O LEITOR SILENCIOSO

Estimado LB, confrade pejado de juventude e também (como eu) condenado a pensar e a dizer. Que estejas bem na plenitude dos teus afetos. Também em paz contigo mesmo, coisa difícil para os espíritos inquietos, e por isso mesmo capazes de deixar algo ao Outro que seja passível de alguma reflexão. Sim, tenho te acompanhado nas publicações feitas no Recanto das Letras, somente não tenho deixado comentários, porque percebo que ainda te falta aporte de leitura para que venhas a ter uma construção poética mais sólida, mais adentrada na alma humana, com mais chance de que possa interferir no plano da realidade, apresentando a proposta poética com tal veracidade e talento a ponto de que possa vir a ser recebida como se o assunto contivesse aporte verídico capaz de empolgar o leitor. Se bem que, em princípio, as colocações ou assertivas literárias não se destinam a interferir no processo da realidade fática, tanto que se assentam na farsa, na fantasia e no sonho. Tudo para propiciar o enfrentamento do mundo em suas eventuais hostilidades e lograr produzir dentro de si uma sensação prazerosa que conduza à felicidade pessoal. Porque, no decurso do viver, só há algo definitivamente altissonante: um estado de felicidade que naturalmente permita ou assegure a possibilidade de que alguém possa vira a ser realmente feliz. E o ato de escrever pode produzir isto nos dois polos da relação literária: o poeta-autor e o poeta-leitor. Eu não sei fazer apenas agrados e tecer loas e elogios a autores de textos. Entro dentro deles e o caminho tem de ser uma proposta de convívio, linguagem de confraternidade e de recriação do mundo pessoal a partir de uma mera sugestão, especialmente em poesia que é a minha “cachaça brava”, e com a qual inocente e corajosamente me embriago às últimas consequências, porque é este estado de compactuação literária que permite pressentir o dia seguinte e me fazer forte para poder vencer a hostilidade diária, mormente nos atuais dias voláteis da modernidade líquida. Como tens apenas 16 anos e, naturalmente, pouca trajetória no mundo dos fatos e no estranhamento espiritual que eles urdem em nós a ponto de nos empurrar à escrita (especialmente a poética), não me parece oportuno e conveniente e, no fundo, não me agrada, por ora, fazer qualquer exame mais aprofundado de tua obra. Temo que possa inibir o autor em processo de desenvolvimento com qualquer palavra mais forte ou mal colocada. No entanto, de pronto, me apercebo de que és um vencedor frente à vida. Tens um futuro risonho e, como autor mais experimentado, preciso fortalecer e auxiliar no atingimento desse parâmetro. Hosanas ao Absoluto que vem te propiciando esse andejar no mundo. Podes ter a certeza que assim que a espontaneidade ou a inspiração me convidar a escrever uma análise crítica aos teus textos, prontamente o farei. Por ora, sou apenas o teu leitor silencioso. Aquele que rumina e aplaude o criador pela ousadia e coragem de, estando ainda no processo gestacional, já conseguir deixar sua palavra com garbo e beleza, como é o teu caso. Que o Absoluto te proteja.

– Do livro OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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