A BONOMIA DE VIVER

“Narciso! Bem que o sobrinho coruja, o Lourenço, me confidenciou que tu eras bom na escrita. Realmente, apesar de nada entender de futebol, apenas sou "torcedor de me esparramar frente à TV" (e colorado, o que já é um bom começo de sabedoria, aqui no Sul), entendo que todo o artigo está muito bem lavrado, escorreito. No mérito, nem se fala! Bem, o que se poderia esperar de alguém que está fruindo a idade da sabedoria? Um ‘setentão’ de fé, de fala firme, como convém a um sábio! Força! Toda ela pra dignificar o relato do possível hexacampeonato. Agora já temos neste Recanto o "Cronista do Hexa". Aceitas o desafio? Abraços do poetinha JM.

Enviado em 15/05/2006 21:28

para o texto: Seleção Brasileira: - HEXA CAMPEÃ!... Será? (T156475) - Narciso de Oliveira.”

Em primeiro lugar, renovo os parabéns! Realmente gostei do texto. Se o disse é porque penso assim. Não sou de cortejar a fácil popularidade. Escrevo porque preciso escrever, esta é a minha compulsão de amor ao semelhante, ao homem e minha condenação ao viver e ao pensar.

Agradeço a gentileza e o gesto de retornares com algumas impressões sobre os comentários que fiz ao teu texto acima.

Dei uma guaribada nuns eventuais lapsos vernaculares e de gramática que havia no texto da mensagem, mais pra instigar, provocar, e chamar à acuidade para com a tua obra, afastado qualquer outro objetivo secundário.

Lembra-te: estás a depor sobre uma lavratura de texto, sobre um escrito que te identificará para todo o sempre, mesmo que esteja em arquivo virtual. No que difere apenas é que não se trata de matéria impressa, como era o costume e prática até cerca de trinta anos, neste Brasilzão de Deus.

Grande, lindo, um rico potencial de amor, mas que demorou a se virtualizar, porque tudo isto representa dinheiro, despesas que os salários não tinham como prover. E ainda não o tem, na maioria das famílias.

A cada vez que a tecnologia avança, dando saltos a favor do Homem, mais aumenta o fosso entre o pobre e o rico. Fica a máxima: ninguém é igual perante o capital!

Às vezes fico pensando que a “virtualidade” é como uma escrituração literária, nasce sobre o nada e pode permanecer como verdade atravessando gerações.

Afinal, tudo o que escrevemos não têm destinação perene, apenas pode parecer definitiva. Nunca se sabe quanto tempo vai durar um poema, uma abordagem ficcional. Mas enquanto perviver a obra (criada) teremos a verdade temporal do autor e de seu estro. E deponho para que sirva de instigação pra quem quiser aproveitar e pensar sobre tal proceder, em Letras.

Escrever, escrever muito e revisar o que se escreve é necessário e útil, mesmo que na coloquialidade, no internetês descompromissado da grande Rede, para o qual a cada dia surgem novas corruptelas e suas adjacências. Conseguirá fixação esta nova linguagem? O tempo irá dizer...

Percebo que tu és um bom leitor dos textos vindos a lume no Recanto das Letras e gostaria que deixasses a tua visão sobre os mesmos em ‘COMENTÁRIOS’. Pode ser incluído ao pé de qualquer um dos textos publicados no sítio do Recanto das Letras. Com isto fica registrado e guardado no local próprio, que é este sítio para escritores. Para tanto, organizadamente, terás o registro das lavraturas em tua ‘escrivaninha’, acessível a qualquer momento...

Desta sorte, com este proceder, vai ficando um aporte de impressões dos leitores, o que se torna importante como referencial para quem publica, OK? Procede de maneira semelhante – sugiro – para que comeces a ter a tua história pessoal na lavratura de tuas impressões sobre o mundo em que convives: faça o arquivamento, o teu memorialismo.

Quanto a não teres tido a oportunidade de escrever CRÔNICAS, compra livros de Rubem Braga, Fernando Sabino, Mario Prata e tantos outros cronistas. Dá uma olhada em jornais como a Folha, o Estadão e, enfim, procura consumir tudo o que te chegar aos olhos.

No ato de escrever, precisa-se de textos que sugiram a instigação correlata na cabeça, com vocabulário fácil, mas fundamentalmente de percepção, de fixação intelectual sobre os fatos que analisas e sobre os quais estás depondo para a posteridade.

Cronicar é apenas fazer os comentários (assim de chamava a crônica, até o século XIX) sobre o que está ocorrendo no momento. O bom cronista emite opinião cuidadosa, quase seca, sintética. É o poeta da linguagem prosaica. Observa a vida e os seus fatos, registra-os e, sem transfigurar a realidade, emite comentários, buscando abordagem original, originalíssima, nova, inusitada.

Se o escrevente transfigurar a realidade, recriando o mundo, recriando o que vê, fazendo conotações com o uso de metáforas e linguagem figurada, não estará fazendo crônica e, sim, PROSA POÉTICA.

Espero tuas crônicas sobre o desenrolar da Copa do Mundo.

Acredito no teu potencial espiritual. Ninguém chega impune aos setenta anos, sempre terá algo pra contar. O tempo não perdoa, traz na pessoa a sua carga de misérias e de felicidades. Uma delas é a de poder chegar lúcido aos "setentinha", e poder depor para a posteridade o mundo em que vive ou viveu.

Contar como era o seu tempo, a sua família, a sua visão de mundo, o comparativo entre o que passa e o que fica. Pra quem gosta de futebol, registrar o futuro (?) hexacampeonato mundial para o Brasil pode trazer alguns anos de vida para poder continuar atento, vivo, amoroso, brasileiro, vestindo a camiseta canarinho, levantando a taça para seus filhos, netos e bisnetos.

Estarei certo? Aceitarás o desafio que faço para o escriba que te habita? Será isto possível pra quem somente tem por razão a bonomia de viver?

– Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/999285