Um avô

Dia de plantão num pronto-socorro de pediatria de hospital universitá-rio.Crises de asma, diarréias agudas, suturas dos pés à cabeça. A resi- dente estava grávida e, por gentileza, eu, staff, concedi fazer o horá-rio noturno em seu lugar - de zero até as duas horas da manhã.

Atendi um paciente e peguei na leitura dum livro do Cortazar para me distrair e passar o tempo.

Entraram na sala de atendimento um casal com um garoto de 11 anos.

"Pois não, sentem-se. Qual é o nome do rapaz?"

"Ivan."

"O que você está sentindo Ivan?

"Febre alta, doutor." - disse a mãe.

O pai estava de braços cruzados, com expressão raivosa no rosto. Em minha carreira como pediatra conclui que os pais não tem quase ne- nhuma capacidade de cuidar dos filhos, mas tem excesso de bom sen-so; e as mães tem muita capacidade de cuidar dos filhos, mas falta-lhes bom senso, porque intuitivamente tem muito mais percepção dos perigos de saúde por quais o filho passa do que o marido.

Pedi que Ivan sentasse na maca, com a espátula abaixei a língua e vi placas de pus na garganta. Um caso simples de amigdalite. Mesmo as-sim auscultei pulmões, coração, apalpei o abdome, enfim fiz o ritual do exame médico.

Em menos de cinco minutos a consulta estava concluída com a receita esculapina em mãos da esposa.

Pois é. Levantar de madrugada para ficar menos de cinco minutos num pronto-socorro não poderia agradar àquele pai.

"Só isso, doutor?"-perguntou puto da vida.

Como havia mudado para aquela cidade 6 meses atrás, pedi que sen- tassem. Comecei a fazer uma série de perguntas: Qual o clube que eu deveria me associar? Onde ficavam os melhores lugares para levar meus filhos com idades próximas ao do Ivan? Etcetera?Etcetera?Etcetera? E continuaria com aquela conversa fiada até o pai se dar por satisfeito e dizer está bom doutor, muito obrigado. Boa noite. Levan-tando-se da cadeira com pressa e talvez meio envergonhado.

O próximo paciente foi um bebê de 7 dias de vida, bom peso, nascido a termo que estava com o nariz entupido. Quanto menor a criança pior a obstrução nasal, porque as narinas são pequenas. A mãe era uma menina de 16 anos.

Expliquei que o neném estava passando por um período de adaptação ao ambiente externo do mar amniótico com palavras simples, prescrevi soro fisiológico para pingar no nariz e chamei a enfermeira para prepa-rar uma nebulização. Foi quando percebi um senhor na porta do con- sultório. Magro, de porte atlético, bem vestido e apessoado, careca com cabelos brancos por cima das orelhas até a nuca.

Inocentemente, enquanto a criança foi fazer a nebulização, fui lá diri- gir-lhe a palavra para explicar que não havia nada de grave com seu neto; mas antes cometi a gafe de perguntar:

"O senhor é o avô do menino?"

"Não, eu sou um idiota!" - ele respondeu.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 03/12/2008
Código do texto: T1317232
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