça, da paz e da mansitude divina.

Um forte abraço do seu saudoso tio,

Josemar Pinheiro Lima

Post-Scriptum: Fale para a minha prima Rute que, aonde ela estiver, o meu coração estará ligado sempre a ela, viu!? Não se esqueça!