QUEIMA-ROSCA

Tenho viajado muito, e, numa destas viagens, deparei-me com esta figura singular, que embora tenha sido batizado por José, ser chamado de Zeca, é mais conhecido na cidade onde mora por queima-rosca.

Quem conhece o significado da palavra, deve estranhar o fato deste relato, mas, por ser muito interessante, resolvi transcrevê-lo e até mesmo mostrar o que realmente aconteceu para que este apelido fosse dado ao Zeca.

Conversando com meu sobrinho e falando da necessidade que eu tinha em conseguir por alguns dias, um bom tratorista para fazer uns serviços na fazenda, ele disse-me:

- Procure o queima-rosca!

- Queima-rosca? Interpelei-o.

- Sim, ele é ótimo tratorista, é muito bom lidar com ele.

- Onde encontro, esse tal de queima-rosca?

- No Campestre.

- É esse mesmo o seu nome?

- Claro que não. Mas, somente é conhecido por queima-rosca.

Embora estranhando o nome do tratorista que eu ia procurar, minha preocupação era com o apelido, que eu bem sei o que significa e sempre evitava polemizar com pessoas que tinham essa “preferência”. Mesmo assim, dirigi-me à cidade onde ele deveria estar morando. Chegando lá, fui procurar no primeiro boteco que encontrei e, eu, que não queria chocar a mocinha que se encontrava por traz do balcão, perguntei:

- Moça, eu gostaria de saber onde mora o Zeca. Pode me informar?

- Zeca? Sei não, moço!

- Ele é tratorista, mora aqui na cidade.

- Eu não conheço, não, senhor.

Vendo que estava difícil encontrar o peão que eu necessitava para executar os serviços, deixando os pudores de lado, eu arrisquei ao perguntar:

- E o queima-rosca, você conhece?

- Ah! Ele eu conheço, sim senhor, mora logo ali, depois daquela esquina numa casa que tem um coqueiro na porta.

Agradeci e dirigi-me ao local indicado, depois de despedir-me da jovem que dera a informação sem o menor constrangimento. O único que ficara meio constrangido naquele momento fui eu.

Cheguei à porta da casa e, como não tinha ninguém à vista, bati palmas.

Momento depois, surgiu um jovem de mais ou menos um metro e setenta, com seus oitenta quilos, que ao ver-me, em frente à sua casa foi logo perguntando:

- Deseja falar com quem?

Respondi de chofre:

- Queima-rosca. Falei sem pensar e enquanto eu achava que poderia haver uma reprimenda caso fosse ele, ou ele achasse ruim, disse:

- Sou eu!

Expliquei-lhe o motivo de minha estada naquele lugar, enquanto ia observando detalhes do jovem, tentando descobrir nele os trejeitos característicos de pessoas que gostam deste tipo de coisa. Mesmo observando e por mais que eu quisesse, não vi nele, qualquer particularidade que o identificasse como homossexual.

- Intrigado e querendo tirar tudo a limpo, arrisquei ao perguntar:

Olha Zeca, esse é seu nome né? Diga-me afinal, porque esse apelido de queima-rosca, já que não acho que seja deste tipo de gente.

Ele olhou demoradamente e enquanto esboçava um largo sorriso foi dizendo:

- Isso é culpa do Chico Maia, e, minha também.

- Como assim? Explique-se:

Respirou fundo, como se tivesse relembrando algum fato do passado e então começou sua história:

“Quando eu tinha uns quinze anos, morava na fazenda do Chico Maia. Eu era um “faz tudo” e sempre que ele ia à cidade, situada perto da fazenda, eu o acompanhava. Eu era uma espécie de guarda-costas, embora ele não precisasse de um. Esta era uma rotina de quase todos os dias. Certa feita, quando chegamos à cidade, vimos um sujeito que era conhecido por Americano. Ele, era assim chamado, por haver retornado dos Estados Unidos e, ter ganho algum dinheiro por lá. Havia comprado um belo carro e sempre tinha em sua companhia duas ou três mulheres. Quando o vi, comentei para o Chico: Olhe!, o Americano, está com várias mulheres. Ao que ele me respondeu: Aquele sujeito é um queima-rosca. Eu que não sabia o significado da palavra, perguntei: - Seu Chico, o que é queima-rosca? Ele, talvez sem maldade, mas com uma certa dose de gozação, disse-me: Queima-rosca, é o cara que é namorador e pega muitas mulheres.”

Ele, parou a história, levantou-se e momentos depois trazia duas xícaras e uma garrafa de café, que, segundo ele, havia sido coado há instantes. Confesso que realmente eu já havia sentido cheiro de café que vinha de dentro da casa.

Ele estendeu-me uma xícara com café, que eu bebi com certa dificuldade, uma vez que o café era extremamente doce e eu gosto de café quase sem açúcar.

Depois de bebermos o café, levou a garrafa e as xícaras e ao retornar, sentou-se novamente no banquinho de madeira, respirou fundo e continuou sua história.

“ Dias depois, quando tirei uma folga, eu vim para cá, visitar meus parentes que moravam aqui. O primeiro lugar para onde me dirigi foi ao boteco do meu Tio Raimundo. Quando cheguei lá, o ambiente estava lotado, já que era fim de semana e como o pessoal daqui não tem nada para fazer, vai para os botecos, beber cachaça e jogar conversa fora. Entrei e depois de pedir a benção ao meu tio, bati a mão sobre o velho balcão de madeira, onde eram servidos as cachaças e com toda arrogância própria da juventude, eu gritei para que todos ouvissem:”

- Olha pessoal, a próxima rodada é por minha conta, pois acabou de chegar o maior queima-rosca do Campestre. E complementei: Agora eu sou, o novo queima-rosca do pedaço.

Naquele momento todos me olharam e alguns até cochicharam, mas, eu que pensava estar arrasando, continuei tentando aparecer e reafirmei:

- Não existe nenhum outro queima rosca aqui, como eu.

“Eles pareciam não acreditar, que um jovem tivesse a coragem de vir a público e declarar sua condição de queima-rosca com toda aquela altivez. Meu tio parecia que não tinha ouvido direito, pois arregalou os olhos e olhava-me com cara de abobalhado. Naquele momento eu pensava que ele estivesse admirando o sobrinho. Ele chamou-me do lado e perguntou”.

- Zeca, você sabe o que significa queima-rosca?

- Claro, queima-rosca é um cara namorador e pegador de mulheres..

- Quem falou que queima-rosca significa isso?

- Foi o Chico Maia.

“Meu Tio puxou minha orelha, que parecia que ele iria arrancá-la da cabeça. Levou-me para dentro do balcão e explicou-me detalhadamente o que significava aquela palavra. Foi difícil, eu levantar-me do banco onde me sentara e muito mais, ainda, ter coragem de sair de traz do balcão e encarar todos aqueles que haviam escutado o que eu havia falado. Tio Raimundo ainda tentou consertar as coisas através de explicações que ele dava para os presentes, mas o estrago já estava feito. Quando saí do boteco, peguei a primeira lotação que achei e fui direto para a fazenda, pois precisava me esconder e ao mesmo tempo reclamar do Chico que tinha me feito passar por aquele vexame. Mas, ao chegar na fazenda, não tive coragem de falar o que havia acontecido e escondi o fato para todos meus familiares. Pai, mãe e irmãos. Eles só ficaram sabendo, quinze dias depois, quando foram a cidade.”

Ele parou a narrativa e com ar de resignação disse:

- Entendeu agora, o porquê do apelido? Eu não culpo totalmente o Chico, pois eu era meio bobo e deveria ter-me informado direito sobre o assunto. Desde esse dia, todos me conhecem por esse apelido, embora eu nunca tenha ousado chegar a tal desatino.

Quando ele acabou de contar a história, eu com certo ar de gozação, mas sem ferir os sentimentos dele, falei:

- Por que você não aproveita que tem a fama e se joga na vida?

Ele riu de forma amarga e disse:

- Doutor, não faz assim, comigo não!

09-03-09-VEM.

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 15/03/2009
Reeditado em 21/04/2014
Código do texto: T1487317
Classificação de conteúdo: seguro