CARTA BOBA

Não lhe apago do peito por medo.

Medo de que com seu evanescimento, as palavras também se ausentem de mim.

É esse desejo estúpido que anseio dividir com a humanidade; o de que, com seus vestígios em meus versos, todos possam reconhecer e validar a cada letra a presença desse sentir estúpido e desconhecido que lhe devoto.

Talvez meu medo seja este: que o desconhecido só possa ser descrito no palpável.

Que seja impossível escrever qualquer coisa que valha sem sentimentos, mesmo que bruto, desgastado e ultrapassado, assim como o desconhecimento de todas as reais relações com que me perdi num mundo sem volta.

Tornei-me ou fiz-me dependente seu.

Com olhos, boca e ouvido, meus sentidos buscam sentido em seus grandes olhos; busca vã por reconhecer-se, num espaço cujos sentidos captam somente fragmentos do derredor.

Puro egoísmo.

Talvez lhe odeie por isso; por não saber se em realidade trata-se de ódio ou amor; talvez seja da minha tola simplicidade a razão de tantas elucubrações.

São buscas inúteis de certezas que não existem que não num mundo arquitetado em egoísmos e bobagens, como todos os que são egoístas e tolos.

E simples.

O que me dói é a inutilidade de não ter vivenciado, da nunca transgressão ensandecida pela cegueira renunciadora da paixão.

Trago por únicas certezas, as que, agora, olhando esse passado de ignorância, certificar-me do desespero dos que nem mais podem, ao mínimo, serem taxados de justos.

Estou perdido sim, mas perdido nesse excesso de exigências com as quais arquitetaram o mundo; e o preencheram nos mínimos detalhes de metafísicas e epistemologias, nada mais que o resultado da desunião das milhares de buscas dos que, um dia como eu, foram simples e não vis e desejaram.

São suspiros de decepções dos tolos que, como eu, seguiram em rebanho a um matadouro; sem esperanças, sem força, sem coragem.

Talvez não lhe nutra nenhum real e verdadeiro sentimento.

Talvez esteja, como muitos, apenas reproduzindo e interpretando um papel vazio, pura busca desesperada em escrever com o sangue das próprias veias uma história diferente em seu colo.

Ou talvez, como Prometeus, insista em trocar minhas entranhas por verbos que possam definir o abstrato das coisas do sentir.

Talvez seja apenas mais um narciso, em busca de um reflexo com o qual possa olhar e avaliar a si próprio, e sonhar um sonho no qual se veja um super-herói, que voa, com força sobre-humana, sobre todas as tolices inventadas pelos homens.

Nem que seja nos espelhos dos primeiros grandes olhos com os quais possam se ver.

Lâminas de lágrimas, veias, sangue e imagens.

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Bobagens, bobagens, bobagens!

Como todas as certezas que têm os rios, que julgam conhecer o céu e a lua por ter-lhes o reflexo nas próprias águas...

Esqueça. Esqueça...