Cabrita
A menina tinha três anos. Veio com os pais ao consultório do pediatra. Saudações de praxe, o puericulturista perguntou qual era a queixa, enquanto a garotinha pegava uns brinquedos na caixa.
“A Júlia está evacuando igual cabrita!”
Só de calcinha na maca, o médico examinou-a com ênfase no abdômen, que não tinha nenhum empastamento fecal.
Dos dois aos quatro anos uma criança está na fase anal, pensou, é a época do aprendizado do controle dos esfíncteres, essa danadinha está a contrair o ânus, a prender as fezes, para evacuar aos poucos. Como assim chama a atenção dos pais, vai continuar essa prática que pode resultar numa constipação psicogênica. Mas não adianta nada eu explicar para os pais o que ocorre, porque não vai resolver o problema da Julinha, sorridente deitada sobre a maca. O bom humor é amigo da verdade. Por oportuno, o médico ralhou com a menina:
“Julinha, você está cortando o cocô todo, o cocô é para sair inteiro”!
Risos altos da pequerrucha:
“É. Eu estou cortando o cocô todo.”
Então foi explicada aos pais a questão do aprendizado do controle dos esfíncteres para que tivessem condição de mandar a filha evacuar direito.
Simples, não?
Nem tanto.
Em psicologia clínica ou psicanálise existe o conceito da validação consensual, isto é, o profissional de saúde mental só pode fazer uma interpretação quando o paciente já se encontra com os mecanismos de defesa demovidos.
Uma interpretação na hora errada pode causar um estrago.
A família saiu muito feliz do consultório. Doutor Oscar Cravo jamais se esqueceu dessa consulta perfeita.